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Museu indígena convida visitante a tocar nas paredes para sentir energia

Museu de Culturas Indígenas - Gabriela Di Bella/UOL
Museu de Culturas Indígenas
Imagem: Gabriela Di Bella/UOL

João de Mari

Colaboração para o TAB, de São Paulo

10/08/2022 04h01

O tempo nublado desta terça-feira (9), Dia Internacional dos Povos Indígenas, deixou a artesã mato-grossense Cristiane Bororo, 30, um tanto intranquila. Instalada no jardim do Museu das Culturas Indígenas, na Água Branca, zona oeste de São Paulo, ela estava à espera de visitantes para vender seu artesanato, junto com a filha, que brincava com bonecas e miçangas nos paletes de madeira que faziam as vezes de mesa.

Cristiane e o museu são novatos em São Paulo. Ela chegou há uns sete dias; a casa, por sua vez, abriu portas no fim de junho, com a proposta, segundo os organizadores, de abrigar artes, ideias e histórias de diversos povos originários.

Tido como uma conquista para os indígenas, o museu de sete andares tem atraído até 50 visitantes por dia durante os finais de semana. Na manhã de terça, porém, não teve mais de dez. De Gaúcho do Norte (MT), na Reserva Indígena do Xingu, o artesão Kaji Waura, 48, arrisca dizer que o valor do ingresso também deve estar pesando — os bilhetes custam de R$ 7,50 a R$ 15.

Kaji se aproximou de Cristiane e tentou tranquilizar a parente (palavra utilizada entre indígenas, para se referir uns aos outros), preocupada que o mau tempo afaste os visitantes. "Se ameaçar chover, a gente canta um maracá e o sol vem rapidinho."

Kaji está no museu há 45 dias. Utiliza os conhecimentos milenares do povo Waura, famoso pela habilidade no artesanato com argila e barro, e vende cerâmicas em formatos de onças, corujas e cobras.

"A gente usa cerâmica no dia a dia, a cerâmica é nosso prato, nossa panela para cozinhar mingau de mandioca e tudo mais. Quando o povo Waura surgiu, a cerâmica veio junto", conta.

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'Você não está vendo nada nas paredes, nenhuma obra de arte pendurada, tem que pensar o que isso significa'
Imagem: Gabriela Di Bella/UOL

Um museu diferente

Um dos líderes espirituais do povo Guarani Mbya, Natalício Karai, 58, fez uma palestra no quinto andar do museu. O chão da sala de cerca de 10 metros quadrados é coberto por folhas secas, e as paredes são feitas de barro e raízes.

A ideia, segundo os organizadores, é tentar proporcionar aos visitantes a sensação das terras indígenas guaranis, que mantêm, ao menos há 500 anos, a tradição de levantar casas de pau a pique.

Ancorado num tronco de árvore no chão, Natalício discursa para oito visitantes, que mal piscam os olhos ouvindo os conhecimentos do indígena que utiliza um imponente cocar com penas azuis: lições sobre a passagem do tempo velho (Ara Ymã) para o tempo novo (Ara Pyau).

Segundo a cosmovisão indígena, o tempo está relacionado às estações e, ao mesmo tempo, à caminhada realizada pelos povos, com suas mudanças físicas e espirituais. "É dessa maneira que sabemos a época de pescar, de plantar e de colher."

"É um museu bem diferente. Você está aqui, não está vendo nada nas paredes, nenhuma obra de arte pendurada, mas tem que pensar o que isso significa", diz, sorrindo. "A gente pede para as pessoas tocarem nas paredes para elas entenderem qual energia tem aqui. Esse museu foi elaborado para ser vivo."

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O museu possui cinco andares de exposições; no sétimo, há uma área de convivência
Imagem: Gabriela Di Bella/UOL

Visões de mundo

Ao todo, são cinco andares de exposições. Enquanto o quinto é diferente de fato, os demais têm, sim, intervenções nas paredes. No sexto, um telão em frente a um espelho d'água exibe clipes de artistas indígenas — "Fique Viva", de Brisa Flow, entre eles.

Já o sétimo é reservado para a convivência de visitantes e funcionários do museu. A pesquisadora baiana Júlia Stifelman Freire, 25, soube da inauguração pela internet e aproveitou a passagem por São Paulo para visitar o museu pela primeira vez.

Sentada sobre um sofá gigante em formato de jiboia, ela conversa com a educadora Josiane Veríssimo, 24, sobre as vivências na Terra Indígena Tenondé Porã, localizada na zona rural de Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo, que abriga uma das maiores comunidades Guarani Mbya do Brasil.

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A pesquisadora Júlia Stifelman Freire e a educadora Josiane Veríssimo
Imagem: Gabriela Di Bella/UOL

"Muitas lideranças lutam pelo direito de conservar tradições, mas, na verdade, querem mostrar que também há indígenas que trazem e misturam sua cultura com elementos mais modernos. Isso também faz parte da propriedade intelectual indígena", avalia Júlia, que pretende desenvolver um estudo na Ufba (Universidade Federal da Bahia) sobre pragmatismo científico e conhecimentos indígenas e quilombolas, entre outros.

"Toda visão de mundo é uma boa visão", pondera. A pesquisa, por hoje, não tem pressa. "Dá vontade de ficar aqui sentada nesta jiboia, conversando com ela [Josiane]. Seus conhecimentos acabam sendo uma parte que o museu também pode ensinar para a gente."