Topo

Eleitor tenta votar duas vezes e impugna urna em Lisboa; filas levaram 4h

Carlos Antônio Pereira mora há 26 anos em Portugal e foi votar enrolado à bandeira brasileira - Luciana Alvarez/UOL
Carlos Antônio Pereira mora há 26 anos em Portugal e foi votar enrolado à bandeira brasileira Imagem: Luciana Alvarez/UOL

Luciana Alvarez

Colaboração para o TAB, de Lisboa

02/10/2022 16h11

"Nunca tinha visto tanta gente", disse Vânia Araújo, 51, residente em Portugal desde 2007, na fila da votação em Lisboa para ajudar a escolher o próximo presidente do Brasil. Nunca uma eleição brasileira mobilizou tantos eleitores na capital portuguesa. De 2018 para cá, a quantidade de eleitores inscritos mais do que dobrou, chegando a 45 mil. A cidade de Lisboa passou a ser o maior colégio eleitoral fora do Brasil, ultrapassando Miami, nos Estados Unidos. No país inteiro, há 81 mil eleitores registrados. Os brasileiros no exterior só podem votar para a presidência.

A abstenção em Lisboa costumava ser imensa. Nas últimas eleições, 68% dos inscritos deixaram de votar. Mesmo sem dados consolidados, a "alta afluência" surpreendeu a equipe da embaixada e, perto das 17h (horário local), ainda havia cerca de 4 mil
pessoas do lado de fora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, único local que recebeu os eleitores brasileiros na região central de Portugal.

Para evitar que pessoas fossem impedidas de votar, o horário de votação em Lisboa foi prorrogado para as 20h (horário local), com autorização do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Há também um colégio eleitoral na cidade do Porto, no norte do país, e outro em Faro, no sul, mas ambos fecharam as portas dentro do previsto.

Vânia foi uma das que não votou nas eleições passadas, mas compareceu a esta. "Nem lembro a razão de não ter vindo, mas também não fazia questão, porque nenhum candidato me agradava. Mas não votar travou meu CPF e, quando fui viajar ao Brasil,
deu problema. Foi um trabalhão acertar tudo", conta à reportagem. Dessa vez ela estava ali não só por questões pragmáticas. Vânia disse que votaria com gosto no seu candidato, mas no meio da fila, olhou para os lados, e preferiu não falar em quem votaria.

Ela foi uma das poucas pessoas que demonstrou algum receio e preferiu não declarar voto. Perto dela, Helena Miranda, 29, estava na fila toda vestida de vermelho. "Sou de Brasília e, se estivesse lá, com certeza não me vestiria de vermelho. Aqui tive algum medo, mas vim assim mesmo. No ônibus, tinha um cara enrolado na bandeira do Brasil, mas a gente nem trocou olhares", conta. Por temerem assédio ou violência, outras mulheres de vermelho contaram que preferiram usar carro próprio, ou se reunir em grupos para chegar ao local de votação.

Houve quem teve esforço e espera desperdiçados. Ainda de manhã, um eleitor tentou votar duas vezes seguidas e provocou o cancelamento de 59 votos de uma urna. Fabio Felix dos Santos vai responder por crime eleitoral no Brasil, mas, como está no exterior, não pôde ser detido. Na sala em que votava, havia duas seções eleitorais e duas urnas, sendo uma delas de lona, com voto em papel, porque a eletrônica apresentou problemas logo na abertura da votação. Assim que depositou seu voto em papel, Santos foi para a urna ao lado, que estava liberada para um eleitor da outra seção, e votou novamente.

O mesário chamou o juiz eleitoral e o representante da polícia federal. A urna eletrônica foi impugnada, o que implicou o cancelamento dos 59 votos que já estavam nela. Aos mesários, Santos falou que votou as duas vezes no presidente Jair Bolsonaro, mas alegou
ter se confundido. "Esse comportamento gerou confusão e um atraso muito grande nas seções", afirmou Pedro Prola, delegado da Federação Brasil da Esperança.

Marcos Pinheiro vive há 34 anos em Portugal  - Luciana Alvarez/UOL - Luciana Alvarez/UOL
Marcos Pinheiro vive há 34 anos em Portugal
Imagem: Luciana Alvarez/UOL

Festa e fila quilométrica

As filas do lado do prédio começaram a se formar mesmo antes da abertura. A espera foi crescendo ao longo da manhã e as filas bifurcaram. Alguns eleitores contaram ter esperado até quatro horas para votar. Muitos, após votar, preferiram se unir em grupos na frente da faculdade para tirar fotos com bandeiras no local e cantar gritos de guerra.

