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Por que evitamos mais o contato público: introversão ou indelicadeza?

Camiseta dos indelicados - Divulgação
Camiseta dos indelicados Imagem: Divulgação

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, colaboração para o TAB

20/12/2019 04h00

"Desculpa o atraso, eu não queria vir." A frase estampa camisetas que fazem sucesso nas redes sociais. Numa mistura do humor autodepreciativo com a onda de curtir a própria companhia e sextar sozinho em casa, é fácil encontrar na internet produtos que glorificam a falta de sociabilidade.

"As pessoas muitas vezes estão sem paciência, com mais pressa, mais irritadas. Tudo isso vai prejudicando o contato social", avalia a psicóloga Cristiane Maluhy Gebara, mestre em Psiquiatria e professora do Programa Ansiedade (Amban), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Se você chegou aqui porque se considera introvertido e já está pensando em ir embora, calma. Ninguém está aqui para criticar esse perfil (muito menos a autora do texto, introvertida confessa).

Aliás, não há problema nenhum em precisar de um tempo para recuperar a energia, observa a psicóloga Josie Conti. "O introvertido precisa ter um espaço para recarregar, precisa de mais tempo sozinho", explica, ressaltando que as pessoas costumam confundir introversão com timidez. Os tímidos têm mais dificuldade de interagir e podem evitar contato porque causa certa ansiedade. Para os introvertidos, socializar pode ser supertranquilo, mas eles precisam de um tempo solitário para descansar e recuperar a energia, esclarece a especialista.

Então, que fique claro: ser tímido ou introvertido — e postar sobre isso nas redes sociais ou estampar no peito com uma camiseta — não tem nada de errado. Aliás, tem muito contato social que até os mais extrovertidos gostariam de evitar.

Entrar numa loja e ser perseguido por um vendedor insistente, que quer te mostrar tudo e "empurrar" uma venda, por exemplo, não é nada agradável. Prova disso é um tuíte que viralizou no início de novembro. Uma foto mostra duas opções de cestinhas de compras em uma loja: uma das pilhas, com cestas vermelhas, tem o aviso "gostaria de ajuda!"; a outra, cinza, diz "gostaria de comprar sozinho(a)!". Tem quem diga que a iniciativa foi originalmente da marca de cosméticos sul-coreana Innsfree, que também tem o sistema em suas lojas, mas a imagem mostra uma unidade da Sephora.


Foram mais de 240 mil curtidas e quase 60 mil retuítes no post de Cami Williams. A foto já havia aparecido no início de 2019 no Facebook, mas acabou viralizando só agora, na rede social do @jack. Dentre os comentários, dezenas sugerem que outras lojas copiem a ideia. "Meu Deus, por favor, façam isso na Lush, eu quero uma bath bomb, mas é um abuso de horror sorridente por lá", escreveu uma mulher em resposta.

O mercado começou a perceber que queremos mais espaço pessoal e transformou a tendência da pouca sociabilidade em marketing. Mas até que ponto evitar o contato social antes mesmo de ele acontecer é saudável?

A iniciativa do Sephora e da Innsfree fizeram sucesso, mas há exemplos similares bastante criticados. Lembra da opção silenciosa anunciada pela Uber? O serviço Comfort, em que o passageiro pode escolher antes de entrar no carro se quer ou não conversar com o motorista, foi alvo de fortes críticas nas mesmas redes sociais.


"Não podemos demonizar o serviço, mas temos que estar atentos ao uso que cada um faz dessa função, que ainda por cima é um artigo de luxo", observa Josie sobre o "Uber silencioso", como foi apelidado. "Pode ser uma esquiva por cansaço, por excesso de trabalho, inabilidade social, tristeza. Pode ser muita coisa", observa. Mas ela não tem dúvidas que o serviço acaba desumanizando o motorista ao colocar nas mãos do passageiro a possibilidade de bloquear o contato social.

Nesse caso, a tecnologia vira uma faca de dois gumes: vem para nos conectar, mas também para ajudar a nos fechar. Com tantos estímulos disponíveis no celular a qualquer momento, parece ser cada vez mais necessário encontrar barreiras de comunicação para se proteger.

