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Tiro na CCB: culto marcaria trégua em briga antiga, mas 'diabo' atrapalhou

Daniel Augusto de Souza, irmão do homem que levou um tiro durante um culto, em Goiânia - Lucas Diener/UOL
Daniel Augusto de Souza, irmão do homem que levou um tiro durante um culto, em Goiânia Imagem: Lucas Diener/UOL

Théo Mariano

Colaboração para o TAB, de Goiânia

08/09/2022 04h01

A noite do último dia de agosto foi a escolhida para iniciar um ciclo de paz na Congregação Cristã no Brasil de Vila Finsocial, em Goiânia, não fosse o estampido de uma arma.

No corredor de acesso ao banheiro, Davi Augusto de Souza, 40, foi atingido nas pernas por um tiro disparado por Vitor da Silva Lopes, 38, um cabo da PM que é músico na CCB e estava armado durante o culto. Ambos são amigos e frequentadores do templo.

Foi um alvoroço. Fiéis clamavam a Deus, enquanto Davi sofria, sentado sobre uma poça de sangue. Momentos depois, ele foi levado pelos bombeiros ao Hugo (Hospital de Urgências de Goiânia), passou por uma cirurgia e permanece internado, sem previsão de alta.

O autônomo e estudante de direito Daniel Augusto de Souza, irmão de Davi e membro da Congregação desde a adolescência, acompanhou toda a cena. Ele era, afinal, o assunto da noite.

Durante aquele culto, uma discórdia que o envolvia seria resolvida publicamente. Tudo começou na celebração de 6 de agosto, um sábado. À certa altura, Djalma Faustino, o cooperador da igreja — na hierarquia, ele está abaixo do título de "ancião", que equivale ao de pastor — resolveu falar de eleições e, lendo uma circular, aconselhou os fiéis a não votarem em partidos contrários aos valores cristãos. Incomodado, Daniel ergueu o indicador direito e pediu a palavra. "Por favor, não fale de política em nossa igreja. Estamos aqui para falar de Deus."

O cooperador, líder religioso daquela comunidade, teria rebatido a fala de Daniel, chamando-o de "rebelde". A reportagem buscou outros frequentadores para confirmar o que aconteceu naquela noite. Um fiel confirmou que o cooperador "pediu para não votar em partido de esquerda — para ser mais específico, o partido da bandeirinha vermelha".

Daniel, dias depois, recorreu à imprensa local para falar sobre o que tinha acontecido. Com a repercussão, os anciãos da igreja decidiram se reunir em 29 de agosto, com a presença de ambos. Ali, após cada um apresentar sua versão dos fatos, ficou definido que, na quarta-feira (31), seria feita uma retratação pública para apaziguar os ânimos, com pedido de desculpas de Daniel e Djalma.

Um ancião que esteve na reunião e não quis ser identificado assegurou que os dois saíram da reunião "apaziguados". Mas nada correu como previsto.

Daniel Augusto de Souza com a família, em Goiânia - Lucas Diener/UOL - Lucas Diener/UOL
Daniel Augusto de Souza com a família, em Goiânia
Imagem: Lucas Diener/UOL

'Momento diabólico'

Davi Augusto de Souza, o homem atingido pelo disparo, contou ao TAB que foi à CCB da Vila Finsocial justamente para acompanhar a retratação pública entre seu irmão e Djalma. Ele frequenta a congregação, mas numa igreja fora de Goiânia, nas imediações do Rio do Peixe.

Davi relatou que teria ido beber água quando encontrou no corredor o PM Vitor da Silva Lopes. "Foi tudo muito rápido. Eu o cumprimentei e, de repente, vi o Vitor com os olhos arregalados. Ele me chamou de 'vagabundo'. Parecia possuído."

As agressões verbais se tornaram físicas. "Estou até agora sem entender. Quando percebi, escutei um barulho de tiro e caí. Mas não tenho raiva dele. Para mim aquilo foi ação diabólica, senti isso quando vi os olhos dele, e eu quero paz."

No boletim de ocorrência feito com o depoimento dos policiais que atenderam o caso, consta uma briga de socos e murros entre Davi e Vitor. De acordo com o relato, o disparo foi feito pelo policial, numa tentativa de se desvencilhar de Davi.

Essa versão é contestada pelo irmão da vítima alvejada. "Meu irmão não tinha qualquer motivo para fazer isso. Estávamos ali para selar a retratação", disse Daniel Augusto, que recebeu a reportagem do TAB em sua residência no último domingo (4).

A vítima e sua família já foram à delegacia prestar depoimento.

