Topo

Ex-detentos enfrentam fila em frente a fórum de SP para assinar condicional

Quantidade de pessoas obriga a formação de fila duplicada em frente ao Fórum Criminal Barra Funda, na zona oeste de São Paulo: muitos chegaram de madrugada para pegar atendimento de manhã - Gsé Silva/UOL
Quantidade de pessoas obriga a formação de fila duplicada em frente ao Fórum Criminal Barra Funda, na zona oeste de São Paulo: muitos chegaram de madrugada para pegar atendimento de manhã
Imagem: Gsé Silva/UOL

Rosa Symanski

Colaboração para o TAB, de São Paulo

25/07/2022 04h01

São 9h da manhã de quinta-feira (21) e a mãe, com um bebê de oito meses no colo, corre para dar um lanche às filhas de três e oito anos, sentadas no meio-fio em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. A família havia saído de casa no Grajaú, na zona sul, às 2h da madrugada para acompanhar o pai, Wellington, 30, que precisava assinar o documento de sua liberdade condicional.

Ele foi preso por assalto e condenado a uma pena de dez anos. Para assinar a condicional, já havia comparecido ao fórum no dia anterior, mas se deparou com uma fila imensa, a maioria ex-detentos como ele. "Não consegui senha e precisei voltar", explica.

Diariamente, centenas de ex-detentos vêm se enfileirando nas imediações do fórum para resolver suas pendências. Não há sanitários por perto, nem bebedouros de água. Segundo relatos, quem chega de madrugada para garantir os primeiros lugares da fila passa frio; quem chega já de manhã passa horas debaixo do sol até conseguir uma das senhas que começam a ser distribuídas às 9h.

O ex-detento Caio Henrique, 33, e a mulher, a motorista de Uber Anna Luiza, 39, vararam a madrugada em frente ao fórum. Saíram da Mooca, na zona leste, e chegaram à Barra Funda por volta das 3h. Preparados para a longa espera, levaram agasalhos, cadeiras e um cooler com comida.

Fila no Fórum Criminal Barra Funda - Gsé Silva/UOL - Gsé Silva/UOL
Família acompanhou Wellington, que precisava assinar documento de sua liberdade condicional
Imagem: Gsé Silva/UOL

"Sou prevenida e estou acostumada a acampar", justifica Anna, que olha para a família com as três crianças e lamenta. "As pessoas não sabem o que vão passar aqui nessa espera."

Caio, cozinheiro no turno da noite num delivery, saiu direto do trabalho para tentar obter uma das senhas. Ele pegou uma pena de sete anos e nove meses por assalto e esperava conseguir assinar sua condicional.

Tiago, 34, chegou às 15h de quarta-feira (20) no fórum, pois alguém lhe informou que existiria uma lista em ordem alfabética para atendimento. Só na hora descobriu que era preciso uma senha. Ele não tinha.

Vindo da Cachoeirinha, na zona norte da cidade, diz que demorou 1h40 de ônibus para chegar à Barra Funda para assinar seus papéis — ele foi condenado a sete anos por tráfico internacional de drogas. Levou papelão para se sentar e cobertas. Decidiu então virar a noite para tentar o atendimento na manhã de quinta. "Imagina que estou há 18 horas aqui para conseguir pegar um dos primeiros lugares da fila", afirma.

Fila no Fórum Criminal Barra Funda - Gsé Silva/UOL - Gsé Silva/UOL
'As pessoas não sabem o que vão passar aqui nessa espera', diz Anna, que levo cadeira e cooler para a fila
Imagem: Gsé Silva/UOL

'É uma situação desumana'

Segundo a Lei de Execução Penal, o benefício do "livramento condicional" requer que o indivíduo liberado tenha trabalho legal, comunique periodicamente a ocupação ao juiz e não mude de comarca sem prévia autorização.

Nos últimos três meses, a fila em frente ao fórum se fez notar na vizinhança e alterou a rotina de moradores e comerciantes. Com o espaço restrito da calçada, muitas das pessoas que procuram atendimento no fórum ocupam a rua José Gomes Falcão, uma região de fluxo intenso devido à presença de outras instituições nas cercanias, como o Fórum Trabalhista, na avenida Marquês de São Vicente.

A fila ocupa boa parte do quarteirão e virou motivo de reclamações dos moradores de um condomínio de alto padrão nos arredores.

"Está muito complicado. Eles não cabem na calçada. Não existe lixeira para jogarem o lixo, assim como não tem banheiro, e eles acabam fazendo as necessidades no chão. Sem falar dos ambulantes que ficam dos dois lados da rua", diz Gustavo, morador do condomínio.

Fila no Fórum Criminal Barra Funda - Gsé Silva/UOL - Gsé Silva/UOL
Rua José Gomes Falcão é tomada por pessoas da fila de espera do fórum da Barra Funda
Imagem: Gsé Silva/UOL

Ele conta que precisou mudar o trajeto de passeio com os cachorros devido ao pouco espaço que restou na região. "Preciso andar na ciclofaixa."

Fabiano, síndico do condomínio, afirma que advogados moradores do prédio estão elaborando um ofício para encaminhar nos próximos dias ao Fórum Criminal, reivindicando que seja alterada a forma de atendimento "aos usuários, trazendo segurança e higiene à via pública".

"O problema é que o pessoal da fila não tem assistência, não tem banheiros", diz. "Eles chegam à noite ou de madrugada para serem atendidos [no dia seguinte]. É uma situação desumana. O problema não são as pessoas que estão fazendo aglomerações, mas a morosidade no atendimento do fórum."

Segundo o síndico, já houve denúncias sobre a situação à Prefeitura de São Paulo no setor de reclamações do número 156, mas as tentativas foram inócuas. Fabiano recebeu a seguinte resposta, mostrada à reportagem: "Sobre a sua solicitação de fiscalização de ambulantes, informamos que uma equipe da subprefeitura da região correspondente será enviada para monitorar o local e, se constatada a irregularidade, autuar o responsável e apreender eventuais mercadorias".

Entretanto, ele afirma que até agora não houve nenhum tipo de fiscalização. Uma das reclamações foi feita no dia 17 de maio no 156. "Depois verifiquei que o caso já foi dado como encerrado."

Fila no Fórum Criminal Barra Funda - Gsé Silva/UOL - Gsé Silva/UOL
Senha para o atendimento por volta das 9h de quinta-feira (21): 953
Imagem: Gsé Silva/UOL

Procurado pelo TAB, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) informou, em nota, que esse tipo de atendimento ficou suspenso por dois anos (2020 e 2021), devido à pandemia, o que vem ocasionando agora aglomerações para atendimento no complexo da Barra Funda. Assim, os sentenciados com benefício da liberdade condicional só puderam comparecer, segundo o TJ-SP, a partir de 4 de abril de 2022, seguindo "cronograma conforme a letra inicial dos nomes".

O setor tem distribuído de 550 a 600 senhas por dia, a partir das 9h. "A recomendação é que apenas o sentenciado compareça, mas muitos estão acompanhados de familiares, o que aumenta as aglomerações", afirma a nota.

"Os sentenciados que foram beneficiados com o cumprimento de pena em regime aberto, livramento condicional ou suspensão condicional da pena (sursis) devem comparecer em juízo para justificar suas atividades. Trata-se de uma imposição da Lei de Execução Penal", diz a nota. O tribunal destaca que nenhum benefício será revogado em prejuízo dos que compareceram. Àqueles que não conseguiram atendimento no período estipulado, a orientação é que aguardem o novo cronograma que está sendo elaborado.

*Sobrenomes suprimidos para preservar a identidade dos entrevistados