'Quando Moïse precisou, não tinha': ato no Rio teve grande efetivo de PMs

Sob o sol de 30° C às 9h30, a orla da Barra da Tijuca já contava com ao menos 100 manifestantes e um carro de polícia com dois agentes fardados. Um ato pedindo justiça por Moïse Kabaganbe foi organizado por coletivos negros e pela comunidade congolesa. Entre os movimentos presentes, estavam o Unegro, Mulheres do Axé do Brasil, coletivo de igualdade racial e capoeiristas.
A previsão de início era às 10h. No entanto, a tensão quanto à segurança do ato começou cedo: antes das 8h, uma cartilha de orientação aos manifestantes já circulava no WhatsApp. Um grupo de advogados se organizou para oferecer apoio em eventuais casos de prisão ou abuso policial. A principal recomendação era a de que os manifestantes não andassem sozinhos.
Os quiosques Tropicália e Biruta são colados e, ao lado, há duas escadas de acesso à areia da praia, onde estão barracas de venda de bebidas, cadeiras e guarda-sóis. Os manifestantes, até aquele momento, permaneciam na calçada — a única via obstruída até então era a dos ciclistas, que pediam, sem muita paciência, que os pedestres saíssem do caminho.
Antes das 10h, figuras públicas falavam ao público presente. Dentre as lideranças do movimento negro que se prontificaram a falar com a imprensa, Suzete Paiva, do Movimento de Mulheres do Axé Brasil, se pronunciava com a voz abafada por aplausos. "A morte contra o povo preto está banalizada. Temos que parar com isso", pedia.
Tensão e policiamento
Apesar de esperado, o grande contingente de policiais assustava os manifestantes. Às 9h45, já havia cinco viaturas, quatro motos e um ônibus com 16 policiais no quiosque Tropicália. Quinze minutos depois, já eram mais de 40 policiais. Os PMs estavam fardados com o uniforme cinza, comum ao policiamento da cidade; outros levavam coletes amarelos e os do Recom [Rondas Especiais e Controle de Multidão] iam com o uniforme de estampa camuflada.
O número de manifestantes também dobrou — e a pluralidade dos movimentos presentes era maior. Centrais sindicais, partidos políticos e movimentos sociais se juntaram aos coletivos negros.
Uma manifestante se incomodou com a presença de tantos policiais. Em conversa com uma amiga, disse que "quando um jovem negro precisou de um policial para salvá-lo, nao tinha. Agora, para inibir o ato, tem um monte".
O policiamento ostensivo foi comentado por diferentes rodas de conversa na concentração do ato. Um rapaz, sentado na grama no meio da Av. Lúcio Costa — em frente aos quiosques —, também perguntava ao amigo "caraca, de onde surgiram tantos policiais assim?". Entre os que organizavam a manifestação, a preocupação com a segurança resultou em uma conversa com o comandante da operação, César Veras.
Ao ouvi-los, o policial garantiu que a polícia não estava ali para fazer barbaridades e disponibilizou seu telefone pessoal para caso acontecesse algo. A conversa terminou tranquila e com disposição para que o ato fosse pacífico.
Papo de PM
Às 10h15, o carro de som se tornou o foco de falas no ato. Representantes de movimentos sociais diversos se revezavam ao microfone. Ao redor, os policiais se dividiram em pequenos grupos de cinco. Uns tentavam organizar o trânsito — que estava caótico depois que as pessoas tomaram as ruas — e outros se espalharam em locais com sombra.
A reportagem tentou conversar com os policiais, mas nenhum agente quis se pronunciar. Isso não quer dizer que não tivessem opinião sobre o assassinato. Entre si, conversavam sobre o tema. Um policial, ao tocar no assunto com o colega, perguntou em tom indignado "você viu o vídeo? O cara apanhou mais de 20 min". Depois do comentário, o silêncio imperou entre eles.
Outros dois agentes, um pouco mais afastados dali, falavam baixo. Durante um dos discursos inflamados do carro de som sobre o assassinato, um balbucia, sem terminar a frase — por ser interrompido com uma cotovelada — "tinha que ter matar?", o outro lhe deu um cutucão forte e o repreendeu lembrando "olha ao seu redor, cara".
O que também chamava a atenção dos presentes era a falta de máscaras no rosto dos PMs. Às 11h, quando o ato já andava, um grupo de cinco policiais em frente ao quiosque Tropicália foi abordado pelo vereador Chico Alencar (PSOL), que conseguiu uma máscara para um deles. Ao receber, o policial o esperou se afastar, riu com o grupo, quatro homens e uma mulher, e a amassou no bolso.
Comunidade congolesa no ato
A concentração demorou a sair e o sol ferveu na cabeça de quem não encontrou uma sombra. Um pouco antes do carro de som se mover, as falas pararam enquanto a família de Moïse e a comunidade congolesa chegavam em marcha cantando. As palavras de ordem deles, em português, eram "Moïse trabalhador!" e "Tropicália assassina!".
Já em cima do carro, um dos membros da comunidade congolesa gritou: "temos sempre que provar que somos trabalhadores, senão eles nos matam". Pouco depois, o quiosque Tropicália teve seu letreiro de identificação quebrado pelos manifestantes eufóricos.
Não houve outra escolha e a polícia teve que ceder: as duas vias foram fechadas. Os policiais se espalharam pelo ato e diferentes grupos se manifestavam. Atrás da marcha, cinco carros da Recom andavam devagar. Parte da comunidade congolesa ficou junta o tempo todo. Tocavam instrumentos e cantavam em suas línguas nacionais.
A caminhada, que foi do quiosque Tropicália ao posto 8 e voltou, durou quase duas horas. Os manifestantes não pareciam querer ir embora, ao contrário dos policiais — que já se organizavam para dispersar. Por volta das 12h30, os apoiadores do ato seguiram rumo à Avenida Ayrton Senna em direção ao centro, o que ocasionou trânsito. Enquanto isso, os policiais, já nas viaturas, aguardavam a dispersão para bater em retirada.
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