Em Lisboa, 7 de Setembro de bolsonaristas era para 'esclarecer portugueses'
A Praça do Comércio, ponto turístico na Baixa, em Lisboa, é uma região que costuma estar cheia, principalmente durante o verão europeu, quando turistas fazem fotos e posam junto ao arco da Rua Augusta. Nesta quarta-feira (7), por volta das 19h, alguns visitantes pareciam confusos: havia mais amarelo na paisagem do que as fachadas dos prédios pombalinos que circundam o espaço aberto.
Três mulheres canadenses pararam para observar um pequeno palco com telão de LED montado do lado esquerdo da praça. "O que está acontecendo? Sabe nos dizer?", perguntaram à reportagem. No bicentenário da Independência do Brasil, centenas de brasileiros que residem em Portugal decidiram se reunir para prestar apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
O ato foi organizado pelo movimento "Portugal com Bolsonaro", cujos principais porta-vozes são Monica Kalman e Marcelo dos Santos Rabello - nota: não confundir com Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal. Eles são os principais oradores do dia e chamaram ao palco atrações como o cantor Antônio Alves, 46, da dupla sertaneja Augusto e Henrique (nome artístico de Antônio).
No início da concentração, enquanto o sol se punha no rio Tejo e o clima parecia bucólico, ele dublava uma versão de voz e violão de "Capitão do Povo", jingle criado pela dupla sertaneja Mateus e Cristiano. Os participantes entoaram a canção com celulares em riste, cada um fazendo a sua própria live ou registro do momento.
Antônio Alves vive há 15 anos em Portugal, mas acompanha a carreira política de Bolsonaro desde quando ele era deputado federal. "Sei que é um cara colocado no cargo por Deus. Mesmo com as perseguições que ele vem sofrendo, ele consegue colocar o Brasil em outro patamar", afirma, com a voz calma. O cantor diz que, mesmo de longe, gosta de acompanhar "a mudança sendo feita". "É o sonho do imigrante retornar ao seu país e vê-lo mudado."
A conversa com Antônio foi acompanhada de perto pela organização do ato político, incluindo Monica Kalman. Mesmo em dimensões reduzidas — nada comparado ao 7/9 do Rio e de Brasília —, o clima não era dos melhores para quem se apresentava como jornalista. Os organizadores não quiseram dar entrevista. "Falo apenas com a nossa assessoria de imprensa", respondeu uma das porta-vozes do "Portugal com Bolsonaro".
A resistência não é apenas com a mídia brasileira, no entanto. Os manifestantes ouvidos pelo TAB disseram não acompanhar a imprensa portuguesa, porque ela seria "mentirosa". "Portugal é completamente hipnotizado pela esquerda", disse, ao microfone, Monica Kalman. Sem acanhamento, ela explicava o que considera a principal missão do movimento "Portugal com Bolsonaro", e de outros bolsonaristas que residem no país. "Temos um trabalho, um projeto, para mudar a cabeça dos portugueses em relação ao presidente."
Kalman afirmou que os portugueses são "desinformados" porque ainda usam o Facebook e não migraram para o WhatsApp e Instagram. "Não podemos ficar acuados, não podemos sentir... vergonha. Nós, que estamos despertos, não devemos deixar nossos irmãos portugueses totalmente manipulados." Para se informarem sobre como andavam as manifestações, eles preferiram transmitir no telão a live de Allan dos Santos, youtuber e blogueiro foragido, condenado a 1 ano e 7 meses por calúnia e investigado pela produção de fake news contra ministros do STF.
Plantada ao lado do palco, Dina Santiago, 62, mora em Portugal há cinco anos e votou em Bolsonaro em 2018. "Marquei uma viagem em uma data oportuna para poder participar das eleições", contou. Para ela, não tem como Bolsonaro perder as eleições democraticamente. "O povo está na rua. A manifestação é maciça, não vemos nenhum outro candidato com esse apoio. Se ele não for eleito, o povo vai chorar, vai murchar", diz. Ela é casada com um português e diz, aliviada, que o marido também é bolsonarista. "Graças a Deus toda a minha família apoia o Bolsonaro", suspirou. "Os portugueses são muito desinformados, só falam as mentiras da esquerda."
