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Na estrada há 40 anos, artistas do 'Circo dos Sete Anões' viram influencers

"A cada cidade que a gente vai passando, vai ganhando um pouco de seguidor", diz Renata Souza, artista circense e produtora de conteúdo para redes sociais - Adriano Alves/UOL
'A cada cidade que a gente vai passando, vai ganhando um pouco de seguidor', diz Renata Souza, artista circense e produtora de conteúdo para redes sociais
Imagem: Adriano Alves/UOL

Adriano Alves

Colaboração para o TAB, de Casa Nova (BA)

09/04/2023 04h01

"Não somos os maiores, mas somos diferentes", anunciou o locutor Cleiton Castro, 23, com um vozeirão na noite de domingo (19), no Circo Pindorama, em Casa Nova (BA), a 576 km de Salvador. Sob uma lona azul e amarela de 12 metros de altura, uma trupe de 40 artistas, 13 deles com nanismo, atraiu quase mil espectadores curiosos para ver o "Circo dos 7 Anões", nomenclatura que eles expõem, com orgulho, nos trailers rodando o país desde a década de 1980.

Cleiton pede aplausos, dá avisos e anuncia os números, de bailarinas, bambolês e palhaços a super-heróis pendurados em cabos de aço. Depois, o locutor sai dos bastidores e ocupa o picadeiro com uma voz mais aguda, incorporando seu personagem, o "Tampinha". Com 70 cm de altura, ele faz parte da terceira geração de artistas circenses da família cearense. "Sempre via meus tios e meu pai trabalhando. Dizia: quero ser assim quando eu crescer. Aí não cresci e hoje sou o menor palhaço do Brasil", relata, aos risos.

Tampinha também se diz "o menor globista do mundo". Na pandemia, com os espetáculos parados por um ano e sete meses, ele decidiu arriscar e ensaiar o número do "globo da morte", junto de seus primos, pensando num retorno triunfal.

"Queria voltar com algo diferente, algo impossível. Muitos diziam que era impossível. Eu disse que não, que estava no nosso sangue", conta ele, que agora faz a performance com uma minimoto, montada por um amigo de Brasília. "Nossa arte é arriscar a vida em troca de um carinho, um aplauso. Circo é encanto."

Circo dos 7 anões - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Gerações da família circense se encontram no picadeiro do Pindorama, conhecido como 'Circo dos 7 Anões'
Imagem: Adriano Alves/UOL

Pai de Tampinha, o artista Gilberto Gomes, 58, trabalhou 20 anos como o palhaço "Coca-Cola" no Pindorama. Hoje aposentado, é o anfitrião simpático que recebe o público na portaria. Ele é um dos integrantes originais do "Circo dos 7 Anões": eram 12 irmãos, sete deles com nanismo, todos filhos do palhaço Pindoba, que, com 65 cm de altura, se declarava "o menor do mundo".

Após a morte de Pindoba, na década de 1980, a família deu continuidade ao circo, escalando sempre sete pessoas com nanismo para o centro do palco — hoje, são três irmãos e quatro primos. Gilberto fica feliz ao ver as novas gerações abraçando a arte com o "gás todo". "Eles vão continuar o que nós começamos."

Circo dos 7 anões - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Imagem: Adriano Alves/UOL

#circuslifestyle

Irmã de Gilberto, Francisca Zuleide, 60, é a mais velha da trupe. Já foi bailarina, interpretou a "moça da faca" e outros tantos papéis. "Painho já trabalhava no circo quando nasci. Adoro o circo, é uma vida maravilhosa: está hoje aqui, amanhã já tá ali, depois já tá lá e vai indo."

Ao redor do circo, a família montou moradias móveis, 25 no total, entre caminhões, trailers e ônibus adaptados. O coreógrafo Wellington Gomes, 35, filho de Zuleide, diz que a vida circense na estrada é bem mais comum do que se imagina: de manhã, malham; à tarde, ensaiam. "À noite, é trabalho. Às vezes, tem espetáculo de manhã, tarde e noite."

Circo dos 7 Anões: Tampinha em cena ao lado da tia Zuleide e do pai Gilberto - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
O palhaço 'Tampinha', em cena ao lado da tia Zuleide e do pai, Gilberto, na Bahia
Imagem: Adriano Alves/UOL

Nenhum deles consegue calcular em quantas cidades o circo já esteve, são milhares de quilômetros rodados Brasil adentro.

Num dos trailers, a dançarina Ana Gomes, 18, se maquia para a próxima sessão. Ela conta que aprendeu tudo na internet, onde agora também atua como influencer — no Instagram, compartilha seu dia a dia com seus mais de 230 mil seguidores, com a hashtag #circuslifestyle. "Mostro tudo: como é viajar, conhecer vários lugares, várias pessoas. Mas também tem um lado ruim, que é quando você vai embora", pondera.

Circo dos 7 Anões: Ana Gomes é bailarina no circo e produz conteúdo para redes sociais - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Ana Gomes mostra como é a vida de circo no Instagram: 'Viajar, conhecer vários lugares'
Imagem: Adriano Alves/UOL

"A cada cidade que a gente vai passando, vai ganhando um pouco de seguidor", acrescenta a prima Renata Souza, 27, que acumula um milhão de inscritos no TikTok, quase 500 mil no Instagram e 900 mil no Kwai. Ela não considera deixar o picadeiro para virar apenas influencer. "Sou circense raiz", diz. Nas "bios" da família há uma frase em comum: "Minha altura não dimensiona minha força".

Na passagem pela Bahia, a trupe tirou o fôlego do público com números como o da menina de dez anos que se pendura em círculos de ferro, e o do equilibrista que anda em uma bicicleta que se desmonta e vira um monociclo.

Na plateia, a funcionária pública Silvana Castro, 51, ficou encantada. O circo lhe traz memórias afetivas do pai, que faleceu quando ela tinha 11 anos. "Uma das melhores recordações que eu tenho dele é que, sempre que tinha um circo na cidade, a gente ia. Naquela época, não tinha esse conforto todo não, era 'poleiro', com arquibancada de madeira e meu pai segurando a gente", lembra.

O hábito não deixou a família. Suzana guarda fotos antigas dos filhos, ainda na infância, com a mesma trupe de pessoas com nanismo. Agora, ela leva os sobrinhos pequenos: Malcolm, 4, diz que gostou dos palhaços do "ciurculo"; Maria Eduarda, 8, preferiu "o bambolê e a bailarina". A garotinha conta que, quando subiu no palco a convite do palhaço, sentiu que "era do circo".

Circo dos 7 Anões - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
'Sou circense raiz', diz Renata Souza, que tem mais de 1 milhão de seguidores no TikTok
Imagem: Adriano Alves/UOL