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Carnaval da Nova Intendente, no subúrbio do Rio, tem tiro, festa e área VIP

Carnaval da Nova Intendente, na zona norte do Rio, reuniu escolas da terceira e quarta divisão no sábado (24) - Fabiana Batista/UOL
Carnaval da Nova Intendente, na zona norte do Rio, reuniu escolas da terceira e quarta divisão no sábado (24)
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Do TAB, no Rio

25/02/2023 13h35

Quando Érico Pereira, 28, chegou para desfilar no Carnaval neste sábado (24), recebeu uma orientação inusitada: teve de trocar a fantasia que recebera da Unidos de Lucas pela clássica roupa de baiana. A escola da série prata do Carnaval carioca — que corresponde à terceira divisão do campeonato — viu algumas de suas baianas originais fugirem apavoradas momentos antes do desfile, quando ouviram um tiroteio próximo ao local.

"Aí o pessoal da escola saiu catando gente para botar no meio das baianas, senão ia ficar um buraco na avenida, né? Topei na hora. Tudo por Lucas!", diz Érico, auxiliar de serviços gerais que aprendeu na hora a imitar o bailado das baianas, girando de um lado para o outro suas saias rodadas. "É ótimo balançar pra lá e pra cá, mas a fantasia pesa. Coitadas das senhorinhas que desfilam assim."

No grupo especial, a elite do Carnaval carioca que desfila na Marquês de Sapucaí, o regulamento proíbe a presença de homens na ala das baianas. Mas no Carnaval da Intendente Magalhães, na zona norte do Rio, tudo é liberado: qualquer gênero é bem-vindo na ala das baianas.

Por 16 anos a estrada Intendente Magalhães, na divisa entre os bairros Campinho e Oswaldo Cruz, foi palco dos desfiles de escolas da terceira e quarta divisão do Carnaval. Com maior número de agremiações (ao todo, 54), desfiles menos luxuosos e entrada gratuita, o Carnaval da Intendente ficou conhecido por seu caráter popular, reunindo moradores de vários bairros do subúrbio. Como nunca teve a estrutura (e a fama) da Sapucaí, o desfile permite manifestações mais espontâneas das escolas.

Quando algum integrante falta, por exemplo, é comum que os diretores saiam pelas ruas à procura de alguém no público interessado em participar. Certa vez, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Acadêmicos da Abolição faltou, e a escola convocou uma baiana e um dos diretores para carregar o estandarte. Segundo os moradores, esse caos saudável é a marca da Intendente.

A falta de glamour nunca foi um problema: sem a perfeição exigida na Sapucaí, os integrantes podem desfilar com mais liberdade. Para Érico, que fez uma ponta como baiana, é mais divertido na Intendente. "Aqui o povo tá mais perto de você, tem o calor humano. Aí você se solta, é uma gostosura."

Carnaval no sambódromo da zona norte do Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Érico Pereira, que fez uma ponta na ala das baianas na escola Unidos de Lucas
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Mais glamour, por favor

Neste ano, a prefeitura decidiu mudar o local dos desfiles, prometendo mais "dignidade" para as escolas das divisões inferiores, com melhorias no som e na qualidade da luz. Para a festa da Nova Intendente, a prefeitura deslocou a "avenida" da rua Intendente Magalhães para a rua Ernani Cardoso, no bairro do Campinho.

Carnaval no sambódromo da zona norte do Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

A estrutura foi ampliada para acomodar 5.000 pessoas nas arquibancadas — mais que o dobro da capacidade anterior. A pista maior, com 8 metros de largura, também permite mais integrantes por ala e carros alegóricos maiores. Em compensação, faltou espaço para o público, que precisou se amontoar numa calçada estreita e disputar espaço com os integrantes que se arrumavam para o desfile.

Também foram inaugurados camarotes, uma tentativa de glamourizar o Carnaval da Intendente. Mas a ideia da área VIP não colou. Muita gente nem sequer sabia ao certo onde estavam os camarotes (eram ao menos três, em áreas cercadas por tapumes pretos, mas a maioria estava vazia).

