'É uma conquista', dizem futuros moradores de minicasas em Campinas (SP)
As imagens das minicasas de 15m², construídas pela prefeitura de Campinas (SP), furaram as bolhas e tomaram as redes sociais na última semana, com críticas a respeito do tamanho das construções.
A Prefeitura, em parceria com a Fundap (Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana), do Estado, está erguendo 116 moradias em um terreno de 23 mil m² próximo ao Aeroporto Internacional de Viracopos. Hoje, cerca de 100 famílias moram numa ocupação próxima, da comunidade Nelson Mandela. Batizadas de "embriões", as unidades reassentam aproximadamente 450 pessoas.
A história dessas construções começa em meados de março, quando uma decisão judicial determinou a reintegração de posse da área, que é de propriedade particular. A decisão da Justiça estabeleceu prazo de quatro meses para a desocupação.
As unidades possuem teto e parede, não muito mais além disso. Sem laje, não há espaço exclusivo para quarto, cozinha e sala. Trata-se de um cômodo com banheiro. O vice-prefeito de Campinas, Wanderley de Almeida (PSB), estima que as famílias sejam formadas, na média, por 4 pessoas.
A região do Ouro Verde é uma das maiores da cidade e cresceu de forma desordenada. Em 2014, após consulta pública, a administração municipal oficializou o título de distrito à área. Moradores da região convivem com uma série de problemas, como o adensamento populacional que extrapola a infraestrutura e o trânsito caótico nos horários de pico: a depender do bairro, leva-se horas para chegar à região central nos picos da manhã e tarde.
Para a arquiteta e urbanista Eleusina Holanda de Freitas, que atua na elaboração de Planos Diretores, a medida das casas é "absurda". "Apesar de ser uma medida de asseguramento de moradia, o erro está na origem da política pública. Não se faz política pública de habitação 'emergencial'. Se as famílias ficaram 7 anos no local, houve tempo para que a administração traçasse um plano. De modo que agora, a 4 meses da reintegração, sugerem os 'embriões' como se fosse a ação principal", diz.
A especialista, que coordenou o último plano habitacional de Campinas e, atualmente, coordena planos de moradia popular em João Pessoa (PB), diz que nunca viu casas dessa medida. "É um retrocesso, do ponto de vista urbanístico. Ação para 'inglês ver'."
Entre o barraco e o tijolo
O vice-prefeito de Campinas afirmou ao TAB que as críticas estão desconectadas da realidade. "Hoje eles vivem em barracos", afirma. Para ele, não faz sentido a preocupação dos especialistas, tendo em vista que Campinas "tem um déficit habitacional estimado em mais de 40 mil moradias e nós não vamos supri-la no modelo Mandela [...] Essa foi a situação adequada àquela realidade; agora, existem outras ocupações na cidade que já nos procuraram, tentando desenvolver algo parecido", avisa.
Wandão, como é conhecido, também tratou as críticas da oposição como oportunismo político. "O acordo seria assentar as famílias em lotes com água e luz. Lá tem asfalto, rede de esgoto, iluminação pública, ou seja, tem mais do que foi acordado", afirmou.
O que é o loteamento
Cada lote possui em média 90m². Para a prefeitura, há algum espaço para a ampliação das microcasas, mas a administração admite que os estudos ainda serão feitos para analisar a viabilidade disso, sem estabelecer prazo. Até que isso aconteça, as pessoas terão mesmo que morar aos apertos.
Nos lotes é possível construir apenas em direção à rua, já que não há espaço nos fundos do terreno.
Apesar da polêmica, muitos moradores se mostram felizes com a situação. José Gonçalves, 53, que é morador do Mandela e está trabalhando na construção das casas, afirma que o cômodo de 15m² é "muito melhor" que o barraco em que mora hoje com a esposa e um filho. Ele, que é pedreiro, já ergueu 3 casas do projeto com ajuda de um sobrinho e recebeu cerca de R$ 4 mil por cada uma; a construção de cada casa leva em média 25 dias.
Os profissionais que trabalham no loteamento afirmaram à reportagem nunca terem participado da construção de casas tão pequenas. "A menor que tinha feito até então era de 36m²", afirmou um deles.
O custo de cada unidade (terreno e construção) está em torno de R$ 48 mil. As famílias pagarão pelas propriedades num prazo de até 300 meses, com parcelas a partir de 10% de um salário mínimo (cerca de R$ 132), baseadas na renda familiar.
Com quem é de direito
Após a repercussão na internet, a coordenação da ocupação emitiu uma nota que expressa insatisfação com a cobertura midiática.
Os líderes afirmam que "os embriões foram uma conquista, diante do que podia ser construído no prazo de 4 meses que o juiz fixou. O embrião não é a casa em si. As famílias conquistaram seus lotes de 90m² e as casas ainda serão construídas com o tempo".
"Quem está criticando não conhece o lugar em que moramos hoje", disseram.
O arquiteto e urbanista da PUC-Campinas, Fábio Muzetti, avalia que há a possibilidade de uma nova "favelização" do bairro. "Eles vão para um bairro residencial, mas que pode ter seu projeto urbanístico desconfigurado em pouco tempo. É insalubre e não dá para imaginar mais de duas pessoas vivendo em um espaço como esse. O que pode acontecer é o surgimento dos 'puxadinhos', inclusive feitos de madeirite."
Para a coordenação da ocupação, faltou preocupação da sociedade com relação à dignidade dessas famílias em outros momentos. "Não se viu esta mesma indignação por parte da imprensa quando os barracos das nossas famílias pegavam fogo e nossas crianças dormiam na rua, enquanto a primeira reintegração de posse da comunidade Nelson Mandela acontecia", salientou, em nota.
Histórico da luta
Por trás da polêmica existe uma dura e longa trajetória das famílias da Mandela. Há 7 anos, elas viveram uma traumática reintegração de posse, a poucos quilômetros de onde vivem, ainda na região do Ouro Verde. Na retomada da área privada houve confronto entre policiais e membros da ocupação. "Acordei com meus filhos assustados com helicóptero", declara a auxiliar de educação infantil Phâmela Rocha, 34.
Foi depois da reintegração que os membros do movimento ocuparam a área em que estão atualmente.
Os barracos foram construídos numa área sem infraestrutura de saneamento — a energia elétrica funciona com ligação irregular por meio de "gatos". O abastecimento de água conta com quatro relógios para atender todos os barracos. De acordo com os moradores, falta água todos os dias.
O proprietário da área não foi encontrado pela reportagem. Via de regra, a prefeitura não divulga à imprensa o nome de proprietários.
Nem todas as famílias aderiram ao projeto da construção dos "embriões" — há no local, inclusive, quem esteja construindo suas casas com recursos próprios.
Contando os gastos com as propriedades, pavimentação, redes de água, esgoto e energia, os valores para construção somam cerca de R$ 6 milhões, informou a Prefeitura.
*Colaborou Luís Eduardo Sousa
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