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Sabe o que Rambo 1 e Bacurau têm em comum? Os vilões são norte-americanos

Rambo enfrenta o exército norte-americano no filme original, Udo Kier lidera grupo de americanos no filme Bacurau - Arte UOL
Rambo enfrenta o exército norte-americano no filme original, Udo Kier lidera grupo de americanos no filme Bacurau Imagem: Arte UOL

Matheus Pichonelli

Colaboração para o TAB

18/09/2019 04h01

Para Hollywood, os vilões já foram os alemães, os russos, os japoneses, os árabes, os chineses e até os alienígenas. Os norte-americanos já salvaram a humanidade da destruição em "Independence Day". Também já deram provas de bravura nos filmes de guerra. Venceram os embates contra as forças do mal representadas por boxeadores ou espiões soviéticos, índios do velho oeste e, claro, fundamentalistas islâmicos.

Quem se acostumou a ver, pelo olhar da gigantesca indústria de entretenimento dos EUA, o retrato heroico da nação mais rica do planeta deve ter estranhado ao ver os ianques pintados como vilões no filme "Bacurau".

Na distopia futurista de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, os vizinhos do Norte são supremacistas arrogantes, armados e violentos que fazem pouco caso dos moradores de uma pequena cidade no sertão brasileiro, onde têm como missão concluir o apagamento físico e simbólico de quem não reconhecem qualquer traço de humanidade.

Como em "Bacurau", nem sempre os estadounidenses estão do lado "luminoso da força". Muitas vezes, são os antagonistas das tramas - inclusive em filmes "made in USA". Até o célebre Rambo, interpretado por Sylvester Stallone entrou na lista, afinal, no filme original ele combate as forças opressoras dos EUA (depois o personagem virou franquia e deu uma guinada 180 graus nos filmes seguintes). Montar essa lista "top ten" foi tarefa árdua, com muita consulta a cinéfilos amigos e profissionais. Lembrei de alguns casos, clássicos e nem tanto. Se tiver outra sugestão, mande nos comentários.

Deserto, de Jonás Cuarón (México, 2015)

Em uma cena que parece saída de "Bacurau", um franco-atirador americano dá as boas vindas a um grupo de imigrantes mexicanos, entre os quais o personagem de Gael Garcia Bernal, com uma verdadeira caçada de espingarda, como se estivesse em um safari. O sonho de atravessar a fronteira e começar uma nova vida logo se transforma em luta pela sobrevivência em pleno deserto entre os dois países.

Dogville, de Lars Von Trier (Dinamarca, 2003)

David Bowie canta "Young American" nos créditos finais de um dos filmes mais marcantes de Lars Von Trier, ácido e polêmico diretor dinamarquês (não, isso não é um spoiler). O desfecho, que voltaria a ser usado em "Manderlay", um retrato da escravidão americana lançado em 2005, deixa claro do que trata essa fábula sobre as crueldades, ora sutis, ora escancaradas, produzidas em um ambiente asséptico e puritano das versões americanas de cidadãos de bem. Grace, personagem ingênua e destroçada pelo vilarejo interpretada por Nicole Kidman, que o diga (ok, isso é um spoiler).

Eu sou Cuba (URSS, 1964)

"Eu vou querer aquela coisinha ali", diz, como se escolhesse um prato no menu, um turista americano em um bordel na parte rica de Havana, um dos muitos contrastes deste filme dirigido pelo soviético de origem georgiana Mikhail Kalatozov. O filme foi elaborado no auge da crise dos misseis, e serviu como resposta do cineasta contra o bloqueio naval que ele classificava como uma "cruel agressão do imperialismo norte-americano". O longa retrata os dias finais do regime de Fulgencio Batista e capta, na cena do bordel, o caráter predatório dos turistas americanos na ilha antes da revolução - o que fica claro quando um dos personagens diz ao amigo "escolha uma dessas para você", como se falasse de um objeto. O filme capta também, em uma de suas histórias, os perrengues de um camponês que precisa deixar suas terras para dar lugar à multinacional United Fruit, numa menção direta aos antagonistas americanos que seis anos antes haviam promovido um golpe de estado na Guatemala.

