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A jornada da família de Lula que saiu de Garanhuns (PE) para ver a posse

Familiares e conterrâneos de Lula fazem terceira caravana à Brasília para posse - Adriano Alves/UOL
Familiares e conterrâneos de Lula fazem terceira caravana à Brasília para posse
Imagem: Adriano Alves/UOL

Adriano Alves

Colaboração para o TAB, de Brasília

02/01/2023 04h00

Dois ônibus com placas pernambucanas estacionaram em Brasília no último dia de 2022. A "Caravana de familiares e conterrâneos de Lula" é realizada pela terceira vez, fazendo o trajeto que sai de Pernambuco e acompanha a posse do ilustre cidadão de Garanhuns na capital brasileira. Eles trazem malas cheias de esperança e orgulho. "Os sentimentos da primeira e segunda foram diferentes. Essa é de resgate da democracia, da paz, do amor, da reconstrução de um país", afirma a cirurgiã-dentista Maria Emília Pessoa da Silva, 67, que acompanhou todas as edições.

Ao lado do Museu Nacional, Fernandina Alves, 44, erguera uma bandeira vermelha com branco e símbolos de aves. "Tira aqui pra mim uma foto com a bandeira de minha terra Garanhuns?", pedia a professora. Era sua primeira vez na capital federal e ficou encantada com o clima da posse. "Você olha nos olhos das pessoas e vê a esperança ressurgindo. E eu tô muito esperançosa em todos os sentidos. A gente vai enfrentar muita coisa que tá por vir, mas eu vou olhar pro meu aluno que estuda lá no campo e vou ver perspectiva de futuro", disse.

Entre experientes e novos integrantes, somaram-se 89 ao grupo. Antônio Malos Ferreira Duarte, 70, comandou a turma e disse que a ideia surgira na primeira vitória de Lula à presidência, em 2001, para trazer os parentes de sua cidade natal, de lá para cá a turma foi aumentando. "É muito gratificante, vieram vários companheiros de diversos estados. É com esse sentimento que a gente vem mais uma vez participar da posse de Lula e, quem sabe, daqui a quatro anos estarmos novamente aqui", brinca o zootecnista, aos risos.

"Minha mãe foi na primeira posse com eles. Quando saiu o resultado, eu já liguei perguntando como faria para ir", lembra Denise Andréa da Silva Antunes, 43, que saiu de Arcoverde (PE). De mãos dadas com sua companheira, a enfermeira passeia pela capital federal e conta que "quando Lula foi solto [da prisão], disse que ele ia ser presidente de novo e ia vir pra mesma caravana que minha mãe veio, com o mesmo pessoal".

Entre uma foto turística e outra, pausa para "fazer o L" para os companheiros de outros estados que cruzam o caminho. Cantando forró pelas ruas de Brasília, a tropa pernambucana fez a festa como se fosse um bloquinho de Carnaval vindo das ladeiras de Olinda. Um mais animado improvisou um causo dizendo "meu povo brasileiro, quem não gostou que engula, mas nosso presidente é o presidente Lula" e os aplausos tomaram conta da roda formada nos arredores da Catedral Metropolitana.

Antes de viajar, caravana de Garanhuns (PE) fez parada na casa da mãe de Lula - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Antes de viajar, caravana de Garanhuns (PE) fez parada na casa da mãe de Lula
Imagem: Adriano Alves/UOL

Raízes do presidente

Antes de sair para Brasília, ainda em Garanhuns, o grupo desceu a serra para conhecer uma réplica da casa de Dona Lindu, onde Lula passou seus primeiros anos de vida. Após 12 km de pista e mais um bom trecho em estrada de terra, o grupo chegou à casa de taipa simples, construída pelo PT como um memorial da infância do político, na zona rural do município Caetés (PE), que era distrito de Garanhuns quando abrigava a família do futuro presidente.

O cenário marrom da construção e o verde da vegetação da época de chuva no agreste contrastava com o vermelho forte das roupas petistas. O psicólogo e ator Ezaltino Caetano, 62, saiu de Olinda na noite anterior para acompanhar a caravana e diz que foi "uma emoção muito grande ver a cama onde ele possivelmente dormiu, fogão onde a mãe dele deve ter feito muito cuscuz, muito angu para aquele homem que viria ser presidente do Brasil".

Em lágrimas na porta da cozinha, Andréa Lima Toroxel, 53, é "dona de casa com orgulho, como Dona Lindu" e se emocionou imaginando a dura realidade que foi a vida da família. "Eu só faço chorar. Fico imaginando o que essa criança passou. É por isso que ele chora quando vê uma criança passando fome na rua, porque ele sabe como é essa dor", comenta, comparando entusiasmada o petista a nomes como "Gandhi e Mandela".

