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'Pulmão da arquibancada': torcidas organizadas voltam aos estádios no Rio

MPRJ suspendeu punições para torcidas Young Flu (Fluminense), Força Jovem (Vasco), Fúria Jovem (Botafogo), e Raça Rubro-Negra e Torcida Jovem (Flamengo) - Letícia Pires/UOL
MPRJ suspendeu punições para torcidas Young Flu (Fluminense), Força Jovem (Vasco), Fúria Jovem (Botafogo), e Raça Rubro-Negra e Torcida Jovem (Flamengo)
Imagem: Letícia Pires/UOL

Letícia Pires

Colaboração para o TAB, do Rio

30/10/2022 04h01

Na manhã de domingo (23), uma aglomeração de torcedores chamou a atenção dos moradores do Méier, na zona norte do Rio de Janeiro. Vestidos com camisetas brancas e cantando hinos de guerra, centenas de integrantes da torcida organizada Young Flu caminhavam até o Maracanã. O trajeto, que durou mais de uma hora, marcou o retorno da torcida ao estádio, após sete anos afastada.

Entre bandeirões estampados e forte escolta do Bepe (Batalhão Especializado em Policiamento de Estádios) à caminhada, Jennyffer Costa, 40, estava feliz por finalmente poder voltar a usar a camisa da organização. "O prazer de vestir branco é indescritível", diz.

Integrante do Movimento Feminino de Arquibancada, Jenny participa há nove anos da torcida tricolor. O contato com a organizada, no entanto, é mais antigo. O pai, Fábio, conhecido como Metaleiro, fez parte do grupo durante três décadas. Em 2011, devido ao agravamento da diabetes, começou a perder a visão — a torcida e a filha passaram a narrar os jogos do Fluminense para ele, direto do Maracanã.

"Ele foi e a Young ficou", diz Jenny, contando que a morte do pai, em 2013, fez com que ela se aproximasse ainda mais do grupo. Desde então, acompanha a torcida em caravanas e jogos do tricolor, além de coordenar ações sociais da torcida. As filhas seguiram a tradição da família e também entraram na organizada.

O prazer de participar das festas nas arquibancadas, entretanto, não era o mesmo desde 2015, quando o grupo foi banido dos estádios por acumular punições junto ao MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), que indica a participação da torcida em reiterados conflitos com outras organizadas e o descumprimento de decisões judiciais.

O retorno, durante o clássico contra o Botafogo, só foi possível após a tramitação do Projeto de Lei 6.118/2022, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Aprovado por unanimidade pela Casa, o PL determina, entre outras medidas, coibir a violência nos estádios e garantir a anistia às organizadas banidas das arquibancadas. As beneficiadas foram a Young Flu (Fluminense), Força Jovem (Vasco), Fúria Jovem (Botafogo), e Raça Rubro-Negra e Torcida Jovem (Flamengo).

A anistia, no entanto, depende de um novo TAC (Termo de Ajuste de Conduta), que está sendo construído pelo MPRJ, órgãos de segurança e representantes das torcidas, que contam com apoio da Anatorg (Associação Nacional de Torcidas Organizadas). O governador Cláudio Castro (PL) chegou a vetar parcialmente o projeto, que deve retornar à Alerj, mas a presença das organizadas nos estádios continua valendo, uma vez que a suspensão das punições foi concedida por 60 dias pelo MPRJ enquanto o novo TAC é discutido.

Torcidas organizadas voltam aos estádios no RJ - Letícia Pires/UOL - Letícia Pires/UOL
Integrante do Movimento Feminino de Arquibancada, Jenny Costa participa há nove anos da Young Flu
Imagem: Letícia Pires/UOL

'Tranquilidade para o povão'

"Acima de tudo, abaixo de nada. Força Jovem Vasco. Eu sou da Força Jovem, eu sou, o bicho vai pegar e ninguém vai me segurar", ecoou durante a partida do clube cruz-maltino contra o Criciúma no sábado 22 de outubro. Dentro e fora do estádio São Januário era possível ver um mar de camisas brancas, usadas por torcedores para homenagear o retorno de uma das principais torcidas do time.