Lá, o verdadeiros camarotes continuam sendo as casas ao redor da passarela. Do alto dos muros, moradores assistiam animados à folia. Os bares ao redor da rua Ernani Cardoso também tinham vista privilegiada. Outros foliões levavam cadeiras de praia para assistir ao desfile com mais conforto.

Márcio Carvalho e Vanessa Aleixo desfilam pela primeira vez na escola de samba de Parada de Lucas - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Márcio Carvalho e Vanessa Aleixo desfilando pela primeira vez na Unidos de Lucas
Imagem: Fabiana Batista/UOL

'Sapucaí está elitizada'

Márcia Almeida, 61, moradora de Cordovil, teve de se espremer no canto da arquibancada para ver passar a Unidos de Lucas, escola do seu coração. Ela cantava o samba e gritava o nome dos integrantes conhecidos, que passavam a menos de um metro do público. "Mãe, olha nosso amigo da macumba", dizia a filha dela, acenando.

Carnaval no sambódromo da zona norte do Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Quando a escola estourou uma chuva de papel picado prata junto com tecidos que simulavam serpentina, Márcia foi à loucura. "Agora vou embora, só vim para ver a Unidos de Lucas. A escola já foi do grupo especial, tem muita tradição. A intenção é voltar para a Sapucaí."

Mas nem todos querem ir para "a" avenida. O engenheiro civil Márcio Carvalho, 43, e a esposa Vanessa Aleixo, 38, gostam de aproveitar o Carnaval na Intendente porque nunca conseguiram ingresso para a Sapucaí. "Lá a gente só vai no ensaio técnico. Aqui é de graça. A Sapucaí está muito elitizada", opina Márcio.

Vanessa concorda, mas pondera que a mudança de localização do desfile trouxe problemas de segurança. Ela estava chegando para desfilar na Unidos de Lucas quando começou o tiroteio no morro do Fubá, cujo acesso foi usado como recuo da bateria das escolas. A área é palco de confrontos entre traficantes e milicianos.

Antes de o desfile começar, passou pela passarela um caveirão (como é conhecido o carro blindado usado pela Polícia Militar). Na correria, Valéria se abrigou com o filho em um bar próximo. "Sempre ia na antiga Intendente para ver o desfile e nunca passei por uma situação dessas", diz Vanessa.

Natália Monteiro aproveita para se divertir no descontraído Sambódromo da Nova Intendente Magalhães - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Natália Monteiro aproveita para se divertir no descontraído sambódromo da Nova Intendente
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Outros carnavais

Nos primeiros momentos do desfile, só se falava do tiroteio. A administradora Rose Bittencourt, 44, que estava sentada numa cadeira de plástico na porta da casa de amigos para acompanhar as escolas, também reclamou da segurança e disse que já está saudosa dos carnavais passados.

"Eu gostava mais quando era na rua Intendente. Tinha mais espaço e era mais seguro. A gente podia andar com tranquilidade e comer pastel enquanto via as escolas", conta. "Só estou aqui mesmo porque estamos na porta de casa. Se der outro tiroteio, é só eu entrar. Mas, apesar de tudo, as escolas estão bonitas, para a galera da zona norte é legal."

Carnaval da Nova Intendente, no subúrbio do Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

A merendeira Ana Valéria, 48, assistiu ao desfile da Unidos de Lucas grudada na grade. Ela desfilaria na escola como baiana, mas chegou atrasada por causa do engarrafamento. Além de Lucas, há 18 anos ela é baiana do Império Serrano (escola do grupo especial que foi rebaixada no Carnaval deste ano). Também desfila como baiana na União da Ilha do Governador, Paraíso do Tuiutí, Balanço do Irajá, Chatuba de Mesquita e na escola Difícil É o Nome.

"Amo ser baiana. O Carnaval tem a ver com ancestralidade, tá no sangue", diz ela, que não ficou triste por perder o desfile da Unidos de Lucas. Na plateia, abriu uma cerveja para se divertir enquanto esperava a hora de desfilar em outras duas escolas naquela mesma noite, a Unidos da Vila Santa Tereza e a Unidos do Jacarezinho. Oficialmente, o Carnaval já havia acabado na terça-feira (21), mas a festa na Intendente estava só começando — hoje (25), desfilam outras escolas da série prata.