'Correr atrás de tudo de novo', diz moradora após chuvas no litoral norte
Desde as 6h da manhã do domingo de Carnaval, 19 de fevereiro, a casa da servidora Franciane da Silva Lopes, 37, virou do avesso: após o forte temporal que castigou o litoral norte de São Paulo, deixando mais de 50 mortos e milhares de desabrigados, ela transformou o endereço em uma "base" na Topolândia, o complexo formado pelos bairros do Topo, Olaria e Itatinga, em São Sebastião (SP).
Fran, como é conhecida na vizinhança, fez um café da manhã na frente de sua casa, em Itatinga. Os vizinhos foram chegando, os bairros se mobilizaram, os voluntários foram chegando, todos divulgaram uma vaquinha na internet e assim se formou a "base" da Topolândia.
"Aqui é um posto de arrecadação, distribuição [das doações] e apoio aos voluntários", definiu ela, que trabalha na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social na cidade. Felizmente, acrescentou, eles estão recebendo muitas doações. "Mas não dá tempo de ficar. É cadastra e vai, cadastra e vai", relatou ao TAB na quinta-feira (23).
Fran deixa os itens em uma mesa improvisada na sua garagem, coberta com uma lona preta. Depois, são organizados kits e cestas com itens não perecíveis. Moradores passam lá para retirá-los; outras vezes, voluntários vão entregá-los no alto do morro, que também foi duramente atingido pela tempestade.
"Nossa, e é arroz bom", alguém comentou, sobre a marca do grão recebido nas doações do dia. "Ontem subimos o morro e entregamos mais de 150 kits alimentação, kit besteira e cestas." O kit "besteira", segundo ela, é o preferido das crianças (inclui bolacha recheada, pipoca e salgadinhos).
A moradora conta que foi conselheira tutelar por sete anos e, desde 2018, também trabalha como coordenadora de um abrigo para crianças e adolescentes. "Três filhos, casada. Sou bem conhecida no bairro, verdade", comentou, simpática. É tão conhecida que o pessoal sabe mais de sua vida que ela própria, brincaram vizinhos, que a consideram uma líder comunitária. Ela riu.
O marido não estava lá no dia, saíra para buscar mais doações — entre elas, uma verba que eles pretendem destinar à compra de material de construção para casas afetadas pela chuva e pela lama. "Tem pessoas que não vão poder voltar para suas residências, mas tem pessoas que as casas foram danificadas e dá para consertar."
Também é na casa de Fran que integrantes da Defesa Civil e voluntários vão buscar as quentinhas nas pequenas pausas que fazem para almoçar, vestindo galochas e com enxadas a tiracolo. Da "base", eles voltam ao morro para tentar tirar a lama que invadiu as casas.
Enquanto eles sobem, muitos moradores descem. "Não vou limpar hoje pois vai chover de novo", lamentou a senhora Milu, 70, que não estava em casa no dia do temporal, voltou para buscar itens pessoais e foi embora — de fato, choveu mais tarde naquela quinta.
Anny Gonçalves, 43, e o filho também desceram devagarinho. Ela, carregando colcha; ele, uma TV. Ambos, com olhar de desamparo. Eles lembram que foram resgatados às 11h de domingo (19) por moradores que foram pulando muros. "Pela rua principal não tinha acesso, era só lama." No caminho, encontraram um cordão com integrantes da Defesa Civil e vizinhos de outros bairros. Saíram de lá juntos.
"A gente tá vivo pra correr atrás de tudo de novo, mas não penso em voltar. Já lá, eles perderam famílias inteiras", disse ela. "Lá" é a Barra do Sahy, onde a destruição foi maior e onde estão concentradas as ações de ajuda. Na Topolândia, apesar da mobilização comunitária, ainda é difícil ver uma reconstrução no horizonte - bastava caminhar dez minutos para ouvir relatos de tristeza e revolta de moradores.
Desabrigados de Itatinga como Anny procuraram pontos de ajuda na cidade, parte de um protocolo emergencial, para cadastro. "Fui lá, pegaram meus dados, mas não deram informações, não temos resposta."
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