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Copacabana Palace reabre teatro, mas entorno não condiz com glamour

Hotel Copacabana Palace, no Rio, cujo teatro foi reinaugurado após quase 30 anos fechado - Divulgação
Hotel Copacabana Palace, no Rio, cujo teatro foi reinaugurado após quase 30 anos fechado
Imagem: Divulgação

Valmir Moratelli

Colaboração para o TAB, do Rio

29/12/2021 04h01

"Aqui vendo bala Halls por R$ 6. O povo tem mais dinheiro, né! Não posso dar mole. Na porta de outros teatros, ofereço por R$ 2", afirma o camelô Juvenal Assis, atento ao movimento inflacionado dos que chegam ao novo teatro do Copacabana Palace, nos fundos do famoso hotel carioca.

Após 27 anos fechado, o espaço reabriu em dezembro com um espetáculo musical sobre si mesmo. Em duas horas, passam pelo palco histórias da família Guinle, que pôs de pé o hotel que se tornaria símbolo de sofisticação numa época em que a cidade ainda era a capital do país. Na Era Vargas, o Copa abrigou cassinos. Nos anos 1950, foi passarela de desfiles de moda. Já recebeu shows de Frank Sinatra e Marlene Dietrich. Hoje é cenário de casórios de quem pode pagar no mínimo R$ 500 mil pela festa — algumas chegam a custar R$ 3 milhões — e, todo 31 de dezembro, suas varandas viram camarote vip do Réveillon na cidade.

A praia de Copacabana, que costuma reunir 2 milhões de pessoas, em 2021 deve ter movimento menor. Para evitar aglomerações, a prefeitura não montou palcos e vai impedir a parada do metrô no bairro. A medida, criticada como elitista, dá caráter ainda mais exclusivo às festas da orla, como a do hotel, que está com ocupação máxima e fila de espera. A ceia custa até R$ 4.000 e dá direito a acessar a varanda, de onde se tem vista privilegiada.

Palco do Teatro Copacabana Palace, no Rio, reinaugurado após quase 30 anos fechado - Fran Parente/Divulgação - Fran Parente/Divulgação
Palco do Teatro Copacabana Palace, no Rio, reinaugurado após quase 30 anos fechado
Imagem: Fran Parente/Divulgação

Invasões de dentro e de fora

A frequência do hotel sempre foi de estrangeiros e ricaços, dos sobrenomes que concentram o PIB nacional. De uns meses para cá, o perfil se alterou. Basta algumas horas entre o lobby e o bar da piscina que se percebe a invasão à brasileira. "O mercado nacional era responsável por cerca de 35% dos nossos clientes até março de 2020 e agora essa presença é superior a 80%", diz o português Ulisses Marreiros, gerente geral.

Neste final de ano, sotaques norte-americanos se misturam a nordestinos, sulistas e do interior do país. Os tipos também variam. Um homem malhado, de regata, espera o elevador de mãos dadas com um senhor mais baixo, carregando uma bolsa com letras garrafais da Prada. Em outro momento, sai do elevador uma mulher com seu lulu-da-pomerânia no colo. Vai à recepção e pede, em inglês, um recipiente para dar água ao filhote. Nesses casos, o hotel disponibiliza o "amenity pet", contendo caminha com tapete descartável, xampu, potes para água e comida e até brinquedos antiestresse para os animais de estimação.

A atendente orienta um casal a chamar Uber na portaria, e a não andar sozinho pela orla ao cair da tarde, devido aos assaltos a pedestres. O concierge, vestido de branco, ajuda com os pedidos de fotos no lobby a todo instante. A árvore de Natal é muito fotografada. Em vez do tradicional pinheiro nórdico, ela agora é feita de plantas tropicais. "Pega a árvore! Foca nela, que é mais imporrrtante", sorri a hóspede de sotaque mineiro, enquanto garante o registro.

A atriz Evelyn Montesano na escadaria do salão de festas do Copacabana Palace, no dia de seu casamento, em 2019 - Renata Xavier/Reprodução - Renata Xavier/Reprodução
A atriz Evelyn Montesano na escadaria do salão de festas do Copacabana Palace, no dia de seu casamento, em 2019
Imagem: Renata Xavier/Reprodução

Viagem no tempo

Além do Réveillon, ao longo do ano o hotel é procurado para celebrar casamento, bar mitzvah e baile de debutantes. A socialite Gloria Severiano Ribeiro é uma das que casaram a família toda no local. "Minha mãe fez 15 anos no Copa e em 1954 se casou lá. Quando eu era recém-casada e morava na Avenida Atlântica, passeava em frente ao hotel. Minhas três filhas e meu filho também se casaram lá. Ou seja, faz parte da minha vida."

