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'Ele não veio?' André Valadão só entra online na 1ª conferência da Lagoinha

Dos portões da matriz da Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte, estendia-se uma fila enorme que dava a volta no quarteirão. Era sábado (12), o último dia da Conferência Lagoinha Global, primeiro megaevento da denominação evangélica após a troca de liderança no fim de 2022 — saiu Márcio Valadão, entrou seu filho, André Valadão, à frente da Lagoinha Global, que reúne todas as unidades da igreja espalhadas pelo mundo.

"Aumente suas expectativas", dizia um letreiro de LED na entrada da igreja. A pregação estava marcada para as 19:30, mas muitos aguardavam na fila desde as 16h, pois, em suas redes sociais, o pastor Márcio anunciara que estaria ali para tirar fotos com os fiéis.

Às 18h abriram-se os portões e, talvez devido às expectativas elevadas, houve quem discutisse no interior da igreja. Todos queriam se sentar nas primeiras fileiras, para ver de perto o principal pregador da noite, o líder André Valadão. O espaço, com 5.000 lugares, estava lotado.

Antes, os fiéis acompanharam ao show de Isaías Saad, estrela da música gospel. Um drone planava pelo templo, captando as emoções dos presentes em meio ao espetáculo de luzes, chuva de papel picado e fumaça de gelo seco.

Embora não estivesse previsto na programação, o primeiro a subir ao púlpito foi Márcio Valadão, provocando êxtase geral. De terno e gravata, ele pregou com a fala suave que lhe é própria.

Relembrou a história da Lagoinha e dos seus anos iniciais de pastorado: "O pastor é aquele que primeiro chega na igreja, e o último a sair. Não posso dar testemunho que não seja o meu. Quando terminavam os cultos, eu ficava lá na porta, abraçando um por um. Muitas vezes esse abraço fala muito mais do que a pregação de uma hora e meia. As pessoas veem com os olhos", terminou, lançando mão de um de seus ditados favoritos.

Depois de Márcio, falou o pastor Flávio Marques, que lidera a matriz da Lagoinha na capital mineira. Foi uma fala breve, anunciando a vez de André — o filho de Márcio, porém, não estava em BH, mas em Orlando, na Flórida (EUA). Para muitos, sua participação meramente virtual foi uma surpresa.

"Como assim ele não pôde vir?", questionou um jovem que viajara de Amparo (SP) para assistir à conferência. "Ele está aqui, só não presencialmente", contemporizou outra fiel, vinda de Jundiaí (SP).

No telão, um André de 4 metros de altura falava sobre a parábola do semeador que precisa separar o joio do trigo. "Agricultura fala de agressão, de uma cultura agressiva. O que Deus tem pra você é uma cultura do Céu que é agressiva para a terra. A fé agride esse mundo", disse o pastor, num tom bem mais frenético que o pai.

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"Nossa geração não luta contra um demônio, nós lutamos contra um sistema", continuou André. "Esse sistema é montado pelo inferno e preparado para tentar nos calar", completou, pedindo aos fiéis que levantassem as mãos ao céu para que os sabotadores demoníacos do trigo fossem desmascarados.

"Tudo que está oculto vai ser revelado", concluiu o pastor, curiosamente aludindo a Lucas 12:2, trecho bíblico que reverberou na mesma semana da conferência. Foi com esse versículo que a Polícia Federal batizou a operação deflagrada na sexta-feira (11) que investiga o esquema de venda de joias que teria beneficiado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem André é eleitor declarado.

'This is Lagoinha'

A primeira edição da Conferência Lagoinha Global transcorreu bem de acordo com a "visão da igreja" de André, conforme anunciava a página na internet dedicada ao evento. A começar pelo vídeo promocional, semelhante ao trailer de um filme de super-herói, sucedido pelo "line up" da convenção, onde figuram algumas das celebridades do mundo evangélico.