Entram em cena as novidades que prometem preservar nosso espaço pessoal. Hoje já dá para flertar sem nunca ter visto a outra pessoa ao vivo, fazer compras no supermercado sem conversar com um atendente de caixa, resolver problemas com serviços por meio de conversas automatizadas com robôs... Além de tudo isso, desconectar e ficar inacessível virou luxo porque arrisca perder aquela mensagem importante da chefe ou um e-mail urgente de um cliente. "Quando você trabalha tanto, chega um momento em que já não tem energia para entregar mais nada ao outro", diz Josie.

Fobia social

Será que estamos tão esgotados assim que ficamos mais fechados, ou o mundo está virando um lugar mais confortável para quem prefere ficar sozinho? A autora KJ Dell'Antonia fez essa pergunta sobre si mesma em uma coluna de opinião no New York Times, em 2012.

"Eu sou tímida, sim. Mas será que também sou rude? Em uma competição entre minhas boas maneiras e minhas preferências, estou deixando minhas preferências vencerem?" Spoiler: ela confessa que sim. No fim do texto, em tom de autocrítica, percebe que está deixando o egoísmo falar mais alto ao pensar sempre em si mesma sob a justificativa de ser introvertida.

Mas nos últimos sete anos muita coisa mudou, e as problematizações da internet ajudaram a levantar algumas questões importantes sobre o assunto, incluindo pessoas com autismo e fobia social nessa discussão.


O post acima mostra um dos três tipos de broches distribuídos na conferência Ignite, da Microsoft, no início de novembro de 2019 em Orlando (EUA). "Fale comigo a qualquer momento", "Fale comigo se você me conhecer" e "Não fale comigo" eram as três opções, de acordo com o post do autor e designer de jogos Wade Rockett.

Nos comentários — além de sugestões de outras opções engraçadinhas, como "por favor, fale comigo, eu sou péssimo em começar conversas mas gostaria de conversar" — há uma discussão sobre o propósito dos pins. Enquanto alguns argumentam que não faz sentido participar de uma conferência se você não quer conversar com ninguém, outros dizem que pode ser uma boa para pessoas que têm ansiedade ou estão no espectro do autismo (cujo símbolo é uma peça de quebra-cabeças, como no broche).

Cortar o contato social antes mesmo de ele acontecer pode parecer atrativo para os tímidos e introvertidos, mas é ainda mais irresistível para quem tem fobia social, caracterizada pela ansiedade extrema em situações sociais ou nas quais tem o desempenho testado, como em uma apresentação no trabalho, por exemplo.

Especialista na condição, Cristiane Maluhy Gebara explica que essas pessoas podem optar por serviços como o Uber silencioso por conforto, mas isso não é exatamente benéfico para o paciente. "A terapia cognitivo-comportamental é o tratamento mais cientificamente comprovado para a fobia social. E uma das principais técnicas é a de exposição gradativa", diz a professora.

"Existe sim uma questão de a tecnologia piorar (a fobia social). Se é uma pessoa que fica em casa, isolada, jogando videogames, por exemplo, fica mais reclusa ainda. É um prato cheio", afirma Gebara. Ela pondera, no entanto, que a tecnologia pode ser usada a favor de quem tem a fobia. Aplicativos de relacionamento e redes sociais podem ajudar com um primeiro contato que a pessoa dificilmente teria ao vivo.

Cristiane, que idealizou um programa de realidade virtual para colocar pessoas com fobia social em situações controladas de interação, explica que pequenas conversas no dia a dia são como exercícios para os pacientes. Uma corrida longa de Uber poderia, por exemplo, deixar o passageiro mais confortável em interagir com o motorista e testar os limites de sua ansiedade, acostumando-se aos poucos com a situação.

Seja por fobia, introversão ou quem sabe até egoísmo, privação social constante é prejudicial, lembra Josie. "É até método de tortura. Cárcere privado, câmaras escuras... Coisas que tiram a pessoa da convivência com outros seres humanos são usadas como punição", lembra a psicóloga. "A princípio pode parecer uma opção, mas é preciso ficar atento para que isso não gere um comportamento crônico."