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Ordem maçônica onde d. Pedro 1º foi grão-mestre completa 200 anos no Rio

Felipe Chaves, 69, o "Cobridor Externo" do Grande Oriente do Brasil, ao lado da estátua que representa a Caridade - Matias Maxx/UOL
Felipe Chaves, 69, o 'Cobridor Externo' do Grande Oriente do Brasil, ao lado da estátua que representa a Caridade Imagem: Matias Maxx/UOL

Matias Maxx

Colaboração para o TAB, do Rio

12/09/2022 04h01

A Rua do Lavradio, na Lapa, é um resumo do Rio e por consequência do Brasil. Numa ponta, o turístico Rio Scenarium, misto de restaurante com antiquário que abriga shows de samba no fim de semana. Na outra, o que faz sucesso é o "salgadinho de um real", favorito dos locais — um pé-sujo que vende coxinhas e risoles madrugada adentro.

No meio da rua, entre motéis e um sucateado CIEP (Centro Integrado de Educação Pública, também conhecido como "Brizolão"), está o majestoso Palácio Maçônico do Lavradio. O prédio, construído em 1830 para ser um teatro, foi adquirido por maçons e se tornou a sede do Grande Oriente do Brasil, instituição fundada em 17 de junho de 1822.

Até 1978, ficava ali a sede administrativa da ordem — depois, a central mudou-se para Brasília. O prédio continua em atividade e promove reuniões de 54 lojas maçônicas, de segunda-feira a sábado.

Além de seguranças armados e uniformizados, duas esfinges protegem a entrada. Quem recebe os visitantes é Felipe Chaves, 69, o "Cobridor Externo", espécie de zelador da instituição que, vez ou outra, fica do lado de fora brandindo uma espada, garantindo que nenhum "profano", como são chamados os não maçons, entre no lugar.

Faachada da Grande Oriente Brasil, na Rua do Lavradio, no Rio - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
Fachada do templo Grande Oriente do Brasil, na Rua do Lavradio, no Rio
Imagem: Matias Maxx/UOL

Ele também acompanha as visitas guiadas ao Palácio decorado com quadros e relíquias de vários momentos da história do Brasil. "Tínhamos uma pena de ouro que pertenceu à Princesa Isabel, mas que, por questões de segurança, foi levada à sede em Brasília", explica. Ficou para trás, contudo, um biombo da princesa, de pouco mais de 1,5m de altura — "ela era baixinha", explica o guia.

Logo no hall de entrada, três figuras femininas em mármore chamam atenção. Elas simbolizam a Fé, a Esperança e a Caridade — valores caros aos cristãos, mencionados por Paulo num livro do Novo Testamento bíblico. Cada salão e corredor estão repletos de símbolos maçônicos, como o esquadro e o compasso.

"Este é um dos poucos quadros que ilustram a Guerra do Paraguai. A Marinha quis tomar da gente, mas não deixamos", conta à reportagem o Cobridor Externo, que revela ser egresso das Forças Armadas. "Saí faz décadas, já cumpri minha parte, nem nos churrascos vou mais, mas no grupo de zap toda hora 'tão falando que a partir de outubro teremos de calçar os coturnos de novo, mas tô fora."

Uma das relíquias mais famosas do templo é o trono de D. Pedro 1º, com águias talhadas nos encostos de mão. O grão-mestre Aildo Virginio Carolino, 77, explica que não há certeza se ele realmente pertenceu ao imperador. "Alguns irmãos entendem que teria pertencido; outros, que foi feito em sua homenagem. O que podemos afirmar é que naquela sala ocorreram as primeiras reuniões da República. Deodoro da Fonseca realizou ali as primeiras reuniões com seus ministros, que na época eram chamados conselheiros."

O grão-mestre Aildo Virginio Carolino da Grande Oriente Brasil - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
O grão-mestre Aildo Virginio Carolino, da ordem Grande Oriente do Brasil
Imagem: Matias Maxx/UOL

Um mini-Brasil

O Grande Oriente se organiza da mesma forma que o Estado brasileiro: tem poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O grão-mestre de Brasília é uma espécie de presidente; os grão-mestres dos estados seriam os governadores, e as lojas maçônicas seriam os municípios. "A única diferença é que um município tem uma delimitação geográfica e as lojas maçônicas, não. Um mesmo templo pode abrigar várias lojas", disse Carolino.

