Quarto de 3 m² e toalhas alugadas: como é a noite num hostel cápsula
Dormir sozinho em um hotel na região da avenida Paulista no meio da semana pode parecer uma experiência atraente. Mas quando se trata de se hospedar no menor quarto do Brasil, uma noite de autocuidado ganha ares de aventura.
Já dormi em lugares piores, foi o que me passou pela cabeça quando me deparei com os três metros quadrados do SP Hostel Club.
O espaço no cubículo retangular é suficiente para abrir a porta e despencar na cama — nada além disso. A reserva seria feita pela internet, no Instagram no hostel. Ali, um robô que atende pelo nome de Gui diz que é a melhor pessoa para encontrar um bom preço. Após algumas perguntas no chat, ele me oferece sete opções de hospedagem — três em quartos coletivos. Descubro, por exemplo, que poderia dormir em uma cama de solteiro num cômodo com outras cinco mulheres por R$ 49.
Recomeço a conversa, mas o robô Gui — ilustrado por uma foto de um homem oriental com corte de cabelo moderninho — diz não entender minhas frases. Pede que eu use palavras curtas e simples. Desisto.
Volto ao perfil do hostel, consigo entrar pelo site, preencho um outro cadastro e entro em novo chat, onde outro robô me informa que há quatro cápsulas disponíveis na tarde de quarta (17). A hospedagem é bem localizada: a quatro quadras da avenida Paulista, e como vizinho de frente o silencioso cemitério do bairro. Apesar disso, entre os dois fica a nada discreta rua da Consolação, com fluxo ininterrupto de carros durante a madrugada.
Concluo o cadastro e faço o Pix: R$ 79 a diária, mais R$ 5 de taxas, totalizando R$ 84, com check out para às 11h da manhã do dia seguinte. Uma dúvida me ocorre: como será o banheiro?
Toalhas por R$ 10; cobertores, R$ 15
Na calçada da rua da Consolação, comércios de lustres reluzem com seus cristais espalhafatosos. Entre paredes pichadas, a imponente fachada do banco Safra e vitrines de vidro de uma concessionária Hyundai, está a discreta porta de vidro do Hostel.
Ali, um corredor com um balcão abriga uma recepcionista que orienta os hóspedes. Não há seguranças e, apesar de haver catraca, a passagem é liberada. A moça me explica como entrar no quarto e garante que lá dentro encontrarei roupas de cama e travesseiro. A toalha de banho, conta, pode ser retirada na recepção por R$ 10, caso eu não tenha trazido. Cobertores extras saem por mais R$ 15 — no quarto, há apenas uma manta fina e ar-condicionado.
No primeiro andar, há uma área comum com pufes, onde se pode confraternizar entre os hóspedes e comer algo pedido pelo ifood. Fumar, só no terraço, que fica separado por uma porta de vidro.
Há suítes para até três pessoas com banheiros no terceiro e quarto andares. Mais para cima, pisos em reforma e o projeto de rooftop com bar e balada, a ser aberto em breve. Funcionários indagados pela reportagem não souberam precisar quando.
Recebo a senha do meu quarto e parto para o segundo andar, ansiosa por minha noite de sono tranquila, encapsulada no perímetro urbano da cidade. Uma leve sensação de arrependimento me invade momentos antes de digitar a senha na fechadura eletrônica.
Fantasmas e baratas na Europa
Quando abro a porta do cubículo, entendo o que meu sexto sentido tentava me avisar. O local é pequeno, sim, mas limpíssimo. A roupa de cama cheira lavanderia. Sem espaço para esticar o lençol ali, me pergunto como os dormitórios são arrumados com tanto cuidado. "É fácil, usamos técnicas de hotelaria", afirma uma das funcionárias na manhã seguinte.
O problema é outro: barulho. A janela, redonda como uma escotilha de navio, não é vedada o suficiente e o som da avenida vaza todo para dentro do quarto. Mando uma foto do lugar para minha editora perguntando se ela me odeia e recebo a resposta: cadê o banheiro? Respondo que é externo e ela devolve uma gargalhada.
