'Gurus' do marketing prometem enriquecimento rápido e agitam internet
Você já se encantou ou se irritou com uma dessas promessas: "ganhe seis dígitos em sete dias", "aprenda a levar seu negócio ao patamar dos milhões", "vire um influencer agora", "fale tal língua do dia para a noite", "perca um monte de quilos e conquiste um corpo atlético em pouco tempo e com o mínimo de esforço".
O marketing digital popularizou-se. Na prática, trata-se de um jargão utilizado para definir uma tática de vendas que tem aumentado com o crescimento da audiência na internet, especialmente na pandemia, em que somos obrigados a fazer compras, negócios e até conexões pessoais virtualmente.
Pesquisas apontam um aumento de aproximadamente 60% no comércio digital em 2020. "A internet e as redes sociais se tornaram um campo de batalha louco, tomado por pessoas que buscam atenção do consumidor", observa Mitsuru Yanaze, professor de marketing e comunicação na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo).
Mais do que produtos, a maioria dos vendedores das redes sociais oferece cursos, e a plataforma mais utilizada por eles é a Hotmart, criada há 10 anos por João Pedro Resende e Mateus Bicalho, ambos de 38 anos. Eles se conheceram na faculdade de Ciência da Computação da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), em 2000.
Em abril de 2020, houve um crescimento de 176% no negócio dos jovens empreendedores, comparado ao mesmo mês de 2019. Hoje, o site possui 20 milhões de usuários, com mais de 200 mil produtos cadastrados nos mais diversos nichos, desde como aprender corte e costura até se capacitar para consertar eletrodomésticos.
Boa parte do cardápio refere-se a marketing digital. "Essa forma de comunicação permeia o nosso negócio e estamos sempre olhando para três pilares: educação, empreendedorismo e tecnologia", diz ao TAB Nathália Cavalieri, diretora de marketing da empresa.
Em 17 de junho, o pessoal do Hotmart acabou com a festa de parte de seus clientes. A equipe não confirma, mas estima-se que cerca de 50 cursos foram retirados do ar justamente por oferecer falsas promessas e práticas duvidosas, tais como ensinar a encher a caixa postal alheia de spam.
"Os produtos bloqueados pela Hotmart não chegam a 0,5% dos ativos em vendas, e é importante esclarecer que a empresa não excluiu o nicho de marketing digital da plataforma", ressalta Cavalieri. Após essa "limpa", ela diz que a equipe intensificou a divulgação dos canais de denúncia e investe em sistemas para identificar "professores" que infrinjam os termos de conduta da marca.
O jogo do grito
"Na internet, a gente concorre com infinitas distrações: posts de festas, gracinhas de influencers, o gatinho fofo... Precisamos falar alto e de forma contundente para captar a atenção do internauta", ensina Dennis Okada, de 37 anos.
Especialista em lançar produtos e experts na internet, ele colocou no ar uma campanha nas redes sociais durante a pandemia intitulada "O Fim do Marketing Digital", em que supostamente mira bem contra seu ramo de atuação.
"Se você está estudando que nem louco para vender seu produto na internet, pare o que está fazendo e veja esses vídeos", avisa. E completa afirmando que quem desobedecer poderá perder dinheiro. "Sinto muito, mas você está condenado a acabar!", diz, sério, enquanto encara o internauta e aponta para a câmera.
O marqueteiro apresenta sete vídeos com cerca de vinte minutos cada e somente no quarto revela a "única saída possível" para a tragédia financeira: um curso de Day Trade com Ícaro Di Gaspare, seu amigo de adolescência.
Okada gastou cerca de R$ 500 mil para lançar a campanha e, apesar da repercussão negativa de seu discurso, considerado apelativo, superou o faturamento de R$ 4 milhões.
"É claro que não acredito no fim do marketing digital. Pelo contrário, considero uma linguagem que deverá se tornar ainda mais popular nos próximos anos. Mas desenvolvi uma técnica para chamar a atenção do internauta e, infelizmente, o ser humano se impacta mais por emoções negativas do que positivas. Basta ver o quanto a tragédia tem espaço em todas as mídias", diz.
Okada conta que acredita e utiliza seu "Método Ícaro", opera a bolsa de valores todas as manhãs, mas não se tornou milionário como day trader. Em compensação, já faturou cerca de R$ 50 milhões desde 2015, lançando experts e produtos digitais.
Sem concluir nenhuma faculdade, conheceu o marketing digital em 2015, em cursos de Conrado Adolpho e, principalmente, Erico Rocha, de 42 anos, guru de Okada e principal referência sobre marketing digital no Brasil. "Devo minha vida a ele. É amado ou odiado -- nesse último caso, sempre por incompetentes, pessoas quem não conseguiram fazer os '6 em 7' e ficam reclamando", decreta Okada.
O 'milagreiro' da área
O jargão "6 em 7" significa conquistar seis dígitos em vendas durante sete dias. Quem vê os vídeos de Erico Rocha, autor do mantra, descobre que é preciso cerca de um ano de trabalho árduo, fazendo conteúdos gratuitos na internet, investindo em vídeo, conquistando seguidores e audiência.
