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'Cheguei no limite': voluntário no litoral norte decide voltar para casa

R.F.R., 39, um dos voluntários após as chuvas intensas que atingiram o litoral norte de São Paulo - Keiny Andrade/UOL
R.F.R., 39, um dos voluntários após as chuvas intensas que atingiram o litoral norte de São Paulo
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Sebastião (SP)

24/02/2023 15h51

Nas ruas tomadas pela lama após o temporal que devastou o litoral norte de São Paulo, o vaivém de voluntários e moradores marcou a Quarta-feira de Cinzas (22) nos arredores de Itatinga, no complexo da Topolândia, em São Sebastião (SP).

De um lado, uns tentavam convencer um senhor a sair de sua casa, prestes a ceder com os estragos provocados pela chuva — com muito custo, ele saiu. De outro, jovens moradores distribuíam quentinhas para voluntários que, vestindo galochas e segurando enxadas cobertas de lama, faziam pausas de cinco minutos para almoçar arroz e feijão.

"E o rico tomando cerveja no centro de São Sebastião", criticou um deles, um paulista de Assis de 39 anos que havia viajado a São Sebastião para curtir o Carnaval e, após a tempestade, decidiu se juntar aos voluntários.

"Você quer história?", perguntou, preferindo não se identificar: segundo ele, a história por trás desse tipo de tragédia é feita por uma multidão invisível de voluntários anônimos. Sentado na praia após mais um dia de voluntariado, fumava um cigarro olhando para o mar: "Cheguei no limite". A seguir, ele relata o que viu.

São Sebastião é o litoral mais lindo do Brasil. Vim curtir o Carnaval. Cheguei na quinta-feira [16], queria ver a família, dançar, beijar. Estava num show no sábado quando a chuva começou — se lembro bem, eram 2h20 da manhã quando parou. Logo pensei que as inundações iam deixar vítimas. Sou mateiro, então já fiz uns treinamentos na mata, na selva — e pensei que eu podia ajudar. Com tudo o que estava acontecendo, como que eu não vou fazer porra nenhuma, cara? Eu sou brasileiro. Voluntário é a massa de uma guerra.

Nós, voluntários, é que estamos organizados. Todo mundo andando pra lá e pra cá nessa lama. Às vezes, a gente vai tomando decisões sem pedir permissão porque não se pede permissão para o óbvio. Vi, por exemplo, que o esgoto estava saindo, todo mundo viu que o esgoto estava saindo. Fui lá e já pedi um caminhão porque precisava drenar. Uma coisa simples que poderia ficar maior ainda. Então, está sendo uma pequena decisão atrás da outra.

Fui tentar ajudar gente ferida. Vi gente soterrada, vi corpos. E quem tá vivo tá sofrendo pra porra também. Quem tá vivo também quer velar seu familiar. Daí eu escutava 'cadê minha mãe?', 'cadê meu amigo?', e depois alguém ligava dizendo 'quero saber se tá pousando helicóptero aí pra buscar minha filha'. Por que esse pessoal não ligou para dizer que ia mandar um helicóptero pra salvar mais gente? Umas babaquices que ninguém se liga. E o fim de tudo é isso aí: terra na cara.

Hoje [22], a imprensa está aqui, as autoridades estão aqui. Devo ir embora no dia 25. Daqui a uns dias, vai ter ninguém mais aqui, não. Vai ser o morador e o chinelo dele se arrastando pra tirar documento, sem dinheiro pra pagar um ônibus. A ajuda vai parar de chegar. A temporada de praia já tá acabando. Imagina que recomeço que vai ser aqui. Não sei quanto tempo, psicologicamente, vai demorar. Quantos copos de cachaça eu vou ter que tomar. Cheguei no limite.