'Do Bolsonaro encalhou': o mercado de toalhas com estampa de políticos
O termômetro marcava 18°C no Saara, uma tarde fria para o carioca. Evelyn, que trabalha em uma das incontáveis lojas do comércio popular do Rio de Janeiro, havia acabado de vender por R$ 16 uma toalha estampada com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O produto também é encontrado nos semáforos ou na praia, onde estão sendo vendidas peças por valores que variam entre R$ 30 e R$ 50. Até chegarem às mãos e ao restante dos corpos dos clientes, as toalhas se desenrolam por aí.
Comerciantes como Evelyn normalmente encomendam as toalhas pela internet, em sites de pequenas e médias empresas que trabalham com impressões em brindes ou com vendedores avulsos no Mercado Livre ou no Shopee. Quanto mais se pede, menos se paga. Em grandes quantidades dá para negociar cada unidade a R$ 10. Enquanto uns choram, outros secam as lágrimas.
Para ser produzida num processo chamado de sublimação, gráficas ou estamparias usam uma toalha propícia para o trabalho, mais fina, 50% algodão e 50% poliéster, com um lado para exibir a imagem e outro pensado para secar a pele do corpo — e seguem o passo a passo: recebimento da arte; corte do tecido; impressão; prensagem e, por fim, acabamento.
A arte desejada é enviada pela internet e impressa no tamanho que vai ficar no tecido. Quando o pano já não está cortado, é preciso fazer o corte nas medidas. No caso das toalhas, algo em torno de 70 cm x 1,30 m.
O tecido e a arte nos tamanhos desejados vão juntos para uma prensa sublimática a 220°C, juntando os materiais em um só. O que sobra de pano passa por um leve corte e começa o trabalho de costura. As linhas vão sendo cosidas até que o acabamento da base da toalha fique pronto, perfeitamente trançado.
"Depois é só empacotar e mandar para os clientes", conta Israel Oliveira, 38, proprietário da Rema Confecções, que fica em Curicica, zona oeste do Rio. Na estamparia, ao som da rádio JB FM, ele produz, com um auxiliar e três costureiras, roupas de toda a sorte, de time de futebol de pelada a estampa evangélica.
Os pedidos de toalhas ainda não estão tão frequentes, mas Israel imagina que, com a proximidade das eleições, vão aumentar, embora tema campanhas mais agressivas: "Às vezes é igual rinha. Negócio de política, eu tô fora, mas o trabalho a gente faz. Só encomendar que a gente faz."
Lula sai mais
Há quem produza as toalhas de forma um pouco diferente. As de Eduardo, da Snark Brindes, do bairro Chora Menino, de São Paulo, são 70% algodão e 30% poliéster. "Com menos algodão, a pessoa nem se seca direito, só se arranha. A arte também é importante. Se vier com resolução baixa, a foto do Lula fica parecendo a do Lula Molusco", brinca.
Em geral, as empresas que vêm produzindo toalhas com fotos de Lula, Bolsonaro e outros pré-candidatos à Presidência começaram a receber orçamentos no final do ano. Os pedidos ganharam força de fevereiro para cá. Na média, são cinco encomendas de 10 unidades por dia, principalmente para revenda na rua.
Tanto nos pedidos para produção quanto no comércio de rua ou pela internet, a toalha com a foto de Lula é mais pedida. Evelyn, lojista do comércio popular do centro do Rio, diz que a cada dez dias precisa pedir mais toalhas do petista ao seu fornecedor. "Do Bolsonaro encalhou."
A cada dez, oito são de Lula e duas de Jair. "Do Ciro nem vale a pena encomendar", explica ela, na loja Virou Tendência, que vendeu 400 unidades na última semana — 320 lulistas e 80 bolsonaristas.
A chuva fina e fria que insiste em molhar o Rio nos últimos dias afastou um pouco os clientes das ruas de Madureira, outra região da cidade conhecida por preços baixos e variedade de produtos. Contudo, não enxugou as vendas das toalhas. Na barraca de Vitória, ao lado da subida da passarela para o trem, só sobrou toalha de Bolsonaro. "Do Lula tem, mas acabou. Vendeu", informou a moça.
Até empresas que vendem toalhas para o processo de sublimação recebem pedidos de toalha "do Lula". Valney, responsável comercial pela Empório das Estampas, de São Paulo, conta que o telefone toca diariamente atrás delas. Entretanto, para ele, que trabalha com toalhas "normais", todas revestidas de algodão, mais pesadas e grossas, não vale o investimento. O lucro é baixo.
Surra de toalhas
Uma das primeiras aparições de uma toalha do tipo foi no início de março. Enquanto um cinegrafista da Globo fazia imagens da praia de Copacabana no aniversário do Rio, um banhista se levantou e lançou a imagem de Lula para rolo na lente. O banhista é André Serena, estudante de ciências Sociais e militante LGBTQIA+, de São Paulo. A imagem viralizou e, depois disso, foi surra de toalhas por aí.
No Lollapalooza, já no fim de março, Pabllo Vittar pegou uma toalha de Lula, que estava com um fã, e se embrulhou nela. À época, o Tribunal Superior Eleitoral acatou parcialmente um pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, de proibir manifestações políticas de artistas no festival.
Chico Buarque também levantou a toalha de Lula e levou o público ao delírio num show na Mangueira, no dia 31 de março.
No mês seguinte, durante uma motociata do presidente, um motoqueiro bolsonarista quis provocar um vendedor à beira da estrada e perguntou por que não tinha toalha do "ex-presidiário Lula". A resposta foi seca: "Já vendeu tudo".
Em maio foi a vez de Luíza Sonza mostrar a toalha do ex-presidente petista num show em João Pessoa. Em junho, no encerramento do São Paulo Fashion Week, o estilista Célio Dias vestiu a toalha de Lula ao desfilar na passarela, saudado pelo público.
'Sou pelo Brasil'
Empresas que estão produzindo toalhas têm receio de expô-las na frente de suas lojas ou nos seus sites — pela polarização política e por medo de infringir a Lei Eleitoral, principalmente após o episódio no Lolla. Por outro lado, há quem anuncie os produtos citando diretamente a cantora: "Toalha Lula - Pabllo Vittar".
"Sou pelo Brasil. Não quero me meter em briga política. Quando perguntam se trabalho com sublimação em toalhas, mostro outros modelos, nunca de político", frisa Eduardo, da Snark Brindes.
Segundo a lei, situações assim não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a "menção à pretensa candidatura", a "exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos", a "divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas", e a "participação em eventos, entrevistas e debates" — essa última frase provoca debates entre especialistas.
Entre as empresas ouvidas pelo TAB, os pedidos de compra vêm de comerciantes ou compradores avulsos, não de partidos ou candidatos. "Acredito que Lula e Bolsonaro, nem os partidos deles, não tenham nada com isso", afirma Henrique, proprietário de uma estamparia em Triagem, zona norte do Rio, que não faz as toalhas justamente por temer a lei.
"Faço arte de político e coloco nas toalhas, mas não trabalho para político. Recebo a encomenda e faço. Compra quem quer, e eu quero é vender", encerra Eduardo.
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