Chuva Negra, de Shohei Imamura (Japão, 1989)

O filme retrata os ataques com bomba atômica dos EUA ao Japão em 1945, em Hiroshima. A sombra e a memória da crueldade lançada pelas forças norte-americanas atravessam a história de um empresário que tenta encontrar um marido para a sobrinha, rejeitada várias vezes pelo estigma de ter sido contaminada pela radiação.

Arab in America, de Nabil Abou-Harb (França, 2007)

Neste curta-metragem de comédia, o diretor e corroteirista mostra de forma sarcástica a discriminação, o racismo e o preconceito das instituições americanas contra imigrantes e os filhos de imigrantes, sobretudo de origem árabe, após o 11 de setembro. Boa parte das cenas é inspirada em sua própria experiência na terra do Tio Sam, como quando se torna alvo de suspeita por levar um barbeador na bagagem e ter de responder o que pretendia fazer com o objeto (se barbear, no caso).

O homem do Sputnik, de Carlos Manga (Brasil, 1959)

Sessenta anos antes de "Bacurau", os americanos não eram flor que se cheirasse na chanchada de Carlos Manga. O filme conta os apuros de um personagem após um objeto voador não identificado, parecido com um satélite russo, cair em seu quintal e matar suas galinhas de estimação. Ao tentar vender o Sputnik para minimizar os prejuízos, ele acaba chamando a atenção de espiões de vários países, entre eles um grupo de americanos liderado por um funcionário do governo inescrupuloso interpretado por ninguém menos que Jô Soares - que em uma reunião mostra seu conhecimento sobre as terras brasileiras, que, segundo ele, fica na capital de "Buenos Aires".

O homem que virou suco, de João Batista de Andrade (Brasil, 1980)

Pelo olhar de Severino, um imigrante paraibano que vai trabalhar em São Paulo e é confundido com um nordestino que assassina o seu patrão a facadas, o filme acompanha o ambiente de exploração, perseguição e violência que marca a força de trabalho nas grandes cidades - um ambiente desenhado no discurso do representante americano de uma multinacional que tenta, num portu-inglês, barrar uma greve por meio do achaque e da ameaça.

Pecados de guerra, de Brian de Palma (EUA, 1989)

O filme acompanha os abusos promovidos por soldados americanos durante a guerra do Vietnã. Em uma das cenas mais pesadas, uma jovem é raptada e violentada por quatro combatentes, que acabam sendo denunciados pelo único soldado que se nega a participar do crime. O diretor, Brian de Palma, voltaria a colocar o dedo da ferida na sociedade americana em 2007, com o filme "Redacted", uma mistura e ficção com documentário sobre o envolvimento de soldados em crimes brutais no Iraque - levando ao epilogo imagens reais do conflito naquele país.

Rambo: Programado para Matar (EUA, 1982)

No primeiro filme da franquia, o (anti?) herói de guerra é uma máquina de empilhar corpos que os EUA não sabem o que fazer quando volta do Vietnã. Preso injustamente em uma cidadezinha do interior, John Rambo é esculhambado pelo xerife Will Teasle, símbolo da autoridade abusiva e violenta interpretado por Brian Dennehy. "Estrangeiro" em seu próprio país, o personagem de Sylvester Stallone busca refúgio na mata, onde volta a ser o selvagem que não consegue se livrar da carnificina para o qual é lançado em sua guerra particular pela sobrevivência.

Vice, de Adam McKay (EUA, 2018)

Neste filme, Christian Bale interpreta Dick Cheney, um típico cidadão médio sem musculatura intelectual que sobe na vida colando em políticos em ascensão e sem escrúpulos até ser eleito vice-presidente de George W. Bush. No posto, ele se torna um discreto e cruel arquiteto de todas as atrocidades cometidas pelos EUA após o 11 de Setembro, inclusive a invasão do Iraque, sob o falso argumento de que estavam em busca de armas químicas.