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Pandemia leva 'boomers' a se conectarem na marra para tentar sair da crise

Loja Jardins Modelo, levada para as redes sociais - André Ribeiro/Reprodução Instagram
Loja Jardins Modelo, levada para as redes sociais Imagem: André Ribeiro/Reprodução Instagram

Ana Carolina Soares

Colaboração para o TAB

20/07/2020 04h01

O tradicional cafezinho com o cliente agora vem na forma de chamada de vídeo ou mensagem de texto. "Durante os últimos três anos, amigos e colegas me cobravam uma presença digital. Agora, não teve outro jeito e precisei entrar 'na marra' nas plataformas", diz o empresário Carlos Eduardo Gayer, de 57 anos.

Dono da Clara Lua, uma distribuidora de alimentos em Curitiba fundada em 2003, todo dia ele pegava seu carro e visitava seus principais compradores — gerentes de hotéis, restaurantes e cantinas de colégios — para bater um papo e fechar negócios no "olho no olho".

Em março, a pandemia de Covid-19 acabou com esse ritual e Gayer viu seu faturamento despencar 70%. Para não falir, o empresário investiu cerca de R$ 1.500 em marketing digital, criou às pressas um perfil no Facebook e passou a vender seus produtos no Mercado Livre. "Não precisei demitir nenhum dos meus cinco funcionários. Eles faziam as entregas em caminhões, e agora tornaram-se responsáveis por despachar produtos via Correios, além de responder mensagens nas redes sociais", comemora Gayer, que diminuiu seu prejuízo mensal para 40%. "Sigo no vermelho, mas não corro mais risco de fechar. E ainda aprendi bastante, aprimorei minhas estratégias."

Se antes a área de atuação do empresário se resumia à Curitiba, hoje seu alcance se ampliou para Porto Alegre e até Manaus. "Meu negócio se transformou de regional a nacional e permanecerá assim também quando a quarentena acabar." Seu próximo passo? Abrir uma conta no Instagram até o fim de julho e expandir a loja virtual por lá também.

A rede social de postagem de fotos salvou o negócio de Nelson Simeão, de 83 anos. Mais do que isso, o proprietário da Jardins Modelo, loja de jardinagem em São Paulo, tornou-se um verdadeiro influencer, dono de um perfil com quase 80 mil seguidores conquistados em pouco mais de um mês.

O caso de Simeão retrata bem o fenômeno de pessoas que precisaram se conectar "à força" nas redes sociais por causa da pandemia. Em abril, com quase R$ 100 mil em dívidas, colocou ao lado do caixa uma plaquinha manuscrita com a mensagem: "Ajude-me a sair da falência: firma com 50 anos de vida". A ideia inicial era diminuir os frequentes pedidos de fiado ou desconto dos clientes. Mas um deles se comoveu e tirou uma foto do empresário com o apelo em mãos. A imagem viralizou, rendeu um perfil no Instagram e seo Nelson ganhou fama nacional, protagonista de uma reportagem de Ecoa.

"O movimento da loja triplicou, nunca vendi tanto na minha vida", celebra o empresário, que se prepara para negociar seus débitos no banco no próximo mês. "Até então, para mim, Instagram era coisa de comer", brinca o novo influenciador digital que, apesar do perfil bombado, só usa o celular para fazer ligações e mandar mensagens de WhatsApp. "Montaram a página lá para mim, mas não mexo com isso, não. Sou apenas o modelo das fotos", conta.

A publicitária Lu Medeiros criou a conta e a identidade visual da loja de Nelson no Instagram. Ela trabalha há 18 anos em marketing digital, possui uma empresa especializada no ramo, a The Marketing Arm Brasil, além de um projeto social, o Connectors, que pensa em inclusão digital para "desconectados" salvarem seus negócios. Após o sucesso do Jardins Modelo, ela criou uma campanha reunindo outros Nelsons, que além do nome em comum, possuem a mesma dificuldade com o mundo virtual. "Hoje em dia, quem não tem presença digital não existe", diz ela.