Claro que não é a primeira vez que encaro uma hospedagem, digamos, fora do padrão. Certa vez, em Barcelona, fiquei em um quarto misto num hostel com sete camas. A minha ficava sobre o banheiro e o acesso se dava por uma escada de madeira daquelas que se usa em obras no Brasil. Idas ao toalete sonada, durante a noite, podiam se tornar uma aventura fatal. Além disso, em uma das manhãs descobri uma barata morta perto do meu colchão.
Perto disso, a cápsula paulistana parecia mesmo um palacete. De bonecas, mas palacete.
Aperto não é um problema para quem, como eu, já acampou. Há cerca de 80 cm de espaço para abertura da porta: o resto é ocupado pela cama. Sinto falta de ganchos para pendurar roupas e faço um improviso no pé da cama com meus pertences, o que deixa o espaço ainda mais reduzido. O pé direito é alto, pelo menos. A pequena escotilha é coberta por uma persiana fina que deixa entrar a luz do Sol logo nas primeiras horas da manhã.
Lembro-me de uma temporada que passei num quarto dentro de um palacete Médici, em Florença. A edificação do ano de 1280 tinha vários cômodos alugados pela proprietária para estudantes de italiano. Uma espécie de república para universitários com perfume histórico e preço modestíssimo. No teto do meu aposento, um afrescado renascentista acusava algumas centenas de anos. À noite, entretanto, ruídos ali me tiravam o sono. De cética e viajante corajosa, passei a ter medo de fantasmas no mês em que passei ali. O banheiro, a poucos metros do quarto, ficava depois de um corredor em que a proprietária pregou fotos de todos os seus parentes mortos.
Item básico: protetor auricular
Saio em busca de um jantar e protetores auriculares. Ao redor, há restaurantes de diversas nacionalidades: francês, italiano, japonês, tailandês, africano e comidas típicas brasileiras. Comer ali perto custa mais que meu pernoite, mas tudo parece delicioso. O movimento noturno da Paulista e Augusta está a 10 minutos de caminhada.
Nos arredores, me deparo com pessoas em situação de rua, ao relento, dormindo em espaços menores que aquele que vou encarar mais tarde. Fico envergonhada ao reconhecer meu privilégio.
Hotéis ao redor podem cobrar de R$ 100 a R$ 400 a diária. Segundo as avaliações do Google, os mais baratos têm toalhas sujas, mofo e insetos. No Hostel, funcionários simpáticos fazem o atendimento com todo o cuidado. E não há uma poeirinha fora do lugar.
Enquanto me preparo para dormir, alguém escova os dentes nas pias coletivas em frente ao quarto e faz barulhos nada educados com a garganta. Cada vez que um hospede digita sua senha e entra na escandalosa porta de seu casulo, sinto que alguém vai se deitar no meu colo. As paredes tremem com as batidas de porta.
Imagino uma fila no banheiro para tomar banho no único box feminino do meu andar, mas isso não acontece. Durante a madrugada, o banheiro segue impecavelmente limpo. Alguém toma uma ducha comprida às 2h da manhã sem ser incomodado por ninguém.
Às 6h da manhã, a luz invade o cômodo minúsculo e o barulho da rua se intensifica. Os ônibus, mesmo com o protetor auricular, freiam dentro do meu crânio. No corredor, escuto o vai e vem de gente. Segundo os funcionários, o público costuma ser variado: de pessoas que vêm do exterior para conhecer São Paulo àqueles que apenas de um lugar para dormir antes de encarar a rotina de trabalho.
Escovo meus dentes, dividindo a bancada da pia com um homem que se barbeia. Tento entrevistá-lo sobre o estabelecimento, mas alguém que dormiu nas mesmas condições que eu não parece propenso à conversa matinal. Fico sem resposta.
No fim, um pouco exausta da noite mal dormida, reflito sobre a experiência. Dormir em uma portinha, como aquelas reportagens que vemos de hotelaria japonesa é esquisito. Mas um pouco de gratidão por um teto não faz mal a ninguém.
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