Banida há nove anos, a Força Jovem também está na fronteira entre as festas nas arquibancadas e as muitas punições junto ao MPRJ. O principal caso foi o confronto entre integrantes da organizada e torcedores do Athletico Paranaense, em 2013. A briga na Arena Joinville, em Santa Catarina, deixou quatro feridos das duas torcidas, e as duras cenas da confusão rodaram o mundo e se tornaram um marco na história do futebol brasileiro.

Bruno Pereira Ribeiro, 40, conhecido como Bruno Fet, era presidente da Força Jovem e lamenta o ocorrido. Ele diz que a segurança particular do estádio não conseguiu conter a invasão dos athleticanos, o que pegou os vascaínos de surpresa.

"Você não sabe se fica, se pula pra dentro do campo. Ali no momento acabou às vezes de usarmos uma força maior", relata ele, que não faz mais parte da torcida. Bruno e outros componentes da diretoria da época foram julgados e absolvidos no caso, outros dois envolvidos esperam julgamento.

Atual presidente da Força Jovem e integrante desde 1998, Fabiano Souza, 40, defende uma nova postura da torcida, uma mudança de mentalidade. "Brigas ainda vão existir, mas a gente tem que reduzir ao máximo e passar tranquilidade para o povão, uma família que é o público-alvo hoje nosso, o torcedor", conta.

Durante a partida contra o Criciúma, porém, foram registrados conflitos envolvendo integrantes da organizada dentro e fora de São Januário. As disputas políticas na organização acontecem há pelo menos 20 anos, o que indica uma complexidade na gestão do grupo. A diretoria da Força Jovem repudiou os ocorridos e se comprometeu com a responsabilização dos indivíduos que, segundo eles, são minoria.

Destacou ainda a necessidade de punir os autores dos conflitos, pelo CPF, e não a instituição, pelo CNPJ, como prevê o Projeto de Lei 6.118/2022. Ainda assim, a organizada recebeu uma nova punição do MPRJ, que proibiu a entrada de material da torcida no jogo entre Vasco e Sampaio Corrêa na quinta-feira (27). No dia da partida, uma faixa com os dizeres "Força Jovem não é bem-vinda na Barreira do Vasco" foi colocada na entrada da comunidade, segundo o Lance!, por uma facção criminosa.

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'Uma família que é o público-alvo nosso, o torcedor', diz Fabiano Souza, presidente da Força Jovem Vasco
Imagem: Letícia Pires/UOL

De volta ao Maracanã

"Quando a torcida canta, o time joga. Você faz parte da festa e não conta história. Você é a história. Torcida é isso, torcida faz parte da história." As palavras de Luis Frederico da Silva Schuh, 47, guardam a emoção de, após três anos e dez meses, ver sua organizada, a Raça Rubro-Negra, de volta ao Maracanã.

Lula, como é conhecido na torcida do Flamengo, integra a organizada desde 1992, e passou boa parte de sua vida dedicado a inflamar o "pulmão da arquibancada". Foi vice-presidente, diretor e, por 20 anos, ocupou o cargo de "puxador" — responsável por reger a torcida ao longo dos jogos, o que o obrigava, muitas vezes, a presenciar o espetáculo das arquibancadas, e não do campo.

Momentos antes da final da Copa do Brasil, que consagrou o tetracampeonato do Flamengo, Lula, que é paraquedista reservista e hoje comunicador no canal "Oh, Meu Mengão" no YouTube, defendia como as organizadas são essenciais para o time.

A ausência das principais torcidas do Flamengo nos últimos anos, diz ele, fez com que as arquibancadas perdessem sua essência. "Tentam manter a tradição, mas não respeitam. Não dá pra virar a página na arquibancada. Você tem que trazer toda a história, toda a tradição. As organizadas são 'ad aeternum' no Flamengo."

Além da Raça Rubro-Negra, a Torcida Jovem do Flamengo esteve longe dos estádios por pelo menos cinco anos. Ambas sofreram punições, segundo o MPRJ, por participação em conflitos entre organizadas. Lula considera que, muitas vezes, há arbitrariedade nas punições, e que é preciso "separar o joio do trigo".

Às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, Lula sabe que carrega consigo um apelido expressivo. Diz admirar o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem considera um grande estadista. Entretanto, declara que não vai votar 13. "Amo o discurso, mas não amo a pauta de toda a esquerda", diz.

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'As organizadas são ad aeternum no Flamengo', diz Luis Frederico da Silva Schuh, conhecido como Lula
Imagem: Letícia Pires/UOL