Congresso do MBL tem 'gado mecânico', memes e apelo por 'projeto de poder'
O MBL (Movimento Brasil Livre) sabe muito bem apostar no lúdico para agradar seu público majoritariamente jovem e masculino. Prova disso é que a segunda vinda de Eduardo Leite (PSDB), governador reeleito no Rio Grande do Sul, ao 7º Congresso do movimento não animou tanto o público quanto o manequim vestindo uma camiseta da seleção brasileira amarrado com os braços abertos na frente de um vagão de trem desativado logo na entrada do evento realizado neste sábado (5) num espaço cultural na Mooca, zona leste de São Paulo.
Tratava-se de uma homenagem ao manifestante bolsonarista que tentou impedir que um caminhoneiro furasse o bloqueio na estrada — e que virou meme não só na bolha da esquerda. No evento do MBL, foi campeão de selfies."Deixa eu tirar uma foto com o patriota aqui", ironizou um homem vestido com a camiseta com a mensagem "Nem Lula & Nem Bolsonaro" enquanto estendia o braço para se fotografar.
Outra atração no melhor estilo "Disney liberal" causou frisson entre os presentes: um touro mecânico (referido como "gado mecânico") com o rosto do jornalista Rodrigo Constantino, formou filas de jovens para tentar montar o "gado bolsonarista".
A brincadeira com Constantino foi explicada horas depois pelo próprio Kim Kataguiri (União Brasil) nos bastidores. "Ele só ataca a gente o tempo inteiro", disse o cofundador do MBL e deputado federal reeleito por São Paulo, vestindo um moletom do anime "Naruto" enquanto almoçava um sanduíche e um copo de chope. "Em 2019, ele foi bastante crítico ao governo Bolsonaro. Imagino que ela tenha mudado de posição por motivos não muito republicanos."
Kataguiri participou de uma bateria de mesas e atividades no congresso. Ao meio-dia, abriu o evento ao lado de Renan Santos, Arthur do Val, Pedro D'eyrot e Ricardo Almeida diante de uma plateia robusta. Ali foi dado o recado e o tom que membros e adeptos do movimentos devem tomar nos próximos quatro anos.
"Somos um projeto de poder, sim", afirmou Arthur do Val, o Mamãe Falei, aplaudido diversas vezes pelas centenas de pessoas na plateia. "Ou o MBL se torna um projeto de poder ou ele fecha."
Do Val fez um apelo para que os presentes firmassem um compromisso de defender com unhas e dentes o MBL e entrar de cabeça na política. O saldo final das eleições de 2022, como dito em outras mesas e entre os adeptos do movimento, foi um fracasso.
Grande parte dos candidatos lançados pelo MBL não vingaram nas urnas, assim como as apostas de nomes como Sergio Moro, Eduardo Leite e Henrique Mandetta para representar a chamada "terceira via". No âmbito estadual, a candidatura de Do Val para o governo de São Paulo afundou antes de ser oficializada por causa do vazamento de áudios com comentários misóginos do político sobre mulheres ucranianas.
Masculinidade à flor da pele
Por ser um ambiente predominantemente masculino, havia ali todos os signos da masculinidade moderna: cerveja artesanal, churrasco, muitos cigarros eletrônicos e até uma luta entre o ex-deputado Arthur do Val e o ex-atleta de MMA Marcelo Brigadeiro, ex-presidente do PSL de Santa Catarina e organizador de um dos eventos mais conhecidos do ramo, o Aspera FC. "Mata ele, Brigadeiro", gritou a plateia.
Como previsto, durou poucos minutos. Do Val passou grande parte deles no chão, tentando se desvencilhar dos nós de braços e pernas musculosos de Brigadeiro. A atração foi um sucesso.
Falando em masculinidade, os áudios vazados de Do Val sobre mulheres ucranianas foram um assunto recorrente no congresso. Diversas vezes, o político do MBL variou entre fazer um mea-culpa das suas atitudes, ironizar a situação ou recontar o que lhe passou depois da divulgação do caso na imprensa.
