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Tensão das eleições chega à comunidade árabe de Foz do Iguaçu (PR)

Sheik Mohamad Khalil, líder espiritual da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu - Christian Rizzi/UOL
Sheik Mohamad Khalil, líder espiritual da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu
Imagem: Christian Rizzi/UOL

Denise Paro

Colaboração para o TAB, de Foz do Iguaçu (PR)

26/10/2022 04h00

Durante seus sermões na mesquita, o sheik Mohamad Kalil, 55, recomenda pacificação, respeito e que se evite o uso de palavras que carregam "veneno político". A intenção é evitar que o clima tenso das eleições no Brasil esquente ainda mais as conversas entre membros da comunidade árabe de Foz do Iguaçu (PR).

Mohamad Kalil é o líder religioso da mesquita xiita da Sociedade Beneficente Islâmica de Foz do Iguaçu. A cidade que tem a segunda maior comunidade árabe do país, com cerca de 12 mil membros — a maior parte, muçulmana —, sente o fervor da polarização política brasileira.

Não é para menos: a cidade da tríplice fronteira registrou um dos mais fortes atos de violência política, logo no começo da corrida eleitoral, quando o guarda municipal petista Marcelo Arruda foi morto a tiros pelo policial penal bolsonarista Jorge Garanho. O crime foi cometido no dia 9 de julho.

Com a proximidade do segundo turno, o assunto eleições está cada vez mais presente em grupos de WhatsApp, redes sociais, encontros familiares ou nas conversas pós-orações nas mesquitas.

No Brasil desde 1998, o sheik Kalil diz que nunca sentiu uma tensão como a das eleições deste ano. Alguns membros da comunidade estão usando inadequadamente termos religiosos e da "mesquita" com interesses políticos.

Para ele, é preciso trabalhar para "purificar e deixar o ambiente pacífico". O Brasil, diz o sheik, precisa voltar a ser um país como antes, com liberdade e democracia, sem levantar a voz para falar de política.

A liderança fala em harmonia e união, a exemplo da maior parte dos frequentadores da mesquita, mas prefere não revelar o voto. Ele conta que não há candidatos preferidos entre sunitas e xiitas.

Sheik Mohamed Khalil, em mesquita de Foz do Iguaçu - Christian Rizzi/UOL - Christian Rizzi/UOL
Imagem: Christian Rizzi/UOL

Convite desfeito

O que o Kalil disse pôde ser notado no início da campanha. Na primeira quinzena de agosto, a comunidade árabe quis promover um jantar num hotel de luxo, em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No evento estariam presentes políticos do PT paranaense e o candidato a vice Geraldo Alckmin (PSB), que tem ascendência árabe. O grupo, que se autointitula brasileiro-árabe progressista, diz que em poucas horas os 400 convites ofertados foram vendidos (custaram R$ 100 cada um).

Assim que notícias do evento passaram a circular pelas redes, as reações começaram. Alguns membros da comunidade rechaçaram o jantar. Representantes do Centro Cultural Beneficente Islâmico, onde está a mesquita de linha sunita, publicaram nota alegando que a instituição não tem vínculo partidário algum e que qualquer convite público ou privado não a representa.

Após a enxurrada de críticas, os organizadores cancelaram o evento, que seria realizado dia 23 de agosto, alegando incompatibilidade nas agendas. Publicaram ainda uma nota oficial, explicando os motivos. No comunicado, também lamentavam as manifestações que procuraram descaracterizar o evento.

Um dos organizadores do evento, Raby Khalil, 45, diz que em Foz do Iguaçu a maioria da comunidade é progressista, em razão da diáspora que trouxe os árabes para o Brasil, marcada pela fuga das guerras ao longo do século 20. Para o ambientalista, muitos membros da comunidade estão com receio de se expor, manifestar e revelar o voto a Lula.

Nem todos os membros da comunidade se sentem confortáveis em declarar o voto, principalmente os mais religiosos. Nessas eleições, diz o sheik Mohamad Kalil, as pessoas conversam entre si para saberem em quem votar, algo que não era tão comum.

Professora da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu Yalolez Taouz - Christian Rizzi/UOL - Christian Rizzi/UOL
Yaldez Taouz, professora da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu
Imagem: Christian Rizzi/UOL

Debate divide famílias

A exemplo do que acontece em boa parte das famílias brasileiras, o debate político também se estende às conversas familiares e redes sociais nos núcleos árabes. Em grupos de WhatsApp circulam vídeos no idioma árabe em prol do candidato Lula. Outras postagens promovem o adversário.

Uma das lideranças da comunidade, Mohamad Ibrahim Barakat, 83, tem voto declarado no ex-presidente Lula; seu filho, Hamzi Mohamad Barakat, 55, não esconde o apoio a Bolsonaro.

Primeiro vereador árabe de Foz do Iguaçu, Ibrahim Barakat considera a política "coisa sagrada". Ele coleciona fotos ao lado de personalidades políticas de esquerda e também com o atual vice-candidato na chapa de Lula, Geraldo Alckmin.

Para Barakat, os muçulmanos têm medo da política porque no Oriente Médio todos que estão no poder são ditadores. A maior parte dos políticos de ascendência árabe no Brasil são cristãos ou sunitas.

O argumento da causa Palestina, alinhada à esquerda, e a aproximação de Bolsonaro com Israel não sensibilizam Hamzi, que diz ter simpatia pela esquerda, mas nesta eleição reluta em dar o voto a Lula. "A causa palestina mudou e hoje há conflito entre os grupos."

Frequentadora da mesquita xiita, a professora Yaldez Taouz, 66, está há 45 anos no Brasil. Ela conta que a política está presente na conversa entre amigos e familiares. Para ela, é preciso eleger o candidato que fará o melhor para a pátria e que promova igualdade e "comida na mesa". "Nós somos brasileiros e queremos ver o Brasil ir para frente", conta. Em razão do contexto político, a professora diz que tem feito bastante oração em prol da tranquilidade.

Reduto bolsonarista

A divisão política na comunidade árabe pode ser explicada, em parte, pelo contexto no qual os membros estão inseridos. Apesar de serem libaneses, muitos estão há muito tempo fora do país de origem e se sentem "abrasileirados". Por isso, acham que a causa palestina e a disputa ideológica com Israel ficaram no passado.

Outro fator é o grande apoio que o candidato Bolsonaro tem no Paraná e em Foz do Iguaçu. No primeiro turno, Bolsonaro fez 60,88% dos votos válidos em Foz do Iguaçu. Lula chegou a 32,47%. Boa parte da comunidade árabe tem dupla nacionalidade e vota no Brasil. Entre os 12 mil membros, cerca de 7 mil vão às urnas dia 30.