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Araçatuba: PMs dizem que não viram inocentes e atiraram para sobreviver

PMs que participaram do tiroteio contra criminosos em Araçatuba (SP) em 2021, que resultou na morte de um dos homens usados como escudo humano, afirmaram à Polícia Civil que atiraram porque não viram reféns expostos.

Segundo os policiais, os disparos foram interrompidos assim que perceberam a presença de pessoas sobre uma das caminhonetes usadas pelos bandidos. Nenhum policial se feriu.

Eles vieram com farol forte, pisca-alerta ligado e passaram atirando. Ao perceberem nosso avanço, dispararam diversas vezes. Nesse instante, me abriguei. Depois, vimos uma pessoa caída. Tenente do Baep (Batalhão de Ações Especiais) que pediu anonimato à reportagem

Quem havia caído era Márcio Possa, 34, que foi atingido dez vezes e morreu na operação. O laudo do IML indica que os tiros partiram de policiais. Polícia Civil e Ministério Público se manifestaram a favor do arquivamento da investigação.

Antes de serem colocados sobre os carros, os reféns foram obrigados a ligar para o 190 para pedir à polícia que não atirasse. A Polícia Civil diz que essas informações não chegaram aos PMs na linha de frente.

Em ataque a bancos em Araçatuba (SP), reféns foram colocados no teto dos carros
Em ataque a bancos em Araçatuba (SP), reféns foram colocados no teto dos carros Imagem: Reprodução/Twitter

A madrugada do caos

Na virada de domingo para segunda-feira, 29 para 30 de agosto de 2021, dez policiais militares do Baep de Araçatuba (SP) estavam no refeitório do batalhão, na parte de trás do edifício.

À meia-noite, criminosos atacaram a entrada do local com tiros de metralhadora. Uma bomba foi deixada encostada no muro. Os PMs reagiram e houve intensa troca de tiros.

Policiais que estavam em folga foram imediatamente acionados. 80 PMs enfrentaram 39 bandidos fortemente armados.

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Os criminosos tinham um plano, que acabou frustrado: dominar Araçatuba e fazer um dos maiores assaltos a banco da história do Brasil.

"Foi difícil identificar a magnitude do crime no início. Só conseguia reconhecer disparos de calibre 50. Comecei a visualizar criminosos e aí percebi a ocorrência da modalidade 'domínio de cidades' [invasões a cidades de pequeno e médio porte por criminosos fortemente armados]", afirma o tenente.

Todos os PMs que participaram da ocorrência e que aceitaram conversar com a reportagem contam que foi a ação mais marcante de suas vidas.

 Sede do Baep de Araçatuba
Sede do Baep de Araçatuba Imagem: Reprodução

A PM se dividiu em três equipes, citadas em inquérito: A, B e C. Elas saíram do batalhão em comboio. A primeira, à 0h13.

"Nos deparamos com vários pontos de contenção. Conforme avançávamos, íamos encontrando mais dificuldade. Quando chegamos ao Banco do Brasil, os ladrões se reuniram próximo ao calçadão e deixaram o local em comboio", diz um capitão do Baep.

Nesse momento, três criminosos já haviam sido baleados por um policial militar da reserva, que estava fora da lista dos 80 PMs da ativa. Foi quando os ladrões desistiram de continuar o assalto e usaram reféns como escudos humanos.

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Oito pessoas foram colocadas sobre carros durante a fuga.

O principal tiroteio daquela madrugada ocorreu no cruzamento do calçadão com a rua Duque de Caxias. O carro que estava à frente dos demais era uma caminhonete branca. No capô, estava Márcio Possa; no teto, Eduardo Loiola, 27.

 Segurança da frente do batalhão foi reforçada após mega-assalto
Segurança da frente do batalhão foi reforçada após mega-assalto Imagem: Reprodução

Medo da morte

"Achei que fosse morrer. Não tinha outro pensamento que passava na minha cabeça", diz o tenente do Baep. "Passa um filme na cabeça. Você pensa na sua família, mas também tem a sensação gratificante de saber que protegeu a cidade."

"A gente treina, mas fica com medo. Tentamos evitar, porque acaba nos abalando. Sou um ser humano atrás da farda. Com família, esposa, filho", afirma o capitão do Baep, mostrando à reportagem marcas de tiros no batalhão.

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 Marca de tiro ainda encontrada na sede do Baep de Araçatuba
Marca de tiro ainda encontrada na sede do Baep de Araçatuba Imagem: Reprodução

Naquela noite, o capitão, que estava de folga, escutou alguns disparos. Vídeos começaram a chegar em seu WhatsApp mostrando a amplitude da ação criminosa.

"Minha esposa falou que não queria que eu fosse e ficou chorando. Minha filha também chorou. Mas falei que tinha que ajudar meus companheiros. Fiz um dever também para sociedade, para proteger até com a minha vida."

O policial da reserva Walter Meglio, que participou da ocorrência e disparou contra três dos criminosos, afirma que a Polícia Militar não causa o caos.

A PM é uma instituição do estado para combater o caos. Ela não causa uma guerra. Ela intervém em uma situação crítica para trazer a paz. Para trazer a estabilidade social. Foi isso que tanto eu como os policiais do Baep fizemos. Policial Walter Meglio

Moradores e comerciantes de Araçatuba ouvidos pela reportagem aprovam a ação da polícia. "Perceberam a dificuldade que a PM teve, que não se omitiu. Expomos nossa integridade física para tentar garantir a proteção da cidade", justifica o capitão do Baep.

O prefeito da cidade, Dilador Borges (PSDB), tem o mesmo discurso. "Se a gente não tivesse a ação tão rápida e um trabalho de inteligência da PM, teria sido pior. Mas o Baep deu o recado para os bandidos, encurralaram eles."

A Polícia Federal prendeu 53 pessoas sob suspeita de envolvimento no crime.

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