Imigrantes marroquinos fazem festa em cidade catalã após vitória na Copa
A Copa do Mundo, este cometa que inflama a Terra de quatro em quatro anos, não tinha mexido ainda com Tarragona, uma das principais cidades da Catalunha. Uma disputa de pênaltis nas oitavas de final do torneio — e uma zebra vibrante — mudou o curso da história.
A classificação de Marrocos sobre a Espanha, após a disputa por pênaltis (3 x 0), foi capaz de quebrar o tom diplomático (e até mesmo ressabiado) de torcedores norte-africanos que vivem na cidade.
Em Tarragona, empolgação com a Copa praticamente não existe — a Catalunha e seu espírito separatista não ligam para a seleção espanhola, nem mesmo quando o time reunia craques do Barcelona nascidos na região como Puyol, Piqué, Xavi e Iniesta.
Duas horas antes do jogo, famílias faziam piqueniques e passeavam pelos parques. Atletas amadores saíam para aproveitar o feriado nacional e pedalar ou correr pela orla banhada pelo Mediterrâneo. Ninguém vestia a camisa da seleção da Espanha.
Isso pelo menos numa parte da cidade.
Nos bairros periféricos de Campclar, Torreforta e Bonavista, considerados perigosos e "de ciganos" (inclusive por estrangeiros), a bandeira do Marrocos e a camiseta do seleção marroquina estavam por toda parte. Essa região, onde as placas dos estabelecimentos são escritas em espanhol e em árabe (e não em catalão), explodiu hoje em festa depois do pênalti decisivo convertido por Hakimi. Teve buzinaço, fogos de artifício, avenida interditada e muita alegria.
Estima-se que pelo menos 8 mil marroquinos vivam em Tarragona (6% da população total da cidade, que tem 130 mil habitantes, segundo dados do governo da Comunidade Catalã). TAB acompanhou o jogo desta terça-feira (6) em um restaurante abarrotado de marroquinos, localizado a um quarteirão de uma mesquita. O local era um dos principais redutos da torcida. Mais de 70 pessoas se espremeram nas cadeiras de plástico para assistir à transmissão em uma televisão que pegava o sinal de uma emissora árabe.
Homens de todas as idades esperavam o início da partida. Vários se limitaram a pedir um copo de chá de menta, uma das bebidas mais consumidas no Marrocos. E só. Nada de bebida alcoólica — proibida na religião muçulmana. Apenas duas mulheres estavam no local: uma muçulmana de véu que trabalhava em uma "zona restrita" do restaurante e uma brasileira, que faz mestrado em antropologia.
A expectativa de vitória era próxima de zero. "Passe quem passar, estaremos felizes", resumiu Ahmed, que chegou à Espanha no início da vida adulta, em 1998. "Vai se classificar quem for melhor, é isso. Se Marrocos ganhar o pessoal comemora, mas se perder, vai para casa. Simples", acrescentou Mohammed, dono do restaurante.
Apenas um garoto de 7 anos, também chamado Ahmed e nascido na Espanha, parecia confiante e apostou em uma vitória por 3 a 2 da seleção marroquina. Não foi bem assim, mas foi histórico.
É só futebol...
Os marroquinos aplaudiam bastante cada jogada, mas não havia músicas nem gritos cantados em uníssono. No máximo, no intervalo da prorrogação, um grupo mais jovem puxou um cântico do Magreb, região do noroeste africano que também abriga Tunísia e Argélia.
Não parecia haver muita empolgação no ar. O fato de Marrocos segurar a Espanha ao longo do primeiro tempo não contagiou. Tampouco o empate prolongado. Mas o adulto Ahmed valorizava outra coisa.
"Não estamos jogando bem, mas é bom ver que não tem ninguém brigando. É só uma partida, é só um esporte... não precisa ter confusão. Nem Marrocos e Espanha, que são mais do que primos... são quase irmãos gêmeos. Os jogadores se respeitam muito, e isso é bom. Já pensou se eles brigam?", questionou.
... mas é Copa do Mundo
Só que o maior torneio de futebol do planeta tem lá seus caprichos. E uma disputa por pênaltis entre o favorito e o azarão que nunca havia ido além das oitavas de final é capaz de inflamar até os mais sensatos dos torcedores.
O restaurante vibrava a cada pênalti convertido por Marrocos. A torcida diplomática passou a vaiar quando jogadores espanhóis apareciam na tela, preparando-se para uma cobrança. "Vamos ganhar! E vamos para final", disse Ahmed, o adulto, antes do pênalti final.
Foram segundos de vibração e muita euforia até Mohammed avisar que baixaria as portas do restaurante e que era para todos saírem. Os torcedores marroquinos sorriam, se abraçavam. Aos poucos, outros grupos de fãs se juntavam na rotatória que dá início à Rambla do Ponent e engrossavam a festa.
Carros passavam buzinando, homens e agora também mulheres de todas as idades se encontravam, tiravam fotos, exibiam as bandeiras do Marrocos e também as coloridas do povo berbere ("os catalães do Marrocos", brincou alguém).
Andando pela multidão, a reportagem encontrou novamente Ahmed. Ele, que esperava o irmão para irem embora juntos, sorriu, deixou os olhos brilharem e estendeu a mão para cumprimentar. "Ganhamos da Espanha, tio...", suspirou.
Marrocos, um protetorado da Espanha por mais de quatro décadas (de 1912 a 1956), é o local de nascimento da maior parte dos imigrantes no país ibérico. Único país africano entre os 8 finalistas da Copa do Mundo de 2022, ele volta a campo no próximo sábado (10), às 12h. O próximo rival será Portugal, que eliminou a Suíça com uma goleada de 6 a 1.
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