'Dona de casa como Dona Lindu', orgulha-se Andréa Lima Toroxel, que se emocionou na visita à casa de Lula - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
'Dona de casa como Dona Lindu', orgulha-se Andréa Lima Toroxel, que se emocionou na visita à casa de Lula
Imagem: Adriano Alves/UOL

"Somos a única excursão que visitou a casa onde ele nasceu", orgulha-se a pedagoga Ana Onofra da Silva, 57, que estava conhecendo o local. Ao seu lado, o esposo Marcos Cardoso, 60, conta que essa será "uma posse mais que especial, porque foi uma campanha muito difícil, por tudo que Lula passou antes da campanha, durante e agora temos um momento de renascimento do país". Antes de voltar pros ônibus, uma parada em um barzinho. "Comprei uma cachaça na birosca da casa de Lula", gritou um deles.

Primos de Lula

Na frente da casa, a concorrência era para conseguir uma foto com os primos de Lula. Zé Maria, 67, fez questão de acompanhar a caravana. "Me sinto muito bem porque quem vem é todo mundo que gosta dele. Tenho muitas lembranças aqui da cidade", disse o aposentado.

O taxista José Izorildo Ferreira, 58, é primo de segundo grau e acompanha os parentes na jornada até Brasília pela segunda vez. "Ele é o que mais parece com Lula, até não tem um dedo", brinca um amigo. Izorildo representa o pai, já falecido, na viagem. "Essa campanha estava dividida, mas ele passou por cima e voltou. E esperamos que faça um governo para todo mundo, quem tava junto e quem não tava", afirmou.

"Quando ele vem no sítio, a gente ainda se encontra. É muito bonito ele sair de um canto desse e chegar onde chegou. Espero que ele traga mais coisas boas pra gente no novo mandato", diz a aposentada Maria Cleonice Ferreira, 78, única prima na viagem. Outros dois primos homens se juntariam a eles já em Brasília, pois foram de caminhonete.

Quilômetros de histórias

Após mais de 44 horas de estrada, rodando 1.904 km e cruzando três estados, a caravana chegou ao alojamento reservado na cidade de Luziânia (GO), onde devem ficar hospedados, a 62 km de Brasília. Dentro do ônibus, muito vinho e folia deram o tom da turma e disfarçaram os atrasos na rota. "Só não dá pra cantar mesmo é vendo o sol nascer quadrado", brinca um, fazendo referência à prisão de Lula anos atrás.

Entre uma parada e outra na estrada, histórias vão se revelando. A aposentada Maria Marisa Cavalcante, 60, contava nos corredores aos jovens sua experiência. Ela veio escondida das filhas e do esposo, que é bolsonarista. Saiu de Maceió (AL) dizendo que iria passear em Garanhuns e deixou a grande surpresa apenas pro dia da posse. "Gosto de posse de presidente, mas não imaginava que ia assistir uma presencial, ainda mais em um momento tão difícil, em que o Brasil passa por uma necessidade tão grande", diz a pernambucana radicada no Alagoas, que teve a brincadeira facilitada pela sua ausência nas redes sociais.

Banda 'Sapato Perdido' foi a grande atração do ônibus que levou parentes de Lula a Brasília - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Banda 'Sapato Perdido' foi a grande atração do ônibus que levou parentes de Lula a Brasília
Imagem: Adriano Alves/UOL

Um dos ônibus quebrou na estrada e teve que parar em um posto de gasolina, reduto de caminhoneiros. Chegando ao restaurante com gritos pró-Lula, os olhares tortos de alguns eram visíveis. "Cuidado, não vai no banheiro sozinha porque eu escutei eles ali reclamando", alerta uma companheira. As conversas dos outros tentam intimidar com "se tivesse armado aqui, ia ser problema". Enquanto isso, outra desafia o perigo e tira foto na frente de um caminhão imitando o meme do bolsonarista. "Saia daí", ordena o caminhoneiro.

Sanfona, triângulo e pandeiro formam a banda improvisada que recebeu o nome de "Sapato Perdido", em homenagem a um dos passageiros que esqueceu um pé de calçado secando à frente do restaurante do almoço e fez a viagem atrasar ainda mais. O repertório de canções ia dos tradicionais frevos de Pernambuco aos jingles de campanha de Lula, passando por paródias para falar do presidente, como a canção conhecida na voz de Martinho da Vila "que a vida vai melhorar" que virou "Lula vai melhorar, o Brasil ele vai melhorar", e hits atuais do piseiro cantando "eu e você já tava escrito nas estrelas", que remete ao símbolo petista.

Foi aos grito de "o amor venceu" que a caravana chegou à área da cerimônia de posse na manhã do dia 1º. Para a psicóloga Magda da Silva Figueiroa, 54, que é simpatizante do PT desde a adolescência e filiada há dois anos, "a subida de Lula na rampa representa a superação da negatividade de tudo que foi ruim em um governo de morte, após o genocídio que foi a pandemia".

Depois de mais de 10 horas sem beber água e sem acesso à alimentação, debaixo do sol forte, a professora Fernandina e algumas companheiras conseguiram um bom local no cercado em frente à Esplanada para ver a passagem de faixa e ouvir o discurso do presidente empossado. "A fala dele representou muito bem o sentimento da nação e ele vai precisar do apoio popular, e também do Congresso, pra que tudo se concretize para a população, principalmente a mais carente, que a gente vê que tá sofrendo muito", conta ela, emocionada e esgotada fisicamente.