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Coach quântico diz mudar vibração das pessoas, só não convence cientistas

Simon Migaj/Unsplash
Imagem: Simon Migaj/Unsplash

Madson de Moraes

Colaboração para o TAB

07/01/2020 04h00

Cura quântica de anjos, negócios quânticos, epigenética quântica, DNA quântico, terapeuta quântico, apometria quântica, elixir quântico, eclipse desperta luz quântica, alinhamento quântico, coach quântico para depressão, relacionamento e até fertilidade. Os chamados "coaches e profissionais quânticos" estão entre nós.

Eles alegam que, para algo bom acontecer, bastaria vibrarmos positivamente para, em um "salto quântico", conseguirmos tudo em nossa vida. Basta mudar nossa "energia", "frequência" e "vibração". A hipótese seria corroborada cientificamente, dizem, pelas "revelações" pela física quântica.

Some a esse discurso uma coleção de concepções místicas e esotéricas, unidas a uma série de jargões científicos cruzados com pesquisas e teorias pseudocientíficas, a maioria sem endosso da comunidade científica tradicional e shazam: você terá uma vida novinha em folha.

O que é preciso entender, apontam os físicos ouvidos pelo TAB, é que essas interpretações extrapolam as evidências experimentais exigidas pela ciência. O debate filosófico sobre a mecânica quântica é natural, mas até hoje nenhum cientista desenhou uma equação quântica para atrair a alma gêmea de alguém.

O universo não é Papai Noel

A internet hoje é um celeiro de textos e vídeos com profissionais associando todo tipo de esquisitice à física quântica. No YouTube, um coach diz que câncer é resultado de nossas crenças. Em um congresso sobre "saúde quântica" em Florianópolis, realizado nos dias 23 e 24 de novembro de 2019, um dos palestrantes contou para o público que, graças ao "acesso" que teve ao "campo quântico" por meio da sua consciência, hoje tem uma BMW e um apartamento de frente para o mar. No Facebook, uma mãe conta que o filho autista melhorou de uma doença imunológica com algumas sessões de uma técnica "quântica".

Coaches quânticos - Camilo Jimenez/Unsplash - Camilo Jimenez/Unsplash
Imagem: Camilo Jimenez/Unsplash

O que os físicos pontuam é que não tem cabimento associar física quântica às nossas emoções e pensamentos, tampouco com sucesso e fracasso. Todas as definições dadas por esses profissionais para expressões da física e ciência, como "energia", "frequência" e "vibração", estão fora do contexto científico correto. O recado dos físicos é que o universo não é um Papai Noel e a física quântica não vai atrair dinheiro para sua conta ou mais clientes para seu negócio só porque você mentalizou, vibrou positivamente e o Universo "atendeu".

O quântico é pop

Com mais de 100 anos de existência, a física quântica é um campo do conhecimento descoberto no início do século 20 que revelou regras sobre o funcionamento do mundo "muito pequeno", onde estão prótons, elétrons, átomos e os núcleos atômicos. Os físicos descobriram que as regras das partículas subatômicas são totalmente diferentes das regras que regem o mundo macroscópico, explicado pela física clássica e regido pelas leis da mecânica newtoniana.

Nessa escala, muitas equações da física clássica deixam de ser úteis e assim entra em cena a física quântica, cujos resultados curiosos acabaram virando um prato cheio para o misticismo.

Desde a descoberta da física quântica, ela tem sido alvo de várias interpretações metafísicas e filosóficas, até por físicos premiados. Noções sobre a "Lei da Atração Universal" e a de que os pensamentos podem atrair o que quisermos não são novas.

Deepak Chopra durante congresso sobre saúde na Califórnia, em 2013 - lifescript/Wikimedia Commons - lifescript/Wikimedia Commons
Deepak Chopra durante congresso sobre saúde na Califórnia, em 2013
Imagem: lifescript/Wikimedia Commons

A extrapolação das teorias quânticas e o surgimento do misticismo quântico ficou pop a partir dos anos 1970, com a publicação de livros como "O Tao da Física", do físico austríaco Fritjof Capra. Nos anos 2000, as confusões quânticas foram recicladas em larga escala com livros como "O segredo" e o documentário "Quem somos nós", onde um dos principais narradores é Ramtha, o espírito de um guerreiro incorporado por uma mulher que teria vivido em um continente mitológico há 35 mil anos.

Hoje, há dois "papas" que impulsionam a autoajuda quântica no mundo. Um é o endocrinologista indiano Deepak Chopra, guru que diz ter nunca usado remédios na vida e nunca ter ficado doente. No seu livro de 1989, "Cura Quântica", ele oferece conselhos sobre como "derrotar o câncer, doenças cardíacas e até o próprio envelhecimento". O outro, também indiano, é o físico Amit Goswami, que em seus livros associa física quântica a tradições esotéricas e suas especulações com nossa consciência. Ao buscar pela palavra "quântica" no site da Amazon, são livros de ambos os autores as primeiras opções que o site traz.