Segundo um relatório de 2021, as três entidades maçônicas brasileiras, GOB, CMSB (Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil) e Comab (Confederação Maçônica do Brasil) reúnem 7.586 lojas e 220.154 membros. Os princípios da maçonaria foram trazidos ao Brasil por filhos das elites brasileiras que iam estudar na Europa, mas a primeira organização, o GOB, só se formalizou em 1822, em paralelo à Independência do Brasil, na qual teve influência.

Embora D. Pedro 1º tenha sido o segundo grão-mestre da ordem, ele fechou a instituição ainda em 1822, temendo enfrentar oposição. "Foi uma articulação política que o levou a ser iniciado e a ter galgado os degraus da instituição rapidamente. Como ele sabia que a maçonaria era um espaço de livre debate político, preocupou-se. A ordem só seria restabelecida em 1831", afirma o historiador Rafael Chaves, 39, que dá aulas na rede pública e é maçom há 16 anos.

Corredor com quadros dos primeiros grão-mestres -- D. Pedro 1º é o quadro de cima, à esquerda - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
Corredor com quadros dos primeiros grão-mestres -- D. Pedro 1º é o quadro de cima, à esquerda
Imagem: Matias Maxx/UOL

Os bicentenários da Independência e da GOB estão sendo celebrados em uma sequência de eventos, iniciados, segundo Aildo Virginio Carolino, em 9 de janeiro, no "Dia do Fico". O próximo grande evento está previsto para 22 de setembro na Sala Cecília Meireles: um show de chorinho, aberto a maçons e profanos.

"Nós somos maçons, mas não somos aquelas pessoas que dizem ser capazes de comer criancinhas. Somos do bem. Estamos aqui para tentar construir uma sociedade mais justa e melhor para todo o universo, toda a humanidade", afirma Carolino.

Questionado a respeito das celebrações de 7 de Setembro, o grão-mestre explica que cada loja no Brasil tem autonomia para realizar atividades — afinal, há vários maçons exercendo cargos políticos —, mas oficialmente a ordem não celebra a Independência.

"Se eles quiserem participar, não tem problema nenhum. Temos maçons de esquerda, de direita e de centro, bolsonaristas e lulistas, isso é de cada um e não da instituição. Nosso partido é o bem-estar da sociedade brasileira, a justiça social, o partido universal."

Sobre as ameaças de ruptura que o presidente Jair Bolsonaro leva às ruas, Carolino lamenta. "Me deixa muito incomodado, né? No período eleitoral você tem adversários, mas quando você vence, acabou. Não concordo com a forma com que Bolsonaro usa essa situação para fazer política de mentirinha, ou política de enfrentamento."

Salão chamado 'Templo Nobre', dentro do templo da Grande Oriente Brasil - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
Salão chamado 'Templo Nobre', dentro do templo do Grande Oriente do Brasil
Imagem: Matias Maxx/UOL

Evangélicos torcem o nariz

O historiador Rafael Chaves afirma que a restrição ao debate político tenta evitar cisões nas ordens maçônicas, mas tanto na GOB quanto em outras lojas deve haver grupos discutindo política.

"O Brasil hoje tem uma maioria conservadora que não sabe exatamente o que é o conservadorismo, que não estudou isso, e defende apenas alguns valores de forma equivocada. Mas não acredito que a maçonaria de hoje daria apoio a um rompimento institucional."

Doze presidentes do Brasil eram maçons. Michel Temer — que se afastou da ordem durante seu governo —- também é. Segundo Rafael Chaves, o motivo do afastamento seria o preconceito dos evangélicos contra a maçonaria, "por ter um caráter que se assemelha a uma religião".

Olho da Providência, símbolo maçônico, no templo da GOB, no Rio - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
Olho da Providência, símbolo maçônico, no templo do GOB
Imagem: Matias Maxx/UOL

Hamilton Mourão, maçom também, já deu palestra no templo do Lavradio. Felipe Chaves diz ter gostado muito da palestra do general, e lembrou que o próprio Jair visitou o templo durante a pré-campanha, em 2018. Boatos divergem sobre se o presidente teria sido convidado ou demonstrado vontade de entrar para a organização, mas a conclusão é de que isso não seria possível, pois colocaria em xeque o apoio dos evangélicos.

"A maçonaria já foi uma sociedade secreta, hoje ela é uma sociedade discreta", conta Carolino, questionado sobre o que rola nas
reuniões proibidas aos "profanos".

O grão-mestre, nessa hora, esboça um sorriso. "Você não sabe o que acontece nas reuniões dos padres, das freiras e dos dirigentes das grandes empresas né? Na maçonaria é a mesma coisa."