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Morre a rainha, assume o rei: qual o papel da família real britânica hoje

Rainha Elizabeth 2ª morreu aos 96 anos nesta quinta, 8 de setembro de 2022 - Daniel LEAL / POOL / AFP
Rainha Elizabeth 2ª morreu aos 96 anos nesta quinta, 8 de setembro de 2022 Imagem: Daniel LEAL / POOL / AFP

Letícia Naísa

Do TAB, em São Paulo

08/09/2022 15h44

Morreu nesta quinta (8), aos 96 anos, a rainha Elizabeth 2ª do Reino Unido. Assumiu o rei Charles, filho mais velho da rainha com o príncipe Philip. Em pleno século 21, a monarquia britânica é uma das poucas que se mantém firme no poder — porque algum poder ela ainda tem, ou mais ou menos isso. Mas o que os membros da família real fazem mesmo?

O rei reina, mas não governa. Na disputa por poder no início da formação dos Estados nacionais, alguém limitou fronteiras, levantou um castelo e afirmou que aquele seria seu reino. Os tempos mudaram, reis e rainhas foram afastados do comando e, em alguns casos, brutalmente assassinados. Os monarcas deixaram de ser o Estado. Ou, como afirmou o Harold Wilson da ficção na série "The Crown", "nosso trabalho é acalmar mais crises do que criamos". Em um episódio da terceira temporada, a rainha Elizabeth 2ª demora a responder a uma tragédia, e se recusava a mostrar indignação e tristeza em público porque "não foi feita para chorar". Mas tudo indica que o papel dela era ser um um tipo de espelho emocional da nação, além de agir como soberana generosa: animar o povo em transmissões televisivas com mensagens de amor e paz, sorrir e acenar para o público e apoiar causas sociais relevantes são as principais funções da família real britânica hoje.

É tudo encenação, então? Os tempos de manda-chuva se foram há séculos e o Reino Unido perdeu cada vez mais centralidade no xadrez mundial, ao longo do século 20. Eles são muito ricos, mas não apitam muito. A reis e rainhas sobrou o papel de chefe da Igreja Anglicana —- aquela que foi criada por um rei para poder se casar de novo e romper com Igreja de Roma — e à realeza sobrou o papel de apaziguadora de crises e defensora dos fracos e oprimidos. Pelo menos, na frente das câmeras.

O que eles fazem de fato? A família real britânica coordena e está envolvida com pelo menos 3.000 instituições de caridade. Até anunciar que deixariam de ser "membros sênior" da família real e abririam mão dos privilégios, ao príncipe Harry, por exemplo, cabia a responsabilidade de apoiar programas de reabilitação de veteranos do Exército britânico, como o evento esportivo The Invictus Games, enquanto Meghan Markle colaborava com a Organização das Nações Unidas para incentivar a participação e liderança femininas na política. Cada membro da família real tem uma porção de causas a endossar e apoiar.

Viajando pelo mundo. A família real viajava muito em nome da rainha — agora, será em nome do rei. Em média, o grupo participa de 2.000 eventos pelo mundo, todos os anos. As viagens, no entanto, não são reais missões diplomáticas. Atualmente, as crises resolvidas pela família real não costumam ter tanta relação com a política. Ao longo do século 20, contudo, o papel da família real era mais ativo porque o mundo precisou se refazer após duas guerras mundiais, ambas resultado de séculos de colonialismo europeu, razão de ser do domínio britânico pelo mundo. Então, bater bola com os ricos e poderosos é algo que a Casa de Winsdsor faz bem. Por exemplo: a princesa Margaret (irmã de Elizabeth 2ª) e o marido jantaram com o presidente americano Lyndon B. Johnson na Casa Branca em 1965, com a intenção de conseguir um empréstimo para o Reino Unido, que foi concedido no ano seguinte. O político britânico Liam Fox, do Partido Conservador, acreditava que o casamento de Harry com a atriz Meghan Markle poderia estreitar laços entre Reino Unido e Estados Unidos, mas na prática não houve muita diferença.

Elizabeth era de direita ou de esquerda? Em mais de 60 anos de reinado, a rainha Elizabeth 2ª trabalhou com dezenas de primeiros-ministros. Seu papel em uma monarquia parlamentarista, no entanto, era respeitar os assuntos políticos do país e se manter neutra. Essa regra deve ser seguida por todos os membros da realeza. Na teoria, a família real tem direito de votar, mas escolhe não participar das eleições. Entre seus direitos relacionados à política do país, monarcas também podem vetar leis, já que elas dependem de sua aprovação depois de referendadas pelo Parlamento, mas um veto real não acontece desde 1707.

Deus salve a rainha! A família real se mantém no poder graças à poderosa imagem que a monarquia construiu sobre a identidade nacional britânica e a estabilidade do país. Eles fazem parte da indústria do turismo na Inglaterra, são como "cartões-postais". A rainha era a figura mais popular da família real e mais de 60% dos britânicos apoiam a monarquia, segundo a consultoria Statista. Cada cidadão britânico desembolsa pelo menos 1 libra (R$ 6) por ano para sustentar a família real. Além disso, a realeza tem propriedades espalhadas por todo o país e a rentabilidade delas vai para o Tesouro — cerca de 15% a 25% é repassada a aristocratas para custear a monarquia. Parte dos críticos à Coroa aponta que esse dinheiro deveria se manter com o Estado, em vez de se destinar à nobreza.