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'Como assim não é padre?': Kelmon é alívio cômico em bares gelados de SP

Bar de Santa Cecília transmite debate presidencial de quinta-feira (29) - Daniel Lisboa/UOL
Bar de Santa Cecília transmite debate presidencial de quinta-feira (29) Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o TAB, de São Paulo

30/09/2022 08h59

O horário do debate e a noite muito fria para esta época do ano em São Paulo (13°C) esvaziaram ruas e bares da cidade. Quase não havia gente interessada no último embate entre candidatos à presidência, antes do 1° turno das eleições, transmitido pela TV Globo.

A reportagem do TAB passou por três pontos diferentes e encontrou um ou outro espectador mais entusiasmado. Muita gente nem sequer assistiu até o fim.

Na noite de ontem, nem metade das cerca de 50 mesas de plástico espalhadas pelo Largo Santa Cecilia estavam ocupadas.

Três dos quatro bares ao redor do local ligaram suas TVs na hora em que o debate começou. O que tinha mais gente interessada em assisti-lo reunia cerca de 10 pessoas.

Apesar de pequeno, o grupo era animado. A primeira intervenção de Lula já fez alguém gritar "vai para a cadeia, Bolsonaro!". Um homem que parecia ser o dono ou gerente do bar disse: "Bolsonaro é um lixo". Um cliente se irritou logo nos primeiros minutos de debate e pedia à TV para o candidato fazer logo a pergunta. Um garçom passou equilibrando na bandeja três copos de pinga com mel, cheios até o talo.

A primeira grande interação do público aconteceu quando Soraya Thronicke, candidata do União Brasil, perguntou a Padre Kelmon se ele tinha medo de ir para o inferno. Houve risadas e urros que iniciaram o que seria a tônica da noite: em todos os lugares em que a reportagem esteve, o candidato do PTB foi o que mais despertou reações — de risadas a rostos contorcidos pela incredulidade.

"São três horas de debate?", perguntava Ana Maria Alves, 24, pega de surpresa pela versão longa-metragem (e "Corujão") do evento. Ela bebia ao lado de uma amiga no Largo Santa Cecília. "O debate ainda pode mudar o voto de algumas pessoas, mas não para o Bolsonaro", disse Ana. Para a companheira de bar Mariana Magalhães, 25, não é plausível que alguém resolva votar no presidente por causa do debate. "Se alguém fizer isso, é porque já era bolsonarista."

A goiana Giovana Rosa, 26, também não crê no poder do debate para mudar um volume expressivo de votos. Acredita que, se ocorrer, deve ser algo pontual. Ela ia votar em Ciro Gomes, mas agora vai de Lula porque "Ciro está sendo um babaca" — de forma geral e não apenas no debate de hoje, fez questão de esclarecer.

Se Ana se surpreendeu com a duração do debate, Brenda Ramos, 29, se assustou ao ser informada de que Padre Kelmon não é realmente um padre. Além do religioso fake, ela criticou as fake news que rolaram soltas no debate sem a devida contestação. "Uma coisa é o candidato direcionar o discurso, outra coisa é mentir. No intervalo, poderiam checar as informações dadas pelos candidatos para avisar se são equivocadas ou não."

Bar de Santa Cecília transmite debate rpresidencial de quinta-feira (29) à noite - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Desvio dos perdigotos

No maior dos bares do largo, cerca de 18 pessoas bebiam animadamente. Apenas três ou quatro delas assistiam ao debate. Batiam na mesa e vibravam com uma e outra resposta de Lula ao candidato do Partido Novo, Felipe D'Ávila. Na mesa ao lado, uma dupla de amigos aparentemente alheia à política discutia sobre algum assunto muito importante. Um deles não conseguia falar sem gritar e chegar o mais próximo possível do amigo, que tentava em vão se desvencilhar dos perdigotos.

Do lado de fora, um homem em situação de rua idoso, de bengala e camiseta com o lema da campanha de Bolsonaro, assistia a tudo enquanto caminhava com dificuldade pelo asfalto gelado.

"É complicado aturar alguém como o Padre Kelmon quando você tem uma base religiosa", diz Douglas Rosa, 40, evangélico e eleitor de Lula. "Aqui no centro tem muita gente com a cabeça aberta mas, no fundão da zona leste e da zona sul, tem lá a senhorinha da Assembleia de Deus que tá assistindo isso e tá indo na onda do Padre Kelmon."

Ele afirmou que "não se deixa deturpar" pelo que diz seu pastor a respeito da esquerda. "Já passei por vários segmentos religiosos e sempre busquei o entendimento de Deus. Não misturo com política porque política não tem nada a ver com o sobrenatural. Política é coisa dos homens."

Na Bella Paulista, gerente preferiu não ligar os televisores no debate de quinta-feira (29) - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Na Bella Paulista, gerente preferiu não ligar os televisores no debate de quinta-feira (29)
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

O debate foi entrando noite adentro e as opções para assisti-lo foram ficando mais escassas. Em São Paulo são raríssimos os estabelecimentos com funcionamento 24 horas. No caso dos bares, a grande maioria começa a expulsar os clientes pouco depois da meia-noite.

Por isso, a reportagem foi até a Bella Paulista, padaria refinada na região da avenida Paulista que permanece aberta o dia todo. O movimento era grande por volta da 0h30. O único sinal de política, porém, era o adesivo no vidro traseiro de um carro, estacionado na porta — propaganda de um candidato a deputado federal bolsonarista. Lá dentro, nenhuma das duas TVs estava sintonizada no debate.

"Preferi assim para não criar um clima ruim", explicava Magno Nogueira, gerente da Bella Paulista. "Aí o pessoal pode relaxar. E também ninguém veio me pedir para colocar no debate."

Em mais uma tentativa de encontrar uma plateia eletrizada, a reportagem foi a um dos raros botecos que não fecham jamais, o Souza, no bairro da Pompeia, zona oeste da cidade.

Mais uma vez, porém, ninguém estava nem aí. O local também estava cheio, mas de gente bebendo entre amigos e não sofrendo com cada vírgula mal colocada por seu candidato. Nem quando o garçom sintonizou uma das TVs no debate alguém se prestou a dar uma espiada no que acontecia.

Raphael Guedes, 47, talvez saiba o porquê. "Não me interessa o debate. É uma coisa meio 'Big Brother' de política. Não se discutem ideias. As pessoas ficam torcendo e apostando em um candidato", disse ele, que não viu nada de engraçado na participação de uma figura como Padre Kelmon. "Na verdade, é triste."