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Marroquinos em Paris celebram vitória simbólica do time na Copa

A estudante Akla Maria, presidente do comitê da Casa do Marrocos, em Paris - Daniela Fernandes/UOL
A estudante Akla Maria, presidente do comitê da Casa do Marrocos, em Paris Imagem: Daniela Fernandes/UOL

Daniela Fernandes

Colaboração para o TAB, de Paris

15/12/2022 10h03Atualizada em 16/12/2022 10h08

"Sir, siiir, siiiiir" (vai, em árabe), o grito de guerra lançado pelo treinador da seleção marroquina de futebol, Walid Regragui, que viralizou nas redes sociais nesta Copa do Mundo no Qatar, foi entoado com fervor pelas cerca de 300 pessoas reunidas na Casa do Marrocos, na Cidade Universitária de Paris, durante a semifinal contra a França a cada vez que um jogador marroquino corria com a bola e com mais euforia ainda se conseguia se aproximar do gol francês.

Os marroquinos queriam a vitória, claro, mas muitos deles diziam que qualquer que fosse o resultado já estavam felizes com a façanha inédita de seu país de chegar à semifinal em uma Copa do Mundo. Nem o primeiro gol da França, de Théo Hernandez, nos primeiros cinco minutos da partida, arrefeceu o entusiasmo dos torcedores que aplaudiam sistematicamente os jogadores de sua seleção, conhecida como Leões do Atlas, mesmo quando eles chutavam a vários metros do gol francês.

Os torcedores concentrados na partida não protestaram nem com os sucessivos cortes na transmissão do jogo no primeiro tempo, inicialmente com locução em árabe, devido provavelmente a problemas de conexão com a internet. Depois optou-se por um canal com narração em francês.

Eles continuaram encorajando a equipe até o final, em um lance da seleção marroquina já na prorrogação do segundo tempo, após terem sofrido um segundo gol da França faltando cerca de dez minutos para o fim do jogo, quando ouviram o narrador francês celebrar e dizer que aquilo marcava provavelmente o fim dos sonhos e das ilusões dos marroquinos. Quando soou o apito final, aplaudiram de maneira efusiva.

Público assiste ao jogo entre França e Marrocos, em Paris - Daniela Fernandes/UOL - Daniela Fernandes/UOL
Público assiste ao jogo entre França e Marrocos, em Paris
Imagem: Daniela Fernandes/UOL

'Uma trajetória mágica'

"Não estou decepcionado. Essa equipe deu muito orgulho para os marroquinos e todos os árabes. Ela teve uma trajetória mágica", disse o engenheiro financeiro Badr Ahidar, que nasceu em 1998, quando a França ganhou a Copa do Mundo contra o Brasil. Ele acreditava que o Marrocos tinha condições de ganhar, após uma série de decepções nos últimos anos, mas, como muitos, disse que estaria satisfeito com qualquer resultado. "Sempre torci pela França quando não havia seleção árabe nem africana jogando", completou Ahidar.

Ele afirmou que essa partida teve um aspecto simbólico, que segundo ele foi de convivialidade. Centenas de milhares de marroquinos moram na França e muitos deles têm a nacionalidade francesa.

No entanto, há problemas relativos à imigração, sobretudo em periferias mais pobres francesas, onde muitos descendentes de marroquinos, embora nascidos na França, não se sentem integrados à sociedade do país. Ahidar lamentou que a mídia tenha dado destaque nos últimos dias apenas aos confrontos que ocorreram na avenida Champs-Elysées no último sábado após a vitória do Marrocos contra Portugal.

A semifinal ocorreu em um momento em que as relações entre a França e o Marrocos, uma ex-colônia e normalmente um aliado francês no Magrebe (Marrocos, Argélia e Tunísia), estão tensas justamente por questões de imigração: desde o final de 2020 a França reduziu pela metade o número de vistos concedidos ao Marrocos porque o país se recusa a receber seus cidadãos expulsos da Europa por considerar essa medida discriminatória.

O presidente francês, Emmanuel Macron, que deve visitar o Marrocos em janeiro, publicou ontem em sua conta no Instagram uma foto de um jogador francês e outro marroquino se abraçando felicitando a seleção árabe. "Aos nossos amigos marroquinos: parabéns por esse belo percurso. Vocês marcam a história do futebol", escreveu Macron.

Badr Ahidar, 24, engenheiro na área de finanças, durante jogo França e Marrocos - Daniela Fernandes/UOL - Daniela Fernandes/UOL
O engenheiro Badr Ahidar, durante o jogo França e Marrocos na Copa
Imagem: Daniela Fernandes/UOL

Vitória simbólica

"Nosso resultado já é um feito. Não há um aspecto de revanche contra a França. O desempenho da equipe marroquina mostra a força do mundo árabe", afirma a estudante de administração Akla Maria, 22, que passou a se interessar mais pela seleção marroquina nesta Copa.

A estudante Nada Berrada, 29, que faz doutorado em ciências políticas nos Estados Unidos e está de passagem por Paris, contou ter acordado apreensiva na quarta-feira por causa do jogo.

"As expectativas já foram atingidas. É uma façanha com vários aspectos simbólicos: o Marrocos é um país árabe, africano, muçulmano, berbere (de povos que vivem no norte da África) e de imigrantes. Em vários países, há uma solidariedade em relação ao Marrocos por conta desse jogo", diz. "É uma maneira de projetar o que o Marrocos representa no mundo", acrescenta ela, que nasceu na capital, Rabat.

Zakaria Hajouri, 25, mestrando em finanças, acreditava que o jogo se estenderia até uma decisão por pênaltis. No fim, ficou orgulhoso com a performance da seleção de seu país. Ex-jogador de um clube marroquino, na categoria júnior, ele afirma que o desempenho da equipe deve, na sua avaliação, acelerar o turismo no Marrocos. "Muita gente nem sabia onde fica o Marrocos", diz.

"Tinha esperanças, mas estou contente com a qualidade do jogo. O Marrocos foi o primeiro país árabe e africano a ir para uma semifinal de Copa. É um país colonizado, de imigração, há um lado simbólico nisso", disse Raja Chakir, pesquisadora em economia do meio ambiente. Outros ficaram realmente decepcionados com o resultado. "Estou triste. Poderíamos ter ganhado", disse o engenheiro Mohamed Mouline, 23.

Em Paris, cerca de 25 mil pessoas foram comemorar na avenida Champs-Elysées, sob um forte esquema de segurança, que contou com mais de 2.000 policiais. Houve alguns pequenos incidentes — um grupo de ultradireita que carregava armas foi detido antes de chegar à avenida. Mas, no fim, muitos torcedores marroquinos se juntaram aos franceses.

Nada Berrada, 29, faz um doutorado em ciências políticas nos EUA e está de passagem por Paris, durante jogo entre França e Marrocos - Daniela Fernandes/UOL - Daniela Fernandes/UOL
'Uma façanha com aspectos simbólicos: o Marrocos é um país árabe, africano, muçulmano, berbere', diz Berrada
Imagem: Daniela Fernandes/UOL

Errata: este conteúdo foi atualizado
A primeira versão deste texto trazia, no título, a informação de que o Marrocos fora eliminado da Copa. Na realidade ele perdeu a semifinal para a França e ainda joga partida contra a Croácia, na disputa pelo 3º lugar. O título foi alterado.