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Em Petrópolis, moradores se dividem sobre Exército: 'Deviam pegar enxada'

Oficiais do Exército ajudam a coordenar o trânsito na rua Alfredo Schilick, em Petrópolis (RJ) - Fabiana Batista/UOL
Oficiais do Exército ajudam a coordenar o trânsito na rua Alfredo Schilick, em Petrópolis (RJ) Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, de Petrópolis (RJ)

22/02/2022 09h46

De farda camuflada verde-oliva e marrom, o soldado do Exército traz na blusa um distintivo com a bandeira do Brasil. Paramenta-se a caráter, com bota preta e boina. No domingo (20), a promessa era de que oficiais estariam em dois pontos da região do Alto da Serra, em Petrópolis: na rua Sargento Boening, bairro da Chácara Flora, e no Morro da Oficina.

TAB circularia com oficiais do 32º Batalhão de Infantaria Leve de Montanha, da Vila Militar de Petrópolis, em reportagem solicitada à seção de comunicação social do Comando Militar do Leste. Entretanto, pouco antes do horário estabelecido para o encontro, a oficial que acompanharia o percurso desistiu da proposta.

A reportagem fez então o trajeto indicado anteriormente, das 11h às 17h, e encontrou menos de 50 fardados em atividade. Diziam não estar autorizados a falar com a imprensa.

Nas ruas, a presença do efetivo era questionada, especialmente nas áreas mais afetadas. Moradores não os viam nos pontos mais atingidos pela calamidade e reclamavam que os que estavam presentes eram insuficientes para dar conta do desastre.

O Exército se locomovia pela cidade de caminhão e sempre em grupo. A reportagem viu dois automóveis, próximos ao deslizamento. Um seguia de volta à base e outro estava a caminho do Alto da Serra. Ambos com, ao menos, dez homens.

A viagem até o Morro da Oficina foi demorada. Com trânsito congestionado, o trajeto de 3,9 km — normalmente feito em menos de 10 minutos de carro — levou quase uma hora. A partir da rua Teresa, principal via de acesso, o melhor foi seguir a pé.

Buscas no Morro da Oficina, em Petrópolis (RJ), no domingo (20) - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Buscas por vítimas no Morro da Oficina, em Petrópolis (RJ), no domingo (20)
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Orientação no trânsito

A primeira equipe do Exército encontrada em atividade estava na esquina das ruas Teresa com Dom João Braga. Eram três policiais e uma viatura parada. A função era orientar o trânsito caótico das 11h.

A próxima equipe estava a 10 minutos dali, na rua Alfredo Schilick. Em uma bifurcação, também ajudavam o trânsito, pois a rua estava interditada. Além de orientar os motoristas, abriam e fechavam uma cancela sanfonada para moradores e seus automóveis.

A interdição é justificada. O desabamento de um morro, poucos metros adiante, travou a circulação de automóveis. Uma escavadeira tipo Bobcat do Exército trabalhava incessantemente. Além do motorista, mais dois deles guiavam a máquina. Mais à frente, outra escavadeira estacionada e dois homens parados faziam parte da equipe de prontidão.

Ao serem abordados por TAB enquanto lavavam um carro que ficou atolado na lama no dia do desastre, moradores elogiaram o trabalho do Exército. "Hoje de manhã eles tiraram quatro caminhões de terra daqui."

Escavadeira Bobcat operada por oficiais do Exército, no fim da rua Alfredo Schilick, em Petrópolis (RJ) - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Escavadeira Bobcat operada por oficiais do Exército, no fim da rua Alfredo Schilick
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Isolados na lama

Portas improvisam o chão de terra movediça. Cordas são apoio para descer um muro e desviar-se da lama e das casas destruídas. Esse é o cenário encontrado a 500 metros da escavadeira Bobcat. Moradores improvisam passagens com pedras, portas e troncos de árvores.

Na altura da rua Carmem Ponte Marcolino, quatro voluntários e ao menos dez moradores procuram corpos. Um rapaz de farda ajuda a vasculhar. "O Exército? Até passaram por aqui ontem, mas subiram lá para cima", relata Maria Teresa de Oliveira, 61. Ela, que não perdeu a casa, mas tem dificuldade de sair por causa da destruição, reclama da falta dos órgãos competentes naquela região. "A gente tá isolado aqui presa, porque a terra tomou tudo."

Depois de subir ruas, virar esquinas e encontrar voluntários de rapel trabalhando na contenção de morros com uma espécie de lona, não é possível ver mais ninguém do Exército.

