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'Não foi rebeldia': a igreja de SP que rompeu com a matriz da Lagoinha

O pastor Bruno Brito, da Igreja Pura Fé, antiga Igreja Batista da Lagoinha em São Paulo - Reprodução/Facebook
O pastor Bruno Brito, da Igreja Pura Fé, antiga Igreja Batista da Lagoinha em São Paulo Imagem: Reprodução/Facebook

Do TAB, em São Paulo

25/03/2023 04h01

Na esquina da rua Traipu com a avenida Francisco Matarazzo, nos arredores do Pacaembu, zona oeste de São Paulo, simpáticos voluntários dizem "bem-vindos" e "bom culto" a quem entra num galpão de pé-direito alto. Dentro do templo, um telão transmite a contagem regressiva para o culto, embalado por canções gospel como "Todavia me alegrarei", pedidos de dízimo por Pix antes do sermão e um show de luzes, o que lembra os cultos da Igreja Batista da Lagoinha.

Não por acaso: o endereço abrigava a Lagoinha de São Paulo até março de 2022, quando se desvencilhou da matriz mineira, então liderada pelo pastor Márcio Valadão, 75, e foi repaginada como Igreja Pura Fé, comandada por Bruno Brito, 38.

De João Pessoa, Bruno fez seminário na Igreja do Nazareno, em Campinas (SP). Passou por Curitiba e Rio, voltou a Campinas, casou e, após um "ano sabático" em Miami, de volta ao Brasil, conheceu Márcio. A ponte quem fez foram o filho e o genro do líder mineiro — André Valadão, 44, e Felippe Valadão, 42 —, "meus amigos desde sempre", o pastor relatou ao TAB, no seu escritório, no quarto e último andar do templo, cujo aluguel custa cerca de R$ 100 mil por mês.

"Filho, só falta São Paulo", Márcio teria lhe dito no fim de 2017 — atualmente, a igreja possui cerca de 700 unidades no Brasil e em outros 13 países. Bruno se interessou, mas pediu certa autonomia para estruturar do zero a unidade paulistana. "Filho, vou dar para você o que só dei a André e Felippe: autonomia total, para você fazer a igreja acontecer em São Paulo", Márcio diria, por volta de janeiro de 2018. "Não vou nunca desonrar o senhor, e vou dar o meu melhor", Bruno respondeu.

A Lagoinha paulistana começou com encontros de dez amigos na varanda de sua casa, relata o pastor. Depois, eles passaram a se reunir num conjunto comercial na alameda Santos, nos Jardins, até que, no domingo 4 de março de 2018, fizeram o primeiro culto aberto, no Centro de Convenções Rebouças, auditório com capacidade para 2,3 mil pessoas. Meses depois, a nova igreja passou por dois endereços no centro, um prédio na rua Rui Barbosa, na Bela Vista, e um na rua Marquês de Itu, na Vila Buarque, passando a atrair cerca de 600 fiéis por culto.

'Identidade'

"Deus falou comigo: todo espaço vazio que você tiver, eu vou encher", conta Bruno, que interpretou a mensagem como sinal de que era preciso buscar um lugar maior. Foi quando encontraram o prédio na rua Traipu, que fora construído na década de 1940 para abrigar um dos primeiros cinemas de São Paulo, o Cine Esmeralda.

O pastor Bruno Brito, da Igreja Pura Fé, antiga Igreja Batista da Lagoinha em São Paulo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Era março de 2020. "Nós assinamos o contrato, levei no culto de domingo lá na Marquês de Itu, a igreja celebrou, foi aquela alegria. Pegamos as chaves e, na semana seguinte, começou a pandemia", lembra o pastor paraibano. Segundo ele, foi preciso fazer "dos limões uma limonada", aproveitando o tempo de templos fechados pela covid-19 para reformar o endereço.

Eles abriram as portas em abril de 2021, quando o governo paulista autorizou a retomada gradual de atividades religiosas — com capacidade para 1.800 pessoas, a igreja à época disponibilizou 400 lugares, diz uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre o assunto, que foi emoldurada e agora, junto a outros quadros, adorna o escritório de Bruno.

Tudo ia bem até que, em setembro de 2021, o pastor paraibano foi visitado por "um pessoal da administração de Belo Horizonte", comunicando-lhe que a Lagoinha viraria uma "denominação", dada a expansão recente para cerca de 700 unidades. Diante da mudança, que restringiria a autonomia da unidade paulistana, Bruno pediu para Márcio liberá-lo para se separar da matriz. Segundo ele, foi de comum acordo: "Nunca teve briga. Não foi por pecado nem rebeldia".

Apesar do rompimento, ressalva, os princípios da Pura Fé seguem iguais aos da Lagoinha. "O que mudou foi a identidade visual."

O pastor Marco Feliciano num culto na Igreja Pura Fé, antiga Igreja Batista da Lagoinha em São Paulo - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Lá, assim como na Lagoinha, é comum ver políticos. Por volta das 21h de 7 de dezembro, depois de divulgar uma caravana da igreja para Dubai e Israel (ao custo de R$ 25 mil por pessoa), Bruno convidou ao púlpito o deputado federal Marco Feliciano (PL), líder da Catedral do Avivamento, ligada à Assembleia de Deus — Camile, a filha caçula de Feliciano, congrega na Pura Fé. Feliciano pregou durante mais de uma hora, entre acordes tenebrosos a cada vez que dizia que os presentes ali eram os escolhidos, os preferidos de Deus.

Dias depois, no especial de Natal, subiu ao palco o deputado federal recém-eleito Gilberto Nascimento (PSC). "Não foi voto de cabresto", brincou o pastor, referindo-se à campanha do convidado. Ao TAB, Bruno ponderou que ele foi "um dos muitos" políticos que foi à igreja: diz que não cede o microfone a candidatos, mas os introduz aos fiéis. "Para mim, tanto faz se é de esquerda, se é de direita", diz. "Se Lula [PT] tivesse vindo aqui, [diria] tá aqui o candidato à Presidência da República pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva. Vamos orar por ele, quem quiser votar, o número dele tá aí à disposição." Lula nunca foi à Pura Fé.

*Procurados pelo TAB, André, Felippe e Márcio Valadão não retornaram os pedidos de entrevista.

O pastor Bruno Brito, da Igreja Pura Fé, antiga Igreja Batista da Lagoinha em São Paulo - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
Imagem: Juliana Sayuri/UOL