As roupas de Daniel. com respingos do sangue de seu irmão - Lucas Diener/UOL - Lucas Diener/UOL
As roupas de Daniel. com respingos do sangue de seu irmão
Imagem: Lucas Diener/UOL

Guerra e paz

Daniel conversou com o TAB junto de sua esposa, Kacia, e dos dois filhos. Em uma mesa na varanda, contou que a história dos desentendimentos entre ele e o cooperador Djalma Faustino é antiga — tem mais de três décadas —, mas não quis se alongar. O tiro, vindo de um terceiro elemento que nada tinha a ver com a rusga, o deixou abalado.

Quando ouviu barulhos no corredor externo da igreja, Daniel resolveu sair. Viu o irmão caído, com as mãos sobre a cabeça, aparentando confusão mental. "Quando me aproximei, o Vitor [policial] começou a desferir uma série de socos em mim. Meu filho chegou e o empurrou. Foi aí que ele sacou a arma. Tentou disparar contra mim e contra meu filho, mas a arma não funcionou. Então ele apontou para meu irmão e atirou", contou.

Após a ocorrência, Daniel conversou por mensagem com o autor do disparo. A reportagem ouviu um áudio em que o cabo dizia: "Daniel, meu objetivo é de que a gente tenha paz, para deixarmos isso de lado. Mas se você quiser guerra, eu também estou pronto para a guerra".

No alerta, o PM teria sugerido que o fiel abrisse mão das discussões com o cooperador. Para o estudante de direito, contudo, a influência do cooperador é excessiva sobre a opinião dos fiéis. "Tratam Djalma como se ele próprio fosse Deus."

O fiel admite que pretende seguir com a história, porque "o próprio estatuto da igreja proíbe o envolvimento com política" e ele tem visto a igreja se posicionar nos últimos anos. "Não estamos sequer dormindo direito. Minha esposa tem vivido à base de remédios, a casa está toda desorganizada."

Fachada da Congregação Cristã no Brasil na Vila Finsocial, em Goiânia - Lucas Diener/UOL - Lucas Diener/UOL
Fachada da Congregação Cristã no Brasil na Vila Finsocial, em Goiânia
Imagem: Lucas Diener/UOL

'Causadores de confusão'

TAB procurou o cooperador Djalma Faustino. Ele disse que parte da família Souza é composta por "causadores de confusão". Negou qualquer influência política na igreja, mas admitiu que orientou a igreja a "não votar em candidatos que não sejam tementes a Deus". "Nós não mandamos [votar], a irmandade é livre. A gente apenas orienta", disse.

No site da Congregação Cristã no Brasil, há um tópico "Eleições 2022". Segundo o texto, a orientação é de que os fiéis "não devem votar em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos ou proponham a desconstrução das famílias no modelo instruído na palavra de Deus, isto é, casamento entre homem e mulher".

TAB também conversou com Vitor Lopes, o autor do disparo, na quarta-feira (6). "Eu estava ali para ver um momento de pacificação entre o irmão Djalma e Daniel, tanto que fui [à igreja] com minha esposa e três filhos. Minha intenção nunca foi sacar a arma e atirar em alguém." Ele confirmou a conversa com Daniel e o áudio em que dizia estar "preparado para a guerra".

"Eles causam muitos problemas. Questionam sempre o que dizem os nossos líderes. Só dei um murro na cara dele [Daniel] para me defender. Eram quatro pessoas contra mim, por isso saquei a arma. Mas dei um único disparo, na perna de Davi, porque ele continuou vindo para o meu rumo", narrou.

Depois do disparo, Lopes disse ter pedido ao porteiro da igreja que chamasse o SAMU e os bombeiros. Saiu correndo da igreja e ficou na esquina, observando. Antes de o culto acabar, por volta das 21h, foi à delegacia prestar depoimento.

O policial militar está fora de Goiânia e deve voltar apenas na segunda-feira (12). Ele diz que a viagem já estava programada e não tem qualquer ligação com o episódio da última quarta-feira.

Em nota de 1º de setembro, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás afirma que determinou a abertura de "instauração de processo administrativo disciplinar para apurar as circunstâncias do fato". A reportagem tentou contato com o órgão para verificar o andamento do processo, mas não houve resposta.

TAB buscou contato com o ancião Edivaldo Damacena, que atendia o culto no dia, mas o religioso se recusou a falar e sugeriu que a reportagem procurasse as centrais da CCB em Goiânia ou em São Paulo, onde fica a sede da igreja. A reportagem encaminhou o pedido à unidade do Brás da igreja, onde fica a central, mas não obteve resposta. As tentativas foram feitas por telefone e e-mail.