Às 12h30, os profissionais encontrados são funcionários da empresa de energia, de água, o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) com seu macacão amarelo fluorescente e os bombeiros.

Moradores lavam carro atolado na lama no dia do desastre, na rua Alfredo Schilick, em Petrópolis (RJ) - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Moradores lavam carro atolado na lama no dia do desastre, na rua Alfredo Schilick
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Agulha no palheiro

Ponto focal no resgate, o Morro da Oficina era acessível a pé, numa caminhada de meia hora.

A rua Coronel Albino Siqueira foi pouco atingida, mas isso não quer dizer que as casas não foram alvo da lama. Homens trabalhavam para tirar terras úmidas dos quintais com carrinhos de mão. Dali até a rua Teresa, escolas viraram abrigo. Igreja e quadras de lazer, pontos de acolhimento.

Voluntários subiam e desciam dos carros abarrotados de doações — brinquedos, fraldas, roupas, quentinhas, cestas básicas e água. Nesse trajeto, duas pessoas do Exército são vistas sentadas na guia da calçada almoçando.

Já na entrada do Morro da Oficina, na rua íngreme, a reportagem ouve: "Te desafio a encontrar sequer um do Exército". Adriana* conta que, naquele dia, oito deles subiram o morro. "Apesar de insuficiente, estes estão sempre aqui." A reportagem viu apenas um.

Ela e o marido, que moram na parte de baixo, estão há cinco dias no sobe e desce para ajudar os vizinhos a encontrarem parentes e amigos desaparecidos — ele com enxada; ela aquecendo, com garrafas de café, quem procura gente soterrada.

Voluntária revolve a lama na rua Carmem Ponte Marcolino, em Petrópolis (RJ) - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Voluntária revolve a lama na rua Carmem Ponte Marcolino
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Cão farejador

O cheiro é fétido e os mosquitos que sobrevoam a lama denunciam corpos apodrecendo. Já em torno de 15h, um cão farejador começou a latir em uma parte dos escombros onde moradores, há dias, reviram pedras e partes de uma casa na busca por corpos. "Olha, muitos mosquitos aqui deste lado", grita um voluntário. A rapidez de um homem em querer continuar cavando faz transparecer seu desespero para encontrar alguém.

Já um pouco mais abaixo, um outro grupo também busca corpos, a certeza de que há um ali movimenta profissionais da DAC - Ações com cães RJ e do Corpo de Bombeiros, que estabeleceram uma força-tarefa para desenterrá-lo. Bombeiros e voluntários barram a visão de todos ao redor. Ninguém é autorizado a fotografar. A tensão se instaura e todo cuidado é pouco. Socorristas são orientados a ficar em alerta e o corpo começa a ser tirado cuidadosamente.

No meio-tempo, uma mulher chega ao local. Uma profissional do DAC e moradores pedem que ela se afaste, o que não acontece. Ela decide ficar até o final. Numa casa de apoio, em um local mais afastado, a família da vítima aguardava notícias. "Queremos poupá-los, peço para não falarem sobre isso agora", pede uma voluntária.

Ao ser perguntada sobre o poder público na ajuda às vítimas das chuvas em Petrópolis, sobretudo o Exército, a voluntária, que não quis se identificar, disse que, enquanto os moradores chegam às 7h, os oficiais sobem o morro apenas depois das 10h. "O Exército? Em vez de ficarem fingindo orientar o trânsito, deviam pegar na enxada aqui em cima."

TAB questionou a Prefeitura de Petrópolis sobre o envio de tropas à cidade. Em resposta, ouviu que essas informações viriam do próprio setor de comunicação do Comando Militar do Leste. Contactado sobre a quantidade de oficiais e suas atribuições, o Comando afirmou, em nota:

"Por meio do Comando Conjunto Leste (C Cj L), cerca de mil militares estão sendo empregados em ações que englobam o apoio às buscas, resgate, desobstrução de vias de acesso, remoção de escombros, controle de trânsito e do espaço aéreo, doação e distribuição de donativos, atendimentos médicos, entre outras atividades operacionais e assistenciais".

A nota continua: "Foram disponibilizados pelas Forças Armadas diversos meios material e pessoal, como viaturas, ambulâncias, motosserras, bote, retroescavadeira, equipamentos de comunicações, helicópteros, assim como profissionais de diversas áreas, incluindo engenheiros e equipes de saúde. Os militares, que prestaram apoio desde as primeiras horas após as fortes chuvas, permanecem em condições de auxiliar a população a qualquer momento, em parceria com outras entidades civis e militares".

*nome trocado a pedido da entrevistada

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