De um lado, um grupo gritava "Lula ladrão / seu lugar é na prisão", ao que o outro respondia "Lula ladrão / roubou meu coração". Um grupo com cerca de 10 policiais olhava os manifestantes à distância, mais preocupados em organizar as filas, de forma a evitar
aglomeração na porta da faculdade.

Assim que viu a câmera de uma rede internacional de TV na calçada, Ricardo Pessoa, 42, que já mora no estrangeiro há 30 anos, se posicionou atrás da repórter e abriu uma grande bandeira do Brasil para aparecer de fundo na imagem. "Bolsonaro trouxe de volta o sentimento de patriotismo", afirmou, explicando o motivo de seu voto. Muita gente pediu para tirar fotos com a bandeira dele, fazendo poses e sorrisos.

Ricardo Pessoa vive fora do Brasil há 30 anos e votou em Bolsonaro, em Lisboa - Luciana Alvarez/UOL - Luciana Alvarez/UOL
Ricardo Pessoa vive fora do Brasil há 30 anos e votou em Bolsonaro, em Lisboa
Imagem: Luciana Alvarez/UOL

Os discursos eram amistosos, de forma geral. Pessoa garantiu à reportagem que deixaria qualquer um usar sua bandeira para posar para uma foto, mesmo que estivesse com adereços de Lula. "Essa bandeira representa tanto os apoiadores de Bolsonaro como os de
Lula", afirmou. Enquanto a reportagem ficou por perto, porém, ninguém com roupa do petista pediu uma foto.

Outro bolsonarista vestido de verde e amarelo, Carlos Antônio Pereira, 50, há 26 anos em Portugal, disse estar feliz ao ver tanta gente votando, mesmo que muitos estivessem com camisas vermelhas. "Eu amo meu país. Acredito que cada brasileiro e brasileira veio com objetivo, com o pensamento que tem que exercer esse direito", disse ele, que ainda fez questão elogiar o trabalho da "imprensa profissional".

Embora houvesse eleitores dos dois lados, a partir das 15h, os de vermelho passaram a dominar a "festa". Morando há 12 anos em Portugal, o cantor Allan Spinola não pôde votar porque não regularizou seu título de eleitor. Ainda assim, levou uma caixa de som e um microfone para cantar "para todos" e "dar apoio ao meu grupo". "Resolvi cantar músicas de Chico [Buarque] e Caetano [Veloso] e me manifestar em favor do Lula. As pessoas estão mais motivadas este ano", afirmou ele, que reuniu em torno de si dezenas de eleitores de Lula e emprestou seu equipamento para gritos de guerra.

Allan Spinola não votou mas levou caixa de som e cantou músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso - Luciana Alvarez/UOL - Luciana Alvarez/UOL
Allan Spinola não votou, mas levou caixa de som e cantou músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso
Imagem: Luciana Alvarez/UOL

Do lado vermelho da rua, Marcos Pinheiro, há 34 anos em Portugal, disse não ter sentido medo de ir vestido de vermelho, com boné do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e se mostrou esperançoso com um resultado melhor para o seu candidato em Portugal. "Acredito que a votação aqui em Portugal seja menos deprimente que a última", afirmou. Não quis arriscar dizer se tem esperança que seu partido ganhe no país. "Já estou contente porque nunca vi tanta gente de vermelho." No segundo turno de 2018, Bolsonaro teve 64,4% dos votos de Lisboa; Fernando Haddad teve 36,6%.

Eduarda Meirelles aproveitou para entregar docinhos de encomenda durante votação em Lisboa - Luciana Alvarez/UOL - Luciana Alvarez/UOL
Eduarda Meirelles aproveitou para entregar encomendas de docinhos
Imagem: Luciana Alvarez/UOL

Para alguns, a eleição trouxe ainda bons negócios. A quituteira Eduarda Meirelles, há 4 anos em Portugal, decidiu fazer pães de queijo vermelhos e biscoitos de coco vermelhos em formato de estrela para vender, sob encomenda. "Publiquei nas redes sociais sobre essa edição especial na quarta-feira à noite e em dez minutos já tinha mais de 15 mensagens de encomendas. Hoje tive de acordar mais cedo para comprar mais corante e fazer mais biscoitos", conta. Além do lucro, ela fica feliz por ver tanta gente votar no mesmo candidato que o seu. "Essas vendas significam que as pessoas estão se reunindo e votando."