Sobrevivente da covid-19, homem vai de Salvador a Brasília para ver posse
Às 8h46 do último dia 30 de dezembro, Paulo França, 63, diretor do Sindicato dos Ferroviários da Bahia, subiu ao segundo andar do ônibus branco da Marchi Turismo para puxar uma oração pela segurança dos seus passageiros e pelos demais ônibus que, como aquele, estavam se dirigindo ao Distrito Federal para acompanhar a posse de Lula em seu terceiro mandato como presidente.
Antes de rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria, com baixa adesão dos passageiros, França lembrou recentes crimes políticos, como a tentativa de explosão de um caminhão cheio de combustível perto do Aeroporto de Brasília. "Nós vamos garantir a posse do nosso presidente. Se nós do PT fizéssemos o que eles estão fazendo, seríamos chamados de terroristas", afirmou o sindicalista, que esteve na primeira posse de Lula e dessa vez fez questão de viajar junto à filha publicitária, Priscila França, 33, e ao genro, que curiosamente se chama Hugo Chaves, 36.
A incerteza sobre a reação da extrema direita neste 1° de janeiro é nacional. Mas, para quem mora na Bahia, as fortes chuvas que afetaram o estado na semana da viagem, destruindo algumas estradas, eram um motivo a mais de apreensão, além do receio de bloqueios da Polícia Rodoviária Federal e de agressões de bolsonaristas nas rodovias e em Brasília.
Houve quem desistisse de viajar, mas quando os três ônibus da Caravana Dois de Julho deixaram a entrada do Salvador Shopping, na capital baiana, com quase duas horas de atraso, rumo a uma jornada de quase 26 horas, apenas um dos 144 inscritos não embarcou — a mulher fora acometida pela covid-19.
Sobrevivente dessa mesma doença no início da pandemia, quando o número diário de óbitos superava a marca de 3.000, o pedagogo Paulo Roberto Bacelar, 51, fez questão de testemunhar a mudança de governo. Nem tanto pela eleição de Lula. "É mais um desabafo contra Bolsonaro. Precisava estar aqui", declarou Bacelar.
Está entalado em sua garganta o grito pela maneira como o governo federal tratou a pandemia. Ele lembra que precisou procurar três hospitais em um período de uma hora e meia, com febre e dores no corpo, para só ser atendido no Hospital do Aeroporto, cidade vizinha a Lauro de Freitas, e ainda assim ouviu da médica que ele não poderia permanecer internado se apresentasse complicações respiratórias. "Não havia vacinas e estava morrendo muita gente. Me preparei para morrer", relata o pedagogo, que viajou na companhia de outro sobrevivente da covid-19, o servidor público Sérgio Tanure. "Desde que tive a doença parei de beber, mas hoje [31] vou tomar uma em homenagem a Lula", afirma Tanure.
Ex-anti-PT
A Caravana Dois de Julho começou a ser organizada por militantes petistas tão logo Lula foi declarado presidente eleito pelo TSE na noite de 30 de outubro. Inicialmente, seria uma viagem de carro feita pelo casal Rodrigo Pereira e Maria Maranhão, que assistiu a apuração em um bar do bairro soteropolitano do Dois de Julho. Com alguns amigos interessados em assistir à posse, um ônibus foi alugado. Mas mensagens chamando para a viagem continuaram a circular em listas de WhatsApp de Salvador e do interior, entre petistas e não petistas.
Foi assim que o convite chegou à universitária Laís dos Santos Oliveira Conceição, 27, uma ex-antipetista, que mudou sua visão sobre Lula depois que ingressou no curso de história da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), na Bahia.
Evangélica desde a adolescência, Laís tinha sua percepção política influenciada predominantemente pela pauta de costumes, como aborto, casamento gay e identidade de gênero, temas associados à esquerda. Nem o fato de seus pais e irmão serem petistas foi capaz de fazer sombra ao peso das questões morais, embora ela reconheça que houve progressos no ambiente doméstico durante os governos do PT. "Eu e meu irmão pudemos estudar graças ao Bolsa Família. Meu pai, que antes viajava para trabalhar na construção em cidades vizinhas, arranjou um emprego de vigilante em Feira de Santana", explica.
Se a universidade aproximou Laís do PT, a eleição de Jair Bolsonaro em 2019 começou a afastá-la da Igreja. "Os pastores começaram a defender coisas que não tinham a ver com Cristo", afirma. Hoje, é Laís quem fala de política com o pai. "Ele não tem essa visão de esquerda e direita, só diz que Lula cuidava dos pobres."
Com a viagem improvisada, alguns baianos da Caravana Dois de Julho acabaram enfrentando problemas. Um dos três ônibus contratados apresentou vazamento nos condicionadores de ar e, com as calhas tortas, houve gotejamento de água sobre alguns passageiros. E a bateria desse mesmo veículo falhou algumas vezes, deixando o ônibus para trás em relação aos outros. "Não precisou nem de bloqueios. Se quebrar em Goiás, a gente está lascado", brincou um passageiro, referindo-se ao desempenho eleitoral do PT nesse estado.
Mas, mesmo na parada para o café da manhã em Simolândia (GO), no sábado (31), teve gente da caravana fazendo barulho. Antes de posar para uma fotografia em grupo, Reginaldo Marinheiro pegou um megafone e gritou a plenos pulmões: "Fora, Bolsonaro genocida", chamando a atenção de jovens numa oficina mecânica ao lado.
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