Mas o assunto já parecia superado entre o público feminino. "O áudio não me interessa. Ele se mostrou um babaca, mas eu acredito nele como político", comentou a líder de qualidade Emily Viotti, 31, que viajou de Sorocaba (SP) para participar pela primeira vez do congresso. Assim como muitos presentes, o que fez Viotti ficar insatisfeita de verdade foi o saldo das eleições. "Só votei para deputado. Para presidente, votei nulo. Não ia manchar meus dedos votando em bandidos", explica.
A confeccionista Larissa Lopes Batista, 39, também diz que seu foco é a atuação política de Do Val. "Ele me decepcionou como homem, mas eu não tô atrás de marido ou namorado. Até porque o marido eu já tenho. A atuação dele na Alesp [Assembleia Legislativa de São Paulo] foi ótima, isso que me importa."
Para Batista, os áudios do político não são diferentes do que acontece em grupos de amigos no WhatsApp. "É uma fala de macho escroto, mas quantos não fazem a mesma coisa?"
'Terceira via não existe no Brasil'
O estudante Gabriel Dias, 24, escolheu carregar uma bandeira do Brasil durante o evento, uma tentativa de descolar os símbolos patrióticos dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL). "É quase impossível, porque ele pegou essa pauta toda pra ele", reflete. "Mas talvez seja possível agora que ele perdeu".
Bolsonaro foi a escolha do jovem em 2018 e, menos de um ano depois, logo virou uma decepção. "Quando ele indicou o Augusto Aras para a PGR [Procuradoria-Geral da República] em 2019, ficou claro que ele não queria combater a corrupção", afirma.
Mas a decepção maior de Dias e de outros presentes definitivamente foi Sergio Moro (União Brasil). O ex-juiz que liderou a Operação Lava Jato esteve presente no congresso do ano anterior e foi uma das grandes apostas do MBL na corrida presidencial.
A aposta morreu na praia. Depois de desistir da campanha presidencial e voltar a apoiar Bolsonaro, o ex-juiz e senador eleito pelo Paraná foi considerado traidor por grande parte dos entrevistados. "O Moro cometeu uma traição contra os valores políticos em nome da ganância, da sede de poder", avalia o estudante Arthur França Domingues Faé, 19.
As apostas para a terceira via também não convenceram Leonardo de Souza, 23, que votou em Luiz Felipe d'Avila (Novo) no primeiro turno. "Terceira via não existe no Brasil", diz o analista de logística que veio com uma caravana de Curitiba. "O populismo é um câncer para a política."
Aposta para as próximas gerações
Nos próximos quatro anos, os simpatizantes do MBL pretendem seguir o conselho da liderança do movimento: entrar de cabeça na política e atuar como oposição ao PT no poder. Há quem pretenda se candidatar para cargos legislativos nas próximas eleições ou planeje trabalhar nos bastidores.
O MBL continua apostando em trabalho de base, oferecendo cursos de formação sobre política. Grande parte dos alunos, identificáveis no evento por estarem usando trajes formais, são jovens e carregavam consigo livros sobre técnicas de retórica, escrito pelo próprio Kataguiri.
O autor sabe do apelo. "Fiquei surpreso quando vi que meu eleitorado está cada vez mais jovem", disse ao TAB. "Estive em um evento de anime e uma criança de sete anos pediu para tirar foto comigo."
Frente ao público precoce e ávido pela expectativa de radicalizar o debate para se opor a um governo petista, houve até uma antecipação de uma possível terceira via para 2026. No palco principal, o governador Eduardo Leite foi perguntado se pretende se candidatar nas próximas eleições presidenciais. "A política é muito dinâmica", tergiversou o político tucano, sob aplausos.
Ainda que a agenda política de Leite faça brilhar os olhos de membros do MBL, para eles há outro nome como opção futura para o Palácio do Planalto. Na loja do congresso, camisetas com "Gentili 2026", com o rosto do apresentador e comediante Danilo Gentili, foram vendidas (e vestidas) por alguns dos presentes, antecipando o clima de zoeira e memes tão defendido pelo movimento que pode vir por aí.
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