Mas como a física quântica caiu nas mãos dos gurus? Uma pista que responde a isso, sugere Sadri Hassani, professor emérito de Física da Universidade do Estado de Illinois, nos EUA, pode ser encontrada na influência oriental dos anos 1960, quando a impopularidade da Guerra do Vietnã abriu as portas da cultura ocidental para as crenças místicas. "A infiltração do pensamento oriental na filosofia ocidental, a ascensão do misticismo no Ocidente e o caráter único da física quântica resultaram nessa infeliz relação com o misticismo", ressalta.

Os próprios criadores da física quântica como Niels Bohr, Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli e Erwin Schrödinger procuraram terrenos de conhecimento além da matemática e da física que pudessem "dar conta" da estranheza daquela nova ciência, e a filosofia era o único ramo secular do conhecimento que continha uma carga enorme de possíveis explicações interpretativas. "Eles desenvolveram uma forte afinidade pela teosofia oriental [mix das filosofias ocidentais e do pensamento asiático como hinduísmo e budismo] e, lamentavelmente, vincularam sua ciência a esse ponto de vista místico", diz.

Os físicos de hoje na maioria das vezes, garante Hassani, estão interessados nas ramificações teóricas e experimentais da física quântica. "A maioria não se preocupa com implicações filosóficas da física quântica porque eles perceberam que, se a tentarem entender em termos de filosofia, vão cair no ralo." A tentação de especular, no entanto, não abandonou completamente a comunidade da física.

Confusões quânticas

Uma confusão frequente é o conhecido experimento da "dualidade onda-partícula", onde qualquer entidade quântica, como um elétron e até um átomo ou molécula inteira, pode ser descrita como onda ou como partícula e o que determina isso é a forma como se interage com ela. Outra é o da "sobreposição de estados" que, grosso modo, afirma que, até ser medida, uma propriedade de uma partícula não está definida. É como se a partícula tivesse uma soma de todos os estados possíveis ao mesmo tempo. Como isso é possível?

Alguns fenômenos quânticos são intrigantes até para os físicos, mas isso não é motivo, reforçam, para que ela seja aplicada fora de contexto. O já descrito "salto quântico" é um fenômeno válido para um elétron na estrutura de um átomo, mas não é por causa dele que você vai atrair algo melhor para a sua vida.

"A física quântica não corrobora o fato de que podemos escolher a nossa realidade, nem nosso sucesso e nem nossa saúde", desmistifica o físico e professor do Instituto Federal de Santa Catarina Marcelo Girardi Schappo. Ele ressalta que, mesmo tendo esse lado intrigante, a física quântica hoje é muito bem-sucedida em explicar vários fenômenos do mundo dos átomos, todos comprovados e estudados em ambientes e experimentos controlados.

Física quântica - Hal Gatewood/Unsplash - Hal Gatewood/Unsplash
Imagem: Hal Gatewood/Unsplash

"O mundo macroscópico em que vivemos, embora dependa de diversas tecnologias baseadas na física quântica como GPS, ressonância magnética e a radioterapia, por exemplo, se comporta de acordo com a física clássica. Não existe 'salto quântico na vida', como dizem alguns profissionais em diversos vídeos no YouTube", esclarece o físico Marcelo Takeshi Yamashita, diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e diretor científico do Instituto Questão de Ciência. Ele conta que a Sociedade Brasileira de Física criou recentemente um conselho para verificar o uso indevido de termos relacionados à física, uma espécie de fact-checking (verificador de fatos) para combater as fake news e pseudociência sobre física.

O que faz um coach quântico

No Brasil, o chamado ativismo quântico tem em Wallace Lima um dos seus pioneiros. O coach quântico se define como divulgador da física quântica e pesquisador em "saúde quântica" e, em alguns de seus vídeos disponíveis no YouTube, ensina as pessoas a aplicarem física quântica no dia a dia, a mostrar como ela vê o choro e até a relaciona com viagem astral. Em outro, ele sustenta que doenças como Parkinson e Alzheimer poderiam ser curadas na "perspectiva quântica".

Em seus livros e vídeos disponíveis para o público, Lima ensina ainda as pessoas o "olhar quântico" sobre dinheiro e saúde e, no site, divulga e comercializa produtos quânticos, além de oferecer programas presenciais e cursos, gratuitos e pagos, que ofereceriam as chaves para o "despertar quântico". Em Seu Facebook, o "Salto Quântico Express" estava em promoção durante a Black Friday. "Minhas vivências são baseadas em conhecimentos científicos que mostram a interação entre mente e matéria. Não trago nada de achismo", afirma o coach.

Sobre as críticas que recebe, Lima rebate dizendo que a visão da física hoje ainda é materialista. "Muitos [físicos e cientistas] estão completamente desatualizados e eles falam o que eles aprendem nas universidades, que é essa lógica materialista e mecanicista da ciência. Eles estão na Idade da Pedra. Meu trabalho é integrar ciência e trazer o conhecimento de física quântica aplicada de forma que as pessoas acessem as possibilidades que estão disponíveis para cada um a partir da sua mudança vibracional", sustenta.

