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'A hora de tirar é a mais triste': quem são os fetichistas do gesso

Léo Castday produz e vende conteúdo exclusivo para fetichistas do gesso - @castday/Arquivo Pessoal
Léo Castday produz e vende conteúdo exclusivo para fetichistas do gesso
Imagem: @castday/Arquivo Pessoal
Marie Declercq e Marie Declercq

Do TAB, em São Paulo (SP)

21/08/2022 04h01

Durante uma aula de educação física, Sampacast* descobriu algo diferente ao se proteger de uma bolada na cara. A bolada causou uma luxação no braço e a dor foi desagradável, claro, mas com a lesão veio a ansiedade de engessar o braço. Depois de muitos anos, Sampa descobriu que a ansiedade marcou o nascimento do fetiche de ser engessada.

Para o desgosto de Sampa, a luxação só exigiu uma tala no braço, mas a obsessão de ser engessada não se dissipou junto à lesão. "Pesquisava na internet fotos de pessoas engessadas e aquilo me atraiu", explica a desenvolvedora, hoje com 27 anos. "O fetiche foi entendido muito tempo depois. Da adolescência para a fase adulta e já trabalhando, tive situações de desejar sofrer uma queda ou fraturar algum osso [risos], pelo simples fato de ser imobilizada e afastada do trabalho."

Foi na época da escola também que Léo Castday*, 41, supervisor comercial, descobriu a mesma fixação por partes do corpo engessadas. No seu caso, foi observando uma colega da mesma idade com a perna imobilizada. "A grande maioria das pessoas que curtem gesso descobrem na infância e se acham lunáticos até descobrirem que se trata de um fetiche na internet", conta.

Celo*, 36, professor, conta uma história muito parecida com as demais. "É difícil de explicar. (...) Em algumas pessoas isso fica adormecido e só depois de adulto o 'chip do castfetish' é ativado."

O fetiche por gesso, chamado de "castfetish" pelos adeptos, não é uma tara sexual muito conhecida, mas possui uma comunidade mundial unida e bastante colaborativa. Na internet, milhares de fetichistas se encontram em fóruns para dividir contos eróticos que envolvem pernas e braços engessados ou vender conteúdo personalizado, já que não é comum encontrar esse tipo de material em sites pornôs como XVideos e PornHub.

Existe até um podcast, mantido por Celo e Sampa, para compartilhar experiências com o gesso, chamado Spoticast.

gesso - @castday/Arquivo Pessoal - @castday/Arquivo Pessoal
Léo Castday produz e vende conteúdo exclusivo para fetichistas do gesso
Imagem: @castday/Arquivo Pessoal

Prazer sensorial

Ainda que a origem desse desejo seja nebulosa, os fetichistas se dizem atraídos pelas sensações sensoriais que o material traz ao tocar na pele e também pela aparência do corpo humano engessado.

Há uma divisão entre os que gostam de ser engessados e os que gostam de engessar. No caso dos que gostam de engessar, como Léo e Celo, o processo e a parte de zelar pela pessoa que está com gesso é a melhor parte.

"Para mim, tem uma coisa muito grande de cuidar. De a pessoa estar indefesa, de fazer as vontades dela. Trato igual a uma princesa", conta Léo, cuja preferência é engessar pernas, deixando os dedos do pé expostos.

Já Celo prefere gessos no braço, mas também gosta de cuidar das mulheres que são imobilizadas. "Quando engesso, gosto de dar atenção à mulher engessada e a mulher engessada gosta da dependência e da atenção recebida", explica.

O apreço pela atenção, o zelo e o cuidado excessivo dos "engessadores" foi confirmado por MillyCast*, 30, estudante de enfermagem. No caso da estudante, o fetiche foi uma descoberta recente por causa do namorado.

milly - @milly_castfeet/Arquivo Pessoal - @milly_castfeet/Arquivo Pessoal
Millycast vende conteúdos exclusivos
Imagem: @milly_castfeet/Arquivo Pessoal

"Quando está engessada, a pessoa se torna o centro das atenções, e eu amo receber essa atenção", conta Milly. "Amo a sensação de restrição, de sentir o peso dele, aquela sensação de proteção, e fora que me acho muito sexy e linda quando estou engessada."
Exibir o gesso em público também é um lado importante do "castfetish". "É algo mágico e peculiar: a rigidez, a textura, o cheiro do gesso secando, a limitação, o 'toc toc', a maciez da malha, o peso, o sentir ser tocada pelo gesso, ser cuidada, atrair olhares", revela Sampa.

Embora o ato de engessamento tenha uma relação lógica com fraturas e contusões, os fetichistas dizem que não estão interessados em infligir dor, como acontece em práticas relacionadas ao BDSM.