Apresentado como "líder e multiplicador de líderes", o próprio André era o principal nome da conferência, que contou, entre outros, com o pastor Cláudio Duarte, "uma das figuras brasileiras religiosas mais acessadas na internet", informa o hotsite do congresso, e os cantores gospel Theo Rúbia e Marcelo Markes.

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Nos dias que antecederam as palestras, aconteceram workshops voltados a pastores de outras unidades, cuja intenção era "alinhar os mindsets", como costuma dizer André. De acordo com a Rede Super, canal de TV, rádio e internet da Lagoinha que cobriu o evento, algo em torno de 2.000 pastores de diversas partes do mundo compareceram a esses encontros.

"A conferência tá top!", disse à repórter da Rede Super uma participante não identificada. "Muitos insigths, foi incrível", declarou o fiel de Márcio, Novo Hamburgo (RS). "Hoje, o país em que a igreja mais cresce é o Brasil. O avivamento está aqui", comemorou o pastor Erick, da Lagoinha Miami Church.

Um dos palestrantes desses workshops, o coach Paulo Vieira (3.2 milhões de seguidores no Instagram) detalhou: "Deus está preparando a Lagoinha para cumprir um papel no Brasil e no mundo, de avançar poderosamente num exército forte, preparado técnica, emocional e espiritualmente com as armas certas, as munições e o treinamento, para conquistar o mundo para Cristo".

De tempos em tempos os voluntários que trabalhavam na entrada da igreja puxavam o coro: "Vai pra cima, Lagoinha!", que era repetido pela multidão que aguardava enfileirada sua vez de entrar no templo principal da matriz em Belo Horizonte.

Dentro da igreja, um enorme telão dava as boas-vindas em letras luminosas: "Welcome to the new", "This is Lagoinha".

Também o preço dos ingressos para a conferência assemelhou-se ao de um festival de música: R$ 113. O evento contou ainda com um "espaço kids", onde as crianças eram maquiadas como gatinhos, abelhas ou ursos — desde que seus pais pagassem os ingressos no valor integral para os pequenos, sem direito a meia-entrada.

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Num dos grupos de WhatsApp da igreja, houve quem reclamasse. "Não faz sentido cobrarem de uma criança de 4 anos", "soa estranho esse valor, sendo que a maioria dos pregadores é da Lagoinha mesmo", "nossa, é muita sacanagem" foram alguns dos comentários dos fiéis.

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Imagem: Leandro Aguiar/UOL

Resistência infernal

Outro conferencista bastante aguardado foi o pastor André Fernandes, da Lagoinha Alphaville, em São Paulo, "com grande alcance nas redes sociais e em meios para além do eclesiástico", descreve o site do evento. Ele foi o responsável pelo culto de sexta-feira (11), que teve por tema a "oposição" — a resistência infernal aos desígnios divinos, explicou.

"No ano passado, com as mudanças políticas e econômicas, algumas pessoas disseram: agora vamos enfrentar o pior momento da igreja", começou o pastor. "Mas eu tenho uma boa notícia, irmão: em todos os cenários adversos a igreja cresceu e prosperou. E eu declaro em nome de Jesus, agora não vai ser diferente. As portas do inferno não prevalecerão!", bradou, arrancando "améns" dos fiéis.

Depois, passou a se referir ao caso da Lagoinha. "Nosso pastor assumiu a liderança — e depois disso, quantos levantes, quanta resistência, quantas portas se fechando! Por que que isso acontece? Porque o inferno se mobiliza antes de uma revolução acontecer", pregou.

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Desde que André Valadão se tornou líder da Lagoinha Global, igrejas se desfiliaram da denominação. O pastor reforçou a retórica anti-LGBTAQI+, provocando também a saída do movimento Cores, núcleo da Lagoinha aberto à diversidade sexual.

Essa resistência, para Fernandes, "é parte do processo", no qual os fiéis devem acreditar. "Fala para a pessoa do seu lado: você está vivendo o processo? Parabéns!", vibrou o pastor, sendo prontamente atendido pela plateia arrebatada.

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