Bobadela, a rua de Ouro Preto que está entre as mais inesquecíveis do mundo
Nas primeiras horas da manhã, a rua Conde de Bobadela, no centro de Ouro Preto (MG), pouco lembra as imagens que fez da via uma das seis mais "inesquecíveis" do mundo, segundo levantamento do Booking.com divulgado nesta segunda (8). Com as janelas e portas dos casarões fechadas, o dia ali amanhece com lixo revirado por cachorros e pombos, à espera da coleta.
Por volta das 6h, estudantes começam a subir a ladeira a caminho da escola. A aluna Mayra Silva, 18, diz que Bobadela "cheira a mofo e poeira". O amigo Erick Kauã, 16, ri, e conta que ele não costuma frequentar o comércio da rua. "Se for época de festa, tudo bem, mas aqui é mais para turista."
Num dos pontos mais altos da via, Maria Abadia, 70, supervisiona a Brasilis Joias, casa tradicional de joias com topázio imperial, pedra preciosa encontrada na região. Entre os clientes estão estudantes da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) — que "sempre levam uma lembrancinha para a mãe" — e principalmente turistas.
"No alto, as lojas são mais funcionais, nem todo turista quer descer a rua toda", brinca ela, instalada nesse casarão há 40 anos. Maria diz que paga cerca de R$ 11 mil de aluguel, um dos mais caros "É mais fácil estar perto de tudo, com dois dias eu já estou cansada de tanta ladeira", concorda Tereza Yogui, 63, que viajou de Suzano (SP) junto ao marido Oscar, 63, e se hospedou nas imediações.
Também conhecida como rua Direita, a Conde de Bobadela dá acesso, entre outros, ao Museu da Inconfidência, o maior cartão-postal da cidade. Desembocando em uma encruzilhada, ao lado direito estão o antigo Cine Vila Rica e o Grande Hotel. Descendo a ladeira surgem casas mais modestas, com uma porta e duas janelas, onde já é possível encontrar salas para alugar por R$ 5.000.
Ao longo da rua há lojas e pousadas, muitas com fachadas abertas que convidam para dentro os sons do trânsito e, principalmente, os ecos das ferramentas que estão paulatinamente repaginando os prédios históricos — reformas que podem durar meses. O último burburinho é que um casarão (que abrigava uma loja Hering e um ateliê de móveis coloniais) agora está cercado por tapumes e andaimes porque se tornará um novo hotel.
Não seria surpresa, na verdade. "Anos atrás, quando o Bar Barroco, famoso por sua coxinha com osso, ainda atraía moradores, a Bobadela tinha mais charme", conta uma comerciante que nasceu e viveu a vida toda em Ouro Petro. "O bar 'fechou' a rua muitas vezes. Hoje está tudo parado, mas é disso que os hotéis gostam", lamenta. "Com certeza é bom para o turista, mas os ouropretanos não têm mais lugar aqui."
Cidade invisível
Ouro Preto vive uma "dualidade", diz a historiadora Margareth Monteiro, 59, da Secretaria de Cultura e Patrimônio: é, ao mesmo tempo, cidade do interior e patrimônio mundial pela Unesco (a primeira do Brasil).
A rua Conde de Bobadela serviu de travessia entre duas partes muito diferentes da cidade, acrescenta ela. De um lado, em direção à Feira de Pedra Sabão e ao bairro Antônio Dias, estariam os "jacuba", tipo de angu, feito de fubá e água, mas a expressão era utilizada como termo ofensivo para se referir aos moradores das áreas mais pobres. De outro, em direção ao bairro Pilar, os "mocotós", o "high society" ouropretano.
Entre pubs e bistrôs pomposos, sobrou um único boteco raiz na rua, ativo desde 1985. Com mesas pequenas e cadeiras altas, porções e cerveja "litrão", o bar Satélite é de longe o "point" mais frequentado — é tido como o último ponto de "resistência" do que uma vez já foi a Bobadela.
Entre artesanias e empórios que vendem cachaça, doce de leite e queijo, a porta que dá acesso ao Museu Casa Guignard passa quase despercebida.
Os guias Eder Ribeiro e Marina de Paula convidam quem passa para conhecer a obra de Alberto Guignard, artista conhecido por registrar iconograficamente Ouro Preto. Literalmente, todo mundo: de Manu Gavassi aos garis que limparam a Bobadela dos tapetes de serragem da última Páscoa.
Anoitece e o cheiro das chocolaterias começa a invadir a rua. Com uma tempestade se aproximando, todo mundo procura onde se aquecer. Da janela de uma drogaria, Celestina Toffolo, 96, reza o terço. Ao lado, Bernadete Mazzoni, 60, cuida do armarinho da família, Doneguinha, alusão ao apelido da mãe.
"É um absurdo, a Direita não precisa se parecer com um shopping para ter valor", critica, referindo-se às mudanças no estilo da rua, por exemplo, a troca de ladrilhos e pisos originais por porcelanato.
Enfim, começou a chover e a rua se esvaziou. De Brejo do Cruz (PB), o ambulante André Araújo, 28, encerrou o expediente — vendeu 15 pares de meias. "É um dia pelo outro", suspira, descendo a ladeira, de chinelo laranja. Está indo embora: despediu-se de Ouro Preto e partiu para São Paulo, onde espera chegar no próximo amanhecer.
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