"De forma nenhuma o 'castfetish' está associado à dor, tanto que os adeptos fazem gessos recreativos, que, como o nome já diz, são feitos só pra curtir e depois retirados. Não queremos ninguém quebrando o braço de propósito [risos]", esclarece Millycast.

Conteúdo engessado

Navegar pelas comunidades de 'castfetish' é uma experiência curiosa. Assim como a podolatria (fetiche por pés), grande parte dos vídeos e das fotos compartilhadas não possuem nudez nem sexo explícito. Se você não compartilha do mesmo fetiche, o apelo sexual é quase inexistente.

Léo publica fotos de suas obras de gesso desde 2005, quando usava Orkut. Tudo começou quando uma ex-namorada descobriu um acervo de fotos de mulheres usando gesso salvas no computador do supervisor comercial. "Ela veio me perguntar se eu não tinha nada para contar para ela [risos], mas acabou achando interessante e topou passar pela experiência de ser engessada", conta.

Por gostar de fotografia, os registros de Léo se destacaram dos demais. O foco das fotos e dos vídeos é registrar todo o processo de engessamento e a forma que a pessoa engessada lida com a parte do corpo imobilizada. As fotos e vídeos não têm um pingo de nudez. "Não gosto de misturar", afirma.

Depois de mais de 10 anos produzindo conteúdo, o supervisor comercial decidiu comercializar suas fotos em 2018. Publica seu trabalho em seu perfil fechado do Instagram. Para sua surpresa, o interesse foi grande e veio de fora do Brasil: os clientes mais fiéis do fetichista são europeus.

Os fetichistas gostam de planejar os engessamentos em feriados e fins de semana prolongados para conseguirem ficar mais tempo com o gesso e poder exibi-los em público pelas ruas de suas respectivas cidades, restaurantes e até em viagens. Todavia, acontece de ter pessoas interessadas em desembolsar quantias altas de dinheiro para terem registros mais longevos do gesso no corpo.

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Léo Castday produz e vende conteúdo exclusivo para fetichistas do gesso
Imagem: @castday/Arquivo Pessoal

"Minha ex ficou 30 dias com a perna engessada a pedido de um gringo", revela Léo. "Ele ofereceu alguns milhares de euros para todo o processo ser documentado. Ano passado, meus conteúdos renderam uns R$ 50 mil."

Em um dos ensaios que Léo compartilhou com o TAB, o processo de colocação do gesso na namorada é intensamente documentado. Começa com a perna da modelo envolta em uma espécie de gaze, que serve como base para receber o gesso, depois acompanha toda a parte de moldagem do material no corpo, até ele secar totalmente.

"Há duas opções: gesso mineral e gesso sintético", explica. "Prefiro o sintético porque seca quase instantaneamente." Dependendo do tamanho e da complexidade, os materiais podem custar mais de R$ 1.000.

Quando a perna da namorada está totalmente engessada, Léo passa a filmá-la praticando tarefas mundanas em casa usando o gesso. O clímax do vídeo acontece quando a modelo veste um pé do coturno e sai pelas ruas do centro de Curitiba com as muletas e a perna engessada. No vídeo, as ruas estão vazias, mas os poucos transeuntes que passam viram o rosto para observar a mulher engessada.

Ao retornar da rua, a modelo tira o coturno e exibe o pé bem cuidado, com as unhas pintadas de preto. A câmera capta todo o processo de tirar a meia, alisar o gesso e passar hidratante nos dedos dos dois pés. Por fim, o filme (que ao todo tem quase 36 minutos) termina com ela passando maquiagem com a perna estendida sobre um banquinho na sala.

Todos os fetichistas são unânimes em dizer que a pior parte da prática é quando o gesso tem que ser cortado. "A hora de tirar é o momento mais triste", lamenta Celo.

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Léo Castday produz e vende conteúdo exclusivo para fetichistas do gesso
Imagem: @castday/Arquivo Pessoal

'Até eu acho estranho'

Grande parte gosta de manter esse lado da vida oculto ou restrito aos adeptos - por isso, todos preferiram manter o anonimato na reportagem. Léo, membro conhecido e respeitado no 'castfetish', diz que pouquíssimos amigos próximos sabem do seu fetiche e da sua fama secreta.

"Eu gosto de ser misterioso", admite. "Mas também dá um pouco de preguiça ter de explicar para uma pessoa que é baunilha [Nota do repórter: "baunilha" é um termo usado para se referir ao sexo convencional]."

Celo também gosta de manter essa parte dos seus interesses restrita. "Muitas pessoas acham estranho, e até eu mesmo acho estranho às vezes, mas tudo depende de como as coisas são apresentadas, mas isso já melhorou muito", diz.

Gostar de engessar ou de ser engessado pode não ser comum, mas tem uma utilidade. "Meus gessos são muito mais bonitos e superiores a qualquer profissional de saúde", garante Léo, orgulhoso.