Outra expoente desse ativismo quântico no Brasil é a "psicoterapeuta vibracional quântica" Elainne Ourives que, de acordo com seu site, seria um dos "principais nomes da física quântica e da neurociência em todo o País". Ela diz ser uma estudiosa dos "poderes da mente" desde os 16 anos de idade, afirma ter lido 1.500 livros na vida e já ter investido mais de R$ 600 mil em estudos e formação. "Só ensino o que eu experienciei. Eu não quero mudar a cabeça das pessoas. Só quero ensinar o que aprendi, o que acredito e daria minha vida por isso, pois minha vida é de honestidade e verdade", diz ela.

Além dos livros que escreveu que associariam a física quântica a terapias, dos treinamentos que prometeriam revelar o "código secreto da mente quântica" ou reprogramar nosso DNA, Elainne também comercializa produtos quânticos. Um deles é o "elixir quântico", vendido por R$ 399 no site, uma garrafa com um cristal dentro que ela afirma ter importado dos EUA e que, de acordo com o que está escrito no seu site, conteria "todo o conhecimento científico mais avançado do mundo sobre o poder da água e dos cristais magnéticos na ação da autocura".

Coach quântico - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"Na física tradicional, os cientistas vão dizer que [a física quântica] só funciona no 'microcosmo'. O que eu, Elainne Ourives, faço? Eu entendo! Fui ateia por dois anos da minha vida, mas encontrei Deus na física quântica. Então, eu era um deles seis anos atrás. Precisei estudar e ter todas as comprovações para fazer meu trabalho com honestidade, fé e verdade", garante a psicoterapeuta.

Salto quântico #sqn

Para além das elásticas interpretações místicas e cósmicas feitas em nome da física quântica, todas descartadas pela comunidade científica, os cientistas ressaltam que foi graças ao entendimento da física quântica que conseguimos produzir feixes de radiação, aliados ao tratamento de câncer com radioterapia, e exames médicos de alta tecnologia, como a Ressonância Magnética Nuclear e o PET Scan. Os fenômenos quânticos também estão em ação em nossos computadores e aparelhos celulares, só para citar alguns exemplos do dia a dia.

"A física quântica não vai curar nada e não tem nada a ver com emoções ou energias das pessoas. É errado usar o termo quântico em qualquer coisa que prometa cura ou algo assim", afirma Gabriela Bailas, física teórica de partículas pela Université Clermont-Auvergne, na França. Em seu canal no YouTube, "Física e Afins", ela publicou alguns vídeos em que refuta a confusão feita por profissionais que utilizam a física quântica como "Biotônico Fontoura". "Muitos dos terapeutas acreditam que o que eles fazem é científico porque também foram confundidos por outra pessoa", lamenta.

Para Gabriel Landi, professor de física da USP, o que a física quântica pode oferecer aos coaches e terapeutas são apenas analogias. E a contribuição para por aí. "Um salto quântico é permitido para uma partícula elementar. Ele não ocorre para um objeto macroscópico no nosso mundo ou em nossa vida sentimental. Não acho que haja nada de errado com analogias. São ótimas, na verdade. O problema está em tentar dar embasamento científico para elas. Isso é errado", diz.

Cair no vão

Os físicos ouvidos pelo TAB reforçam que as interpretações extrapolam os limites das evidências experimentais.

Não ter controle sobre a nossa vida é mesmo incômodo. A ideia de que a consciência influencia o mundo físico parece reconfortante para quem busca alcançar um objetivo ("pense positivo porque você atrairá o que você quer") ou para quem falhou e quer de alguma forma se consolar ("você não conseguiu porque tem muita inveja em cima de você e isso atrai energia ruim"). "Mas, infelizmente, os conceitos que se aplicam ao mundo dos átomos não podem simplesmente ser estendidos para a vida como a conhecemos", afirma o físico Marcelo Yamashita.

"É fácil criticar e chamar os cientistas de materialistas, mas quem faz a crítica esquece que não negamos a existência da energia. Lidamos com ela o tempo todo, mas de forma muito diferente. Enquanto o místico faz uma afirmação do tipo 'tudo é energia', como se fosse um mantra que justifique ideias vagas que não podem ser checadas, cientistas são muito mais cuidadosos: buscam aplicações precisas para o termo, de modo que as previsões geradas pela afirmação possam ser verificadas experimentalmente", observa o físico Marcelo Schappo.

A física Isadora Migliori afirma que há pesquisas sendo conduzidas a partir de paradigmas oriundos da física quântica. Mas, ressalta, esta é também uma área repleta de desinformação. "Há pseudociência nessa área? Sim. Há pessoas que se aproveitam dessa onda de conhecimento e novas pesquisas para tomar aquilo como uma verdade absoluta? Sim. Hoje se junta tudo no mesmo balaio, todo mundo se diz quântico e a física quântica é invocada para todos os males."