Após anos impulsionando marcas como Tommy Hilfiger e Ferrari, Lu percebeu que ela mesma deveria se promover e transformou seu Instagram no "Pitacos da Lu", em julho de 2019. "A pessoa deve se colocar como marca. E a marca, como pessoa", ensina. E qual a principal dica para se dar bem nesse mercado? "Autenticidade. Mesmo em casos de timidez, o usuário pode entrar aos poucos, primeiro com texto e voz, até evoluir para fotos, vídeos e lives. Só não vale criar um personagem, algo fake, que não corresponda à realidade", responde.

A empresária Day Santos, de 31 anos, e a dona de casa July Mansur, de 48, ambas de São Paulo, investem para estrear em lives. Day trabalha no combalido setor de eventos e, até o fim do mês, lançará um e-commerce de roupas. "Há cerca de dez anos, tive uma confecção, mas fiquei para trás e precisei fechar a marca, justamente por não acreditar no digital", conta.

Agora, com sua loja de uniformes praticamente parada, voltará ao antigo ramo. Dessa vez, todo o processo ocorrerá via plataformas e ela mesma será a porta-voz da marca. "Acabei de abrir para todos minha conta no Instagram, que era restrita, já estou treinando as lives no espelho e até comprei aquela luz especial", conta.

A dona de casa July Mansur foi além: desde junho frequenta sessões de coaching semanais para não se intimidar mais diante da câmera do próprio celular. Debutou no Instagram em março, com uma página de receitas. Até então, sequer mexia no Facebook. "Por causa da quarentena, passei a me sentir claustrofóbica, enclausurada. Mas depois que entrei na internet, reencontrei amigos e, melhor ainda, retomei minha vida profissional", conta.

Formada em jornalismo, Mansur largou o emprego como repórter no SBT aos 25 anos, quando engravidou. Hoje, mãe de cinco filhos "grandes e criados", espelha-se em Rita Lobo, do Panelinha, e quer ensinar a milhares de pessoas os truques de sua cozinha, até então, restrita à família. "Já recebi contatos de duas marcas, querendo me patrocinar", orgulha-se.

Via asséptica

Boa parte das cidades brasileiras já começou o processo de reabertura, mas o único lugar onde se consegue circular sem medo de pegar Covid-19 é na internet. "Antes da pandemia, a rua era o lugar onde se podia andar livremente, circular, espairecer. Hoje, não mais. Estamos em tempos 'assépticos', em que precisamos literalmente nos higienizar ao ficar frente a frente com o outro", diz Marina Roale, gerente de insight do grupo Consumoteca, que realiza consultorias sobre tendências.

A pesquisadora faz uma analogia curiosa: compara quem entrou nas redes sociais recentemente, durante a pandemia, a pessoas que chegam a uma festa durante seu auge. Difícil no início, o convidado sente-se um pouco deslocado, mas dá para se entrosar, numa boa. "Mesmo os baby boomers, geração nascida entre 1945 e 1964, perceberam que o mundo virtual também pode impactar o mundo real. Eles também passaram a entender e seguir os códigos", conta.

Um deles, migrar a "persona profissional" para o online. "Todos nós somos múltiplos. Por exemplo, a linguagem que mantemos com nossos filhos ou em um churrasco com amigos não é o mesmo comportamento adotado em reuniões corporativas. E não se trata de falsidade, mas de adaptação e bom senso", ressalta Roale.

De acordo com a pesquisadora, o que mais intimida nas redes sociais é o temor de não se comportar direito e sofrer um julgamento. Ou seja, enfrentar o temido cancelamento — o boicote nas redes sociais. "Personalidades recebem esse veredito normalmente ao atacar algum código ou um grupo. O tempo normalmente faz o 'descancelamento', ainda que leve meses, como deverá ser o caso da musa fitness Gabriela Pugliesi, que ainda não voltou a postar após a sua polêmica festa da Covid", diz a pesquisadora. "Mas não tem jeito: com ou sem medo, precisa se conectar. Quem não souber lidar com seu modo online corre o risco de simplesmente não existir."