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'101%' Bolsonaro: a festa julina de um clube de tiro no interior de SP

Ricardo Rebelato, fundador do Clube de Tiro Rebelato - Rodrigo Ferrari/UOL
Ricardo Rebelato, fundador do Clube de Tiro Rebelato
Imagem: Rodrigo Ferrari/UOL

Rodrigo Ferrari

Colaboração para o TAB, de Elisiário (SP)

27/07/2022 04h01

Foi preciso passar por uma estrada de terra coberta com cascalho, cruzando canaviais, para chegar à festa julina na zona rural de Elisiário, cidade com pouco mais de 3.000 habitantes na região de Catanduva (SP), no último sábado (23). De primeira, o visitante encontra uma câmera de vigilância instalada no endereço identificado pela sigla CTR, o Clube de Tiro Rebelato. De longe, já dá para ouvir os disparos.

O CTR ocupa uma área de 20 mil m², no interior de uma fazenda de cana-de-açúcar de 145 hectares. Pertence ao empresário Ricardo Rebelato, de Catanduva. Por volta das 16h30, pouco antes do início da festa, praticantes atiravam nos estandes a cerca de 100 m da festa julina. O tiro, dizem, é apenas um esporte.

Acertar o alvo é o objetivo. "Concentração, respiração, mira - é isso que importa. Ninguém está pensando em outra coisa", diz o bancário aposentado Milton Miyataki, 59, que costuma participar de competições da modalidade. Entre suas armas está um fuzil M4, modelo da família do AR15, capaz de acertar alvos a 600 m de distância.

"Foi do tiro a primeira medalha olímpica do Brasil, a prata conquistada por Afrânio Antônio da Costa em 1920 (nos Jogos de Antuérpia, na Bélgica)", lembra Samir Naufal, 36, diretor esportivo do CTR. "O problema é que a discussão ficou muito politizada nos últimos anos."

Milton Miyataki, frequentador do clube - Arthur Brusqui/Divulgação - Arthur Brusqui/Divulgação
Milton Miyataki, frequentador do clube
Imagem: Arthur Brusqui/Divulgação

Que tiro foi esse

Atualmente, o CTR conta com 1.200 associados. Foi fundada há cerca de 15 anos, como um espaço particular para o proprietário praticar tiro. Com o tempo, Rebelato passou a receber amigos adeptos do esporte, até que, em de 2016, resolveu admitir associados de fora. O valor da anuidade varia, mas fica na casa dos R$ 450.

Não é preciso possuir armas para frequentar o clube. Entretanto, a assiduidade (ao menos nove visitas anuais à instituição) é um dos elementos que as autoridades consideram ao renovar a licença para posse do equipamento para aqueles que se declaram atiradores esportivos.

No início, quase todos os frequentadores do CTR eram homens. Hoje, segundo Naufal, mulheres já representam quase 30% do público do clube. "O esporte está se tornando um programa de família", afirma.

Segundo o gerente do CTR, João Navarro, mulheres teriam melhor desempenho na prática do tiro devido à concentração. Para Navarro, a arma é alvo de "preconceito" como um objeto voltado à violência, para matar - seria mais, segundo ele, um instrumento de defesa, "para igualar forças".

Entretanto, há frequentadores que não cogitam a possibilidade de andar armados. Naufal é um deles. "Teria de mudar meu estilo de vida. Além disso, nada impediria de acabar sendo surpreendido por um bandido. Se o ladrão souber que estou armado, ele não pensará duas vezes antes de me matar", afirma.

O casal Jeferson Luiz de Almeida e Márcia de Almeida, frequentadores do clube - Rodrigo Ferrari/UOL - Rodrigo Ferrari/UOL
O casal Jeferson Luiz de Almeida e Márcia de Almeida, frequentadores do clube
Imagem: Rodrigo Ferrari/UOL

Garoto-propaganda

Embora a politização em torno da modalidade cause certa apreensão nos praticantes mais antigos, a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) foi fundamental para a popularização do esporte ali. Não foram poucos os associados que chegaram ao CTR estimulados pelo discurso pró-armas do presidente.

"Ele abriu os meus olhos", o empresário Jeferson Luiz de Almeida, 48, que frequenta o clube há três anos e três meses.

"Antes de Bolsonaro ser eleito, nunca havia pensado nessa possibilidade. Hoje, sei que tenho a liberdade de possuir uma arma para defender minha família", acrescenta.

De chapéu e camisa xadrez, Almeida levou a família para a festa julina, que reuniu diversos casais e crianças, num total de 150 visitantes, embalados por MPB na vibe "Chão de Giz", de Zé Ramalho, e itens na verdade juninos, como churrasquinho, canjica e quentão.

Nada ali lembrava elementos bélicos, exceto as geladeiras, estampadas com o escudo do CTR e ilustrações de revólveres.

Ricardo Rebelato, fundador do Clube de Tiro Rebelato - Rodrigo Ferrari/UOL - Rodrigo Ferrari/UOL
'Aqui é uma empresa. Ela está aberta a todo mundo', diz o fundador do CTR
Imagem: Rodrigo Ferrari/UOL

'101%' Bolsonaro

Festas assim fazem parte de uma estratégia: abrir a instituição para o público não necessariamente adepto do tiro esportivo. Em maio, o clube fez uma feijoada, por exemplo. Depois, foi vez de um churrasco de costela "fogo de chão".

Márcia de Almeida, 41, casada com Jeferson Luiz de Almeida, também é frequentadora do CTR. Antes, conta ela, o assunto armas lhe despertava medo. Atualmente, considera "uma necessidade, diante de toda a violência que existe por aí".

Os Almeida são apoiadores de Bolsonaro. "101%", ela faz questão de frisar. Para ela, a expectativa de resgate de "valores" como o patriotismo seria ponto positivo do governo. Armar-se seria uma possibilidade de se defender contra "homens maus". "Não me recordo de nenhuma declaração preconceituosa dele contra as mulheres. Na verdade, ele nos empoderou."

Eles, na verdade, estão longe de ser os únicos apoiadores de Bolsonaro na festa. Fosse o primeiro turno ali, o presidente teria 100% dos votos, eletrônico ou no papel, diz o anfitrião da festa, Rebelato.

Ele, aliás, tem forte atuação na direita de Catanduva. Na eleições de 2020, disputou a prefeitura da cidade de pouco mais de 120 mil habitantes (ficou em quarto lugar, com 7.778 votos). Para 2022, organizou um simpósio regional, com a presença do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), que é frequentador da agremiação. Entretanto, Rebelato diz que o clube é aberto a todos, "de outras ideologias, inclusive militantes do PT".

"Aqui é uma empresa. Ela está aberta a todo mundo que esteja disposto e tenha condições de frequentar."