No Rio, ambulantes pedem para participar dos grupos que combinam blocos
Um grupo de aplicativo de mensagens apita logo cedo. A animação represada por dois anos começa a se organizar em uma sequência de mensagens no Telegram, que reúne foliões, turistas e até camelôs. Enquanto alguns publicam vídeos de blocos de rua na madrugada, outros começam a perguntar o que deve rolar de manhã. Criado por Aline Costa, 35, a única a alimentar uma lista favoritada, o "Localização dos blocos RJ" reúne 1.265 membros que não param de mandar fotos, horários, endereços e impressões.
Já nas ruas do centro do Rio, músicos purpurinados de rosa, branco e roxo tomam a rua Geraldo, em cortejo, às 9h. Os foliões dão asas à imaginação e aparecem com muita cor e brilho. Um estandarte identifica e, ao redor do "Amores Líquidos", o clima é de reencontro e alívio. Amigos de outros carnavais se abraçam e festejam após dois anos longe das ruas.
No embalo de clássicos da MPB como "Tempos modernos", "Exagerado" e "100% Você", as vozes se misturam. Os instrumentos de sopro e o batuque da baqueta na caixa trazem o ritmo de Carnaval. Na quinta-feira (21), o bloco era o mais procurado no período matutino.
Em piruetas em cima dos patins Quad, Karen Gusmão Ortiz, 33, não esconde a alegria de poder festejar com os amigos. Ela é uma das organizadoras e está vestida com as cores do bloco e explica que pulou Carnaval em fevereiro, na data costumeira, sem identificação e com medo da repressão. Dessa vez, mesmo sem diálogo aberto com a prefeitura, a euforia era maior que o medo.
Informação para trabalhar
Às 10h, a folia estava na Avenida Rio Branco. Gente fantasiada invadiu as duas pistas e parou o VLT (veículo leve sobre trilhos). Às 11h, os foliões ocuparam três quarteirões da rua paralela, a Visconde de Inhaúma.
A comunicação foliã era toda online. "Olha, disseram que na Cinelândia o bloco do Gil está mais vazio", diz uma mulher para as amigas. O "Mistérios há de pintar por aí", com pouco mais de dez músicos ao som de Gilberto Gil, saiu em cortejo, às 11h, em direção à Av. Presidente Vargas.
Quem também aproveita as indicações que circulam pelo Telegram são os vendedores ambulantes. O casal Rafaela Rocha, 22, e Pablo Paes, 23, ambulantes em festas noturnas e na Central do Brasil, pretende trabalhar durante a noite na região do Sambódromo e acompanhar os blocos de rua no período diurno. "Como não tem nenhuma divulgação oficial, a gente pede para nos colocarem em grupos."
Os dois, pais de duas bebês que ficaram aos cuidados da avó, buscam vender todo o estoque de cerveja até domingo (24). Mas a variedade de vendas é múltipla. Há quem asse espetinhos, estoure pipoca ou venda bebidas. Também tem camelô de purpurina, brinco e fantasia. Em um triciclo carregado de potinhos de purpurina que custam, dependendo do tamanho, mais de R$ 10, Beatriz Silva, 20, diz que quer entrar em todos os grupos que puder para aproveitar as vendas até nos pouquíssimos divulgados. "Se precisar pedalar até a zona sul, eu vou."
Uma mão na purpurina, outra no celular
A temperatura não bate 25ºC nos termômetros públicos e a movimentação nas principais avenidas aumenta após o almoço. No período da tarde, a partir das 14h, também tocaram no centro os blocos "Pomba Idosa", no Museu do Amanhã, "Truque do desejo", na Banca do André, "Desculpe o Transtorno", na rua do Carmo e "Charanga Venenosa", na Praça Mauá.
Com as amigas de olho no celular, Milena Ferreira, 31, esteve em três. Para não perder nada, já que está no Brasil em curta temporada, acompanhou grupos de aplicativo e planilhas de Excel disponíveis virtualmente. Para relembrar os últimos anos no país, vestiu o maiô azul de uma manga e uma meia arrastão cor-de-rosa neon que usou no Carnaval de 2018.
Grudada nas três amigas que não encontrava havia mais de dois anos, desde que se mudou para a Alemanha, a bióloga explica que a expectativa pelo período festivo era tanta que, apesar do medo da contaminação pela covid-19, tirou férias do trabalho na Europa exatamente por causa do Carnaval.
Outra foliã que não larga o celular é Carolina Miranda, 33, vestida com um maiô preto e purpurinas azul, rosa e amarelo. Segundo as amigas, "é uma mão na purpurina e outra no celular". Na fila para comprar bebida durante o "Truque do Desejo", confidencia: "Quero ir para o máximo de blocos possível". Até às 15h, o trio, na rua desde às 6h, já passou por seis.
Democratização da informação
No fim da tarde, às 18h, enquanto os blocos diurnos murchavam, o grupo de Aline pipocava perguntas: "Alguma coisa na Praça Mauá?", "Alguém sabe se o Bagunço vai rolar?", "Ainda vai ter algo pelo Centro?". Uma das mensagens implora por informações do "Besame Mucho", no Largo das Neves, em Santa Teresa. "Quem puder chegar no besame e mandar o report aqui, por favor". Durante a noite toda, membros reclamavam: "tá impraticável ficar aqui".
O grupo foi criado por dois incômodos: barreiras impostas por administradores de outros espaços virtuais para incluir membros e a não-circulação de informações. O "Localização dos blocos RJ", que está no Telegram, só divulga o que foi devidamente apurado e, para isso, a administradora entra em contato com organizadores e revisa cada informação publicada ali ou em páginas de redes sociais.
"Tem blocos que pedem para ser retirados da lista. A maioria entra em contato para ser incluído", conta.
A reportagem do TAB não conseguiu encontrar Aline entre os foliões — no primeiro dia, ela decidiu sair apenas no "Pomba Idosa" e no "Besame Mucho", dois dos espaços mais lotados do feriado. Trombonista e tubista, a rua será seu segundo lar nos próximos dias.
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