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Rússia x Ucrânia: como se declara o fim de uma guerra

27.ago.22 | Casas destruídas por ataque militar russo na cidade ucraniana de Orikhiv - STRINGER/REUTERS
27.ago.22 | Casas destruídas por ataque militar russo na cidade ucraniana de Orikhiv Imagem: STRINGER/REUTERS

Edison Veiga

Colaboração para o TAB, de Bled (Eslovênia)

29/10/2022 04h01

Sessenta anos atrás, em outubro de 1962, o mundo enfrentou o momento considerado o de pior risco já vivido de um conflito nuclear: a guerra dos mísseis, em Cuba. A julgar pelos últimos pronunciamentos do presidente russo Vladimir Putin, não estaríamos muito longe de vivenciar uma alarmante situação semelhante.

Iniciada oficialmente em fevereiro de 2014, quando tropas russas invadiram territórios ucranianos, especialmente na Crimeia, a guerra travada entre Rússia e Ucrânia não parece ter pressa para acabar.

O estrago humano e histórico já é gigantesco. "A invasão da Ucrânia pela Rússia foi a mais séria crise de segurança no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial", comenta o cientista político Enrique Carlos Natalino, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em São Paulo. "A escala da mobilização militar, das perdas humanas e do deslocamento de refugiados são dados que só podem ser comparados com os daquele conflito devastador."

E como termina uma guerra, afinal? É um enredo que mais parece aquela máxima futebolística, a do "só acaba quando termina". Mas há explicações mais corretas.

Natalino lembra que as guerras se iniciam quando Estados usam a força para atingir objetivos — "políticos, militares e estratégicos, mas também econômicos, ideológicos e religiosos", contextualiza. "E geralmente terminam quando o Estado em posição de superioridade militar decide que alcançou, parcial ou totalmente, esses objetivos."

É força. Mas também é jeito. Conforme dizia o general e estrategista prussiano Carl von Clousewitz (1780-1831), "a guerra é a continuação da política por outros meios".

"O término de uma guerra, nessa acepção, é uma decisão igualmente política dos Estados envolvidos. Tecnicamente, as guerras podem terminar quando um Estado é capaz de submeter e subjugar completamente outro Estado, levando-o à rendição e à imposição dos termos para a paz. Neste caso, um dos lados desiste de lutar por completa incapacidade de meios e o conflito termina", exemplifica.

Em conflitos em que não há um vencedor e as forças beligerantes encontram-se em situação de impasse, uma guerra pode nem terminar oficialmente. Nesse caso, diz Natalino, os Estados envolvidos apenas decidem cessar as hostilidades a certo ponto, como ocorreu na Guerra da Coreia (1950-1953) e da Guerra Irã-Iraque (1980-1988).

Termos de paz

Luís Fernando Baracho, professor de direito internacional e de relações internacionais da Universidade São Judas Tadeu e um dos editores do blog de política internacional Fora da Cadência, explica como funciona o busílis. Em linhas gerais, é preciso entender que, para acabar de vez com uma guerra, são necessários dois pontos: o fim jurídico do conflito armado internacional e o fim das hostilidades entre os envolvidos.

O fim das hostilidades costuma ocorrer antes do fim jurídico. E, em algumas situações, ocorre de tal forma que até mesmo prescinde do fim jurídico. "Ele pode vir por um armistício ou por uma decisão unilateral de uma ou mais das partes envolvidas. Pode ser tanto um acordo como o fato de uma das partes dizer 'eu não vou mais'", explica.

Já o fim jurídico é formal. Precisa, necessariamente, de um tratado de paz, "que terá de ser submetido aos órgãos legislativos dos respectivos países, se forem democracias, e depois ratificados", acrescenta Baracho.

A situação atual da guerra, contudo, permite prever um inverno no hemisfério norte bastante difícil. "Mesmo com o enorme desgaste humano e material dos respectivos exércitos, com milhares de mortes de civis, com a destruição de cidades ucranianas inteiras e a fuga de mais de seis milhões de refugiados ucranianos, os dois lados seguem em luta no tabuleiro sem que uma solução para o conflito esteja no horizonte", aponta Natalino.

"A Ucrânia aposta na continuidade da ajuda militar e econômica do Ocidente para fortalecer a sua estratégia defensiva e retomar alguns territórios nas regiões leste e sul do país. Inviabilizado o objetivo de ocupação e de mudança de regime, a Rússia aposta numa guerra de desgaste de longo prazo para enfraquecer o apoio ocidental à Ucrânia", afirma.

Inverno gelado

No meio disso tudo tem o inverno no hemisfério norte. E o papel fundamental da Rússia no fornecimento de gás natural — imprescindível para o aquecimento de boa parte da região.

"Se por um lado a chegada do inverno favorece as posições defensivas ucranianas, por outro lado a Rússia aposta que a crise do gás poderá levar a Europa a uma crise energética sem precedentes, levando-a a pressionar a Ucrânia a negociar a paz", analisa Natalino. "Certamente o limite para a continuidade desse apoio dado à Ucrânia será o agravamento do quadro inflacionário e recessivo no bloco europeu."

Baracho também considera que o inverno seja "protagonista" do cenário bélico atual. Segundo ele, o conflito ocorre em diversos tabuleiros. No aspecto da guerra em si, a iniciativa foi russa. No âmbito econômico, Estados Unidos e União Europeia, ao lado da Ucrânia, não mediram esforços para estrangular financeiramente os interesses de Putin.

"A reação russa agora vem no que diz respeito a energia. Nessa questão, ela começa a jogar o jogo dela", comenta. "E quer, de certa forma, desestabilizar os países europeus, no inverno, com a dificuldade de energia para calefação."

O fim está próximo?

Para Baracho, a guerra ainda não vislumbra um fim. Muito pelo contrário. É uma fase que começa depois da ditada pelas iniciativas agressivas de Moscou e do contra-ataque econômico do Ocidente. "Estamos começando o terceiro momento do conflito, enquanto, em paralelo, os ataques continuam", afirma.

Nesse sentido, parece valer mesmo o clichê futebolístico. Dizem que foi o empresário Vicente Matheus (1908-1997), folclórico presidente do Sport Club Corinthians Paulista, que popularizou a frase "o jogo só acaba quando termina".

Tratando-se de uma guerra com tantos riscos envolvidos, espera-se que o apito final não signifique bombas atômicas. Ao menos para que, neste caso, o fim da guerra não coincida com o fim da humanidade.