Numa festa para 400 pessoas, a atriz Evelyn Montesano celebrou a união com o analista do mercado financeiro Rodrigo Hartz, em novembro de 2019. Foi uma das últimas antes da paralisação, devido à pandemia. "Queria casar num lugar com um glamour que não existe mais na cidade. Tá tudo envidraçado demais nos prédios novos! O Copa é o cenário perfeito para se viajar no tempo", diz Evelyn, que incluiu farturas de champanhe Veuve Clicquot no cardápio (uma garrafa custa, em média, R$ 500).

Depois da saída da diretora-geral Andrea Natal, que residia ali havia vinte anos, o único morador fixo do hotel é o cantor Jorge Ben Jor, sempre visto pelas dependências. "Já esbarrei com ele algumas vezes. Num Carnaval, com um grupo de amigos, ele se juntou a nós e até cantou", diz Jayme Drummond, habitué das suítes presidenciais, as "penthouses".

Em seu canal no Youtube Carioca no Mundo, com dicas de turismo de luxo, um vídeo sobre o hotel é um dos mais acessados - são mais de três milhões de visualizações. "O sucesso desse vídeo é um sintoma do interesse pelo Copa, o único hotel-palácio do Brasil. As pessoas me agradecem por mostrá-lo por dentro", diz Jayme.

Jorge Ben Jor no baile de Carnaval do Belmond, no Copacabana Palace, em 2020 - Marlene Bergamo/Folhapress - Marlene Bergamo/Folhapress
Jorge Ben Jor no baile de Carnaval do Belmond, no Copacabana Palace, em 2020
Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress
Turista faz foto do Copacabana Palace no início da pandemia de covid-19; foi a primeira vez que o hotel fechou as portas, em 97 anos - Zô Guimarães/Folhapress - Zô Guimarães/Folhapress
Turista faz foto do Copacabana Palace no início da pandemia de covid-19; foi a primeira vez que o hotel fechou as portas, em 97 anos
Imagem: Zô Guimarães/Folhapress

Funk no salão

Nome imediatamente associado a festas memoráveis na cidade, a promoter Carol Sampaio tem íntima relação com o lugar. É ela a responsável por fazer as estruturas dos salões vibrarem ao som de funk uma vez ao ano. "Toda menina sonha debutar ali. Costumo dizer que debuto todo ano no Copa, onde realizo meus aniversários. Logo depois do Carnaval eu zero a vida brindando com amigos e parceiros profissionais", diz à reportagem.

As festas da Carol já entraram para o calendário extraoficial de festas do Rio. Após o Carnaval, ela coloca 4.000 convidados para dançar em shows de Ludmilla, Thiaguinho, Anitta, Péricles, J. Quest, entre outros. O engarrafamento costuma tomar várias quadras até o sol raiar. Essa cena, aliás, não se repete há dois anos. É que a cidade parou justamente no dia que seria a sua festa, 19 de março de 2020. "Já aguardo ansiosa. Faço 40 anos em 2022", planeja.

A promoter é tão fã do hotel que convenceu o sertanejo Matheus, da dupla com Kauan, a casar lá com a modelo Paula Aires, em março de 2018. "A princípio faríamos em Goiânia, nossa família é de lá. Aí a Carol deu a ideia de a gente fazer no hotel. Ficamos loucos! Parte da família não conhecia o Rio", contou Paula à época.

Traições e moralidades

Estrelada por Claudio Lins (que vive o empresário Octávio Guinle, fundador do hotel), além de Suely Franco e Vanessa Gerbelli (que interpretam sua mulher, Mariazinha Guinle, em diferentes fases da vida), o musical em cartaz narra as dificuldades de se construir o palácio num areal, quando Copacabana ainda era um bairro bucólico. O suntuoso hotel foi encomendado pelo presidente Epitácio Pessoa para festejos do centenário da Independência, em 1922. Como já é de costume, a obra atrasou um ano.

Com projeto do arquiteto francês Joseph Gire, o hotel de 241 apartamentos coleciona histórias saborosas, como a do presidente Washington Luís, que em 1930 foi baleado pela amante, a marquesa italiana Elvira Maurich. Ou pelo discurso de Carmela Dutra, mulher de outro presidente, Eurico Gaspar Dutra, evocando a moral da família tradicional, ao defender o fechamento dos cassinos. As grossas cortinas do hotel remetem à Segunda Guerra Mundial, quando as luzes da orla eram apagadas. Havia temor de que ataques de tropas do Eixo no Oceano Atlântico atingissem o Rio.