Havia portugueses "despertos" na aglomeração — caso das amigas Sandra Diniz, 52, e Fátima Ramos, 53. "Fizemos parte da resistência portuguesa ao covid-19 e somos próximas desde então", disse Diniz. Com a camiseta pró-Bolsonaro, mas enroladas na bandeira de Portugal, elas acreditam que o presidente do Brasil é o único governante do mundo que "está a falar a verdade". "Ele é o único que sabe que a covid-19 é uma armação, que está contra esse globalismo. Se tivéssemos um presidente como ele, estávamos feitos", afirmou Ramos. O assunto foi interrompido, no entanto, quando um amigo da dupla começou, com sotaque português, a dizer que a reportagem era "comunista".
Emoção de ser aceita
"Cuidado, há petistas roubando carteiras e bolsas", afirmou Monica Kalman ao microfone. As pessoas riram. "É sério, não é piada." Assim como outras cidades turísticas da Europa, Lisboa sofre com a ação dos "carteiristas", pessoas que se aproveitam da distração de turistas em cartões postais para furtar suas bolsas. E a Praça do Comércio é "point" desse tipo de ação.
Ainda assim, Portugal é considerado um dos países mais seguros para se morar. Por isso, não há tanto acanhamento de sacar o celular para fazer registros ou conversar com conhecidos. É comum vermos pessoas com sotaque brasileiro fazendo videochamadas com familiares em pontos turísticos de Lisboa. Neste 7 de setembro, não foi diferente. Vi uma bolsonarista falando com uma senhora por vídeo: "Vai votar em Bolsonaro, sim. Rasga o título de eleitor dela. Quem não votar nele não vai ganhar 600 reais."
Perto dali, uma conversa "mais afetuosa" acontecia ao mesmo tempo. "Que emoção ver que há apoiadores do Bolsonaro aqui em Portugal", dizia Danieli Costa, 30. Acompanhada do marido, que não quis se identificar, ambos emigraram há um mês. "É uma sensação muito intensa encontrar pessoas que apoiam valores familiares, que não se deixam levar pela mídia", disse, sorrindo.
Nem todo mundo, no entanto, tem uma relação tão "passional" com o presidente do Brasil. O piloto de avião Pedro Palhares, 23, afirmou que é um apoiador "pragmático". Votou em Bolsonaro em 2018 e deve votar nele novamente ("Se a mudança do meu título for confirmada"), mas disse que não concorda com tudo que ele fez. "Privatizou pouco, e não precisava de autorização do Congresso. Além de ter feito aliança com o Centro", pontua.
Marcelo dos Santos Rabello (porta-voz do movimento "Portugal pelo Bolsonaro") relembrou, quase como uma justificativa para o "pragmático" Pedro, no microfone: "Apesar de Messias, o presidente não é salvador, não vai resolver todos os problemas do mundo".
O Cristo e o rei
Às 20h20, o sol já tinha ido embora e um vento frio, de início de outono, começou a incomodar os manifestantes. As bandeiras do Brasil não davam conta da queda de temperatura. A organização colocou, então, no telão, um vídeo com montagens de imagens patrióticas e a letra do hino nacional. O frio foi esquecido por um momento, enquanto a maioria cantava o hino. Alguns, no entanto, preferiram continuar o papo com um copo de cerveja de plástico na mão.
"Não é porque deixamos nosso país que deixamos de amá-lo", disseram os organizadores. Após o hino nacional, puxou-se um hino de igreja e uma oração. A multidão foi dispersando. Enquanto um pastor fazia um discurso emocionado sobre abençoar o Brasil, uma mulher na casa dos 60 anos me abordou: "Você é a jornalista que vai mostrar essa merreca de gente e dizer que vieram poucas pessoas à manifestação?", gritava.
Antes que pudesse responder alguma coisa, uma jovem loira de cabelos cacheados interferiu. "Você é doutrinada pelas universidades brasileiras. Moro aqui há 60 anos, sou portuguesa nata, nem brasileira eu sou", a mulher continuava, com sotaque carioca. O clima pesou.
Como parte das comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, a Câmara de Lisboa iluminou a estátua do Cristo Rei, do outro lado do rio Tejo, de verde e amarelo. Ninguém reparou. Ao som de uma manifestante cantando "Emoções", de Roberto Carlos — "Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo..." —, decidi que era hora de ir comer um bacalhau.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.