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Brasileira de 13 anos lidera trio (clandestino) de músicos de rua no Japão

Lisbela e banda, em Nagoia (Japão) - Gilberto Yoshinaga/UOL
Lisbela e banda, em Nagoia (Japão)
Imagem: Gilberto Yoshinaga/UOL

Gilberto Yoshinaga

Colaboração para o TAB, de Nagoia (Japão)

10/02/2023 04h01

Duas minivans param e ligam o pisca-alerta em Sakae, o mais badalado bairro do centro de Nagoia, uma das maiores cidades do Japão. Delas saem dois marmanjos e uma garota, que rapidamente descarregam instrumentos musicais e se instalam na praça Hisaya Odori. Minutos depois, a música "Billie Jean", de Michael Jackson, começa a ecoar nos arredores na tarde de um sábado de fevereiro.

A garota que lidera a banda é a brasileira Lisbela Fogaça, 13. Os coadjuvantes são o pai e guitarrista Makeite Fogaça, 44, e o baterista Daniel Vieira, 42. O trio faz show ali ao ar livre todo fim de semana. O repertório é trilíngue: a adolescente canta em português, japonês e inglês. "Meu pai seleciona a maioria das canções, mas também faço sugestões, sucessos da atualidade que ele não conhecia", conta a vocalista, que faz covers de Bee Gees a Pink Floyd, passando por Raul Seixas, Bruno Mars e Anitta.

Ao redor da praça estão as principais casas noturnas e centros de compras da cidade. A presença de artistas de rua é tradição na área, onde também são realizados os principais festivais de Nagoia. Entretanto, o grupo intitulado Lisbela e Banda seria, segundo os músicos de rua japoneses ouvidos pelo TAB, os primeiros estrangeiros a se arriscar por ali.

As performances não são proibidas, mas é necessário pedir autorização à Prefeitura de Nagoia. Entretanto, a autorização vale para um só dia — não há uma liberação válida para todos os finais de semana, diz Makeite. "E o dia a dia corrido dificulta cuidar dessa burocracia semanalmente", acrescenta ele, que trabalha em uma fábrica de estruturas para construção e às vezes faz até 3 horas extras por dia.

A alternativa, conta, foi fazer como a maioria dos músicos de rua japoneses: recorrer a shows sem autorização. Só uma vez foram interpelados pela polícia, que lhes pediu para desligarem o som e irem embora. "Quem mais nos aborda são os guardinhas que fazem a patrulha patrimonial da praça. Mas eles não têm poder de polícia e, quando vêm nos fotografar, até fazemos pose, porque sabemos que não vai dar em nada."

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Imagem: Gilberto Yoshinaga/UOL

'Bora'

Músicos desde a adolescência, Makeite e Daniel se conheceram em 2006, quando moravam na cidade japonesa de Iida. Makeite tinha trabalhado como músico da noite em Sorocaba (SP); e Daniel, antes de se mudar para o Japão, deu aulas de bateria em São Vicente (SP) e por quatro anos tocou na banda do Exército.

Desde que se conheceram, queriam realizar um projeto musical juntos. Mas, com idas e vindas de Makeite entre Brasil e Japão e o nascimento da filha, o plano ficou engavetado por vários anos. Daniel, então, convidou o amigo para montar uma banda em 2020. "Mas ele me jogou um balde de água fria", lembra. Na época, Makeite estava desanimado: recusou e disse que "a única chance de voltar a tocar seria se Lisbela quisesse trabalhar com música".

A menina gostava de cantar desde criança e Makeite percebia que ela levava jeito, mas nunca quis forçá-la. Depois de encarar um divórcio conturbado e ficar com a guarda da filha, em 2021, ele passou a usar a música para ficar mais próximo dela e entretê-la. Até que, no início de 2022, ela decidiu que queria ser cantora.

Eles até pensaram em entrar no YouTube, mas preferiram ir para a rua. "Bora!", disse Lisbela, após ouvir a ideia do pai. "E assim, com a cara e a coragem, improvisamos uma primeira performance na praça, como experiência." Pai coruja, Maikete diz que a filha encarou o público com tranquilidade. Depois do primeiro show, eles convidaram o amigo Daniel para integrar a banda. Assim, desde março do ano passado, eles ocupam a praça com música ao vivo.

Financeiramente, entretanto, o trio ainda engatinha. Eles conseguiram apoio de empresas brasileiras para custear transporte, estacionamento e alimentação. As doações de transeuntes costumam ser minguadas — no melhor dos dias, uma vez o "passar do chapéu" angariou 38 mil ienes (equivalentes a cerca de R$ 1.480). Na maioria das vezes, porém, o público assiste, registra no smartphone e logo debanda.

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Imagem: Gilberto Yoshinaga/UOL

Elvis

Na tarde de fevereiro, dois transeuntes acompanharam a performance do início ao fim e aplaudiram cada canção. O comerciante japonês Taka Uemura, 34, interrompeu sua caminhada e ocupou um banco da praça porque gostou da musicalidade.

"Ela tem uma voz muito bonita e nem parece ter só 13 anos. Tem futuro", elogiou. Ao final da sessão, ofertou aos músicos garrafas de chá quente, pois o termômetro registrava 10 graus no inverno japonês.

Já a filipina Lisa Kawamura, 55, que mora em Nagoia há 36 anos, dançou o tempo todo, deu uma contribuição em dinheiro, presenteou Lisbela com um boné e ainda lhe ensinou passos de dança para a canção "É preciso saber viver", de Roberto Carlos, mas na versão regravada pelos Titãs. "Fui vocalista de uma banda quando tinha 17 anos e ela me fez lembrar dessa época boa", relatou. "Dá para ver que Lisbela canta com amor e isso contagia. Hoje, voltarei para casa mais feliz."

No fim, um japonês de 80 anos que passava pela praça viu os instrumentos musicais e resolveu abordar o trio. Shibata, como se identificou, portava um ukulele e partituras musicais. Fez questão de tocar e cantar "Falling in love", de Elvis Presley, para os músicos mais jovens. Eles ficaram encantados e, de olho na partitura e na letra, tocaram junto. Música, disse o senhor, ajuda a "envelhecer bem e com lucidez."

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Imagem: Gilberto Yoshinaga/UOL