Ao longo da peça, que também resgata rebuliços do show business, Mariazinha tranquiliza os hóspedes. "Os empregados são discretos. Só ouvem e veem o que é necessário para prestar um excelente serviço." Essa máxima segue à risca até hoje. Dificilmente algum empregado comenta o que vê pelos corredores acortinados.

Mobília pelos ares

Em passagem pela cidade em 1942 para filmagens de "It's all true", que ficou inacabado, o ator e diretor norte-americano Orson Welles brigou com a namorada por telefone e, revoltado, atirou a mobília pela janela - incluindo sua máquina de escrever. A piscina precisou ser evacuada para evitar acidentes. "Tem dias que a gente acorda de mau humor", teria dito um cínico Orson no "checkout" - lendária frase que foi incorporada à peça agora em cartaz. O hotel também já hospedou Carmem Miranda, princesa Diana, Mick Jagger, Santos Dumont, Walt Disney, Nelson Mandela e Madonna.

Hoje, o Copacabana Palace é um oásis cercado de problemas sociais agravados pela crise econômica. Basta rápido giro pela orla para observar usuários de crack à sombra de coqueiros à beira-mar, lojas fechadas e pessoas em situação de rua. Em redes sociais de moradores do bairro, há quem compare o entorno à série "The walking dead". "É muita gente dormindo nas ruas, e tem assalto a tudo que se mexe. Uma tristeza", diz a produtora Carolina Prates, vizinha do famoso hotel.

Imortalizada nas canções do baiano Dorival Caymmi como "princesinha do mar", Copacabana é, entre os bairros da zona sul, o que mais registra tiroteios, à frente até da Rocinha. Nos fins de semana de sol, arrastões são frequentes na areia. O governador Cláudio Castro (PL) anunciou a criação de uma delegacia da Polícia Civil dedicada à orla de Copacabana, que concentra 30% da criminalidade do bairro. Também serão instalados cinco postos do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas na Avenida Atlântica.
A violência minou o bairro como polo de lazer. Em 1998, eram 11 cinemas. Em junho fechou o último, o Roxy. Em 1997 eram 12 teatros. Atualmente, a maioria é usada como templo evangélico.

Os turistas de São Paulo Vinicius Giaconini, Gabriela Plana, Raquel Berboni e Alessandro Malavasi fazem uma selfie no Teatro Copacabana Palace, no Rio, reinaugurado após quase 30 anos fechado - Valmir Moratelli/UOL - Valmir Moratelli/UOL
Os turistas de São Paulo Vinicius Giaconini, Gabriela Plana, Raquel Berboni e Alessandro Malavasi fazem selfie no Teatro Copacabana Palace
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

Zerando a lua de mel

É nesse contexto que ressurge o Teatro Copacabana Palace. "Estreei como atriz no Copa, com a peça 'Diálogos das carmelitas', em 1955, há 66 anos. Sempre que passava em frente, batia tristeza profunda no peito, de doer mesmo. Ficava pensando como deixaram o teatro abandonado. É uma grata surpresa a reabertura", conta a atriz Maria Pompeu, aos 85 anos.

Levados pela fama, Vinicius Giacomini e Gabriela Planas foram conhecer o hotel na véspera do Natal com o casal de amigos Raquel Berbone e Alessandro Malavasi, todos de Lençóis Paulista (SP). "A gente combinou de ver o pôr do sol no Arpoador, mas estava trânsito e vimos um burburinho atrás do hotel, então resolvemos checar. Era o teatro. A gente morria de curiosidade de conhecer. Zeramos a viagem", celebra Gabriela.

Em 2018 o grupo LVMH comprou o hotel. No mesmo ano se iniciou a obra de recuperação do teatro, com 332 lugares. Uma cafeteria foi aberta no local — com garrafinha de água a R$ 16.

Após mais uma apresentação, Vanessa Gerbelli aguarda na calçada que o manobrista traga seu carro. A marquise a protege da chuva fina. "O Rio precisa voltar a ser o que foi no passado. Reabrir teatro é uma forma de insurgir", diz a atriz.

O vendedor de balas já foi embora. As luzes vão se apagando e, em minutos, o movimento se desfaz. Três jovens munidos de papelão, do outro lado da calçada, aguardam o silêncio da noite para se apossar daquele disputado pedaço de chão.