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Carro de som que pedia 'cobertura honesta' impede repórter de subir, no Rio

Camelô bolsonarista vendia chapéus durante o ato antidemocrático no centro do Rio, mas não quis se identificar - Fabiana Batista/UOL
Camelô bolsonarista vendia chapéus durante o ato antidemocrático no centro do Rio, mas não quis se identificar
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, do Rio

15/11/2022 17h04

Chapéu para proteger do sol, bandeira enrolada no corpo e camiseta verde e amarela com todo tipo de estampa. Antes das 10h, manifestantes pró-golpe saíam em bando do metrô da Central do Brasil em direção ao Palácio Duque de Caxias, no Rio.

Ao redor do prédio, em suas barracas de comidas, bebidas e adereços, os camelôs aproveitavam para trabalhar no feriado da Proclamação da República. Levavam nos braços, na cabeça e estendidas em lonas todo tipo de mercadoria.

O objetivo do ato de 15 de novembro é exigir auditoria dos votos de 30 de outubro, pois eles não acreditam no resultado das urnas. O local escolhido pelos bolsonaristas já foi utilizado pelo Ministério da Guerra, no período colonial, e atualmente é ocupado pelo Comando Militar do Leste. É área militar, tomada desde o início do mês por grupos bolsonaristas.

"Estou aqui para pedir que as Forças Armadas nos apoiem. Queremos eleições limpas." A cuidadora de idosos Elaine Valença, 47, disse que viu "notas" a favor dos atos. "Ouvi falar que ela também reconhece a fraude nas eleições." Não disse onde. Para Elaine, só o comando militar do país é confiável para recontar os votos.

Na sexta-feira (11), os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica divulgaram uma nota conjunta sobre os protestos, condenando "eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública".

A nota completa contém várias indiretas ao Judiciário e foi precedida pela entrega do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O documento não apontou indícios de fraude.

Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo do dia 10 informou que a cúpula do Exército descartou qualquer ação contra os manifestantes acampados em frente aos quartéis desde que Lula ganhou as eleições.

Elaine Valença, cuidadora de idosos, durante ato bolsonarista no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Elaine Valença, cuidadora de idosos, durante ato bolsonarista no Rio
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Sob sol de 30°

Até meio-dia, apesar de lotar as calçadas em frente e ao redor do prédio, as vias principais da avenida Presidente Vargas não haviam sido fechadas.

Dos carros de som — eram quatro no total —, músicas e palavras de ordem ecoavam. Além de frases como "SOS Forças Armadas" e "Forças Armadas, salvem o Brasil", o hino da bandeira e da independência do Brasil davam o tom.

A certa altura, nove mulheres, dois homens e uma criança enfrentaram o asfalto quente e se ajoelharam sobre uma bandeira do Brasil gigante estendida no chão, com o objetivo de "orar por um Brasil melhor".

Mas também havia quem se escondia nas sombras. Embaixo das copas de árvores imensas, grupos aproveitavam para comer churrasquinho, pastel ou sanduíche. Refrescavam-se com água e cerveja - contrariando o pedido do carro de som de que não se consumisse bebida alcoólica, já que "estavam ali para lutar e não festejar".

Grupo se ajoelhou para 'orar por um Brasil melhor', no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

A manifestação impôs o verde-amarelo até mesmo a um flamenguista, que vestia a cor de seu time apenas nos detalhes do brasão da camiseta.

No meio dos manifestantes, lonas protegiam do sol. Sob uma delas, uma fila grande se formou para a distribuição gratuita de água — quem não queria enfrentar a fila pagava R$ 4 com os ambulantes. Outra fila estava armada para a pintura de quem quisesse usar as cores da bandeira no rosto.

Um homem que permaneceu o tempo todo sobre um dos carros de som agitava o público contra a imprensa. Chamou os fotógrafos presentes para subirem e "fazerem uma cobertura honesta e não fake". Ao tentar acessar o carro de som para fazer a "cobertura honesta", a reportagem do TAB foi impedida de subir, sem justificativa.

A lojista Rosângela Marques, 54, abriu um sorriso para a foto e topou conversar. Sem responder com exatidão nenhuma das perguntas sobre o ato, disse que estava ali para acabar com a corrupção e "por um Brasil melhor".

Protestos antidemocráticos no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Pipoca contrariada

Em frente ao Palácio, um pipoqueiro não escondia a insatisfação de estar ali. De cara fechada, não quis ser fotografado e respondeu a apenas uma pergunta. "Vim só para trabalhar."

Como ele, Marcos, um jovem de 18 anos que não quis dar o sobrenome, acompanhava a mãe vendendo bandeiras e chapéus sob uma lona estendida no meio da rua. Com um sorriso no canto da boca e pouco à vontade, o camelô acha "tudo isso uma maluquice". "Bolsonaro não fez nada pela gente. Votei no Lula, mas, para trabalhar, vou em qualquer evento."

Com medo de ser reconhecido em outros locais, um ambulante topou tirar foto com a bandeira do Brasil tapando quase todo o rosto, mas preferiu não dar entrevista nem se identificar. Com uma grade cheia de bonés e bandeiras na mão, afirmou: "estou aqui vendendo, mas também sou bolsonarista".

Sabrina Ramos, 33, não se escondeu nem pareceu ter medo de represálias. "Sempre trabalhei independentemente de governo. Estou aqui para trabalhar, mas também porque não quero que o Lula destrua mais o Brasil."

Sem querer se explicar, a vendedora de espetinhos de churrasco disse estar no acampamento em frente ao Palácio desde seu início e repetia, ao final de suas respostas, que "Lula vai destruir o país".

Bolsonaristas que participavam de ato na frente do Comando Militar do Leste cantam Hino Nacional - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Bolsonaristas que participavam de ato na frente do quartel-general do Comando Militar do Leste cantam Hino Nacional
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Insatisfação sem fim

Às 11h20, o Hino Nacional tocou e até quem estava distraído parou o que fazia para cantar. Emocionado, um homem segurava o celular para uma selfie enquanto cantava. Ao terminar, o carro de som reprimiu as pessoas que bateram palmas — "não se bate palma pós-hino, está na Constituição". Não há referência a isso na Carta.

No carro de som, além de exigir a auditoria dos votos, falas denunciando que as universidades são mentirosas e que o "Foro de São Paulo quer destruir o país" foram ditas com fervor.

Pouco antes de 13h, aos gritos de "sou brasileiro / com muito orgulho / muito amor", bolsonaristas travaram a av. Presidente Vargas. Sem agentes de trânsito ou guardas municipais auxiliando o tráfego, os carros e ônibus tentavam fugir do congestionamento enquanto fileiras de caminhões com bandeiras e cartazes passavam entre as pessoas. Dois policiais militares andavam fardados entre os manifestantes. Uma viatura à distância encontrava-se parada.

Apenas uma viatura policial foi encontrada ao longo de todo o ato antidemocrático no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Apenas uma viatura policial foi encontrada ao longo de todo o ato
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Próximo a eles, um bolsonarista que está acampado há dias afirmou: "Saio daqui apenas quando resolvermos essa fraude". A chuva que se adivinhava começou a cair perto das 15h30, dispersando boa parte dos bolsonaristas.