Especialista em computação, Rocha abriu um negócio online de leilões de imóveis em 2009. Para bombar na internet, recorreu ao curso "Product Launch Formula", do americano Jeff Walker. O método se baseia em vendas com uso de gatilhos mentais, ou seja, oferecer o produto ou serviço despertando emoções, como "escassez" (frases como "corra que está acabando"), "prova social" ("milhares de pessoas compraram e aprovaram, veja os depoimentos") e "curiosidade" ("leia esta reportagem até o final que garanto, você se surpreenderá!").
Rocha gostou tanto que desenvolveu uma parceria com o guru gringo e importou o "Fórmula de Lançamento", a versão brasileira lançada por aqui em 2012. Estima-se que fature mais de R$ 30 milhões ao ano, vendendo cursos e mentorias que custam entre R$ 6.000 e R$ 75 mil por pessoa. Com milhões de fãs e também haters, Rocha tornou-se avesso a entrevistas. Procurado três vezes pela reportagem de TAB, não quis dar declarações.
"Conheço o método 6 em 7, já testei e dá resultados", diz Ana Tex, consultora em marketing digital há 15 anos. "Mas não tem milagre: se você não tiver um produto bom e não usa os gatilhos com ética, verdade ou mesmo eficiência, certamente vai fracassar.
Italo Rogério Bresqui, advogado em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, desapontou-se tanto com as promessas de Rocha que o acionou na Justiça. Pede cerca de R$ 40 mil, soma que contempla devolução do dinheiro investido e também dano moral. "É até pouco! Fui tão seduzido que perdi cerca de R$ 150 mil", afirma Bresqui.
Outro caso polêmico é o de Elton Itokazu, de 33 anos, dono da empresa Ydea Marketing Digital. Formado na Kio University, no Japão, veio para o Brasil em 2012 e logo começou a trabalhar no ramo. Em 2015, prestes a falir, conheceu o método de Rocha. Maratonou os conteúdos gratuitos do guru, seguiu a fórmula e fez o famigerado "6 em 7" logo na primeira vez (algo raro, segundo o próprio Rocha afirma em seus vídeos). Passou a dar aulas sobre o tema e, no fim de 2018, Itokazu e seus alunos ingressaram no Insider. Só que o jovem acabou expulso pela equipe de Rocha. Agora, o ex-discípulo pede na Justiça reaver o dinheiro investido. "Acharam que eu estava tirando seguidores dele durante o curso, mas na verdade, levava os meus. Ainda assim, sigo admirando Rocha", conta.
Itokazu desenvolveu método próprio para ensinar a vender na internet e diz que desde 2019, mês ou outro, chega a alcançar o faturamento de sete dígitos. Ele vai na contramão da fórmula famosa, em que a primeira etapa para conquistar seguidores é oferecer conteúdo gratuito. Para o jovem professor, tudo precisa ser pago, mesmo que por um valor baixo (os cursos dele custam a partir de R$ 97).
Velho novo marketing
"Empacotaram como uma grande novidade, mas na verdade o marketing digital é uma tática bem antiga, criada em 1889 pelo norte-americano Claude Hopkins, nada mais do que a evolução da 'mala direta'. Só que, ao invés das cartinhas, esses apelos aparecem em nossas redes sociais", analisa Conrado Adolpho, especialista em marketing desde 2002.
Como exemplo, o especialista mostra a propaganda do sabão em pó Rinso, de 1958. "Até hoje os anúncios usam palavras, promessas e conceitos bastante emotivos e abstratos, como o termo 'revolucionário', 'rápido', 'eficiente', mas sem dar nenhum parâmetro. Ou seja, rápido é quantos minutos? E eficiente? Além disso, quem neste planeta sente alegria no tanque?!", afirma Adolpho. Para o marqueteiro, a verdade é a forma mais eficiente de propaganda. Atualmente, acrescentem-se também os ingredientes pessoalidade e informalidade.
Até mesmo grandes marcas têm trocado a promessa pela autenticidade nas propagandas. A campanha publicitária de Dove "Beleza Real", de 2013, ganhou 14 troféus no Festival de Cannes. Na peça, um desenhista forense faz o retrato falado de "mulheres normais". Primeiro, elas se descrevem para o profissional. Depois, ele desenha com base no relato de um desconhecido que viu a "modelo". Os desenhos são comparados e a imagem descrita pela retratada é sempre a pior. A campanha discute, assim, a autoestima feminina. "Todo o enredo é tão real e emocionante que até eu choro quando vejo!", admite Dorinho Bastos, professor livre-docente do curso de publicidade da ECA-USP.
Será que seguiremos dominados pelas emoções e pelos verbos imperativos, ou em algum momento, seremos mais impactados pelo racional e prático? "Tecnologias como inteligência artificial, geolocalização e até reconhecimento facial serão usadas pela propaganda e marketing para conquistar o usuário, em campanhas praticamente personalizadas", diz Felipe Chibás Ortiz, representante para a América Latina e Caribe do GAPMIL, Aliança Global Para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional, liderada pela UNESCO. De acordo com especialistas, o marketing ficará cada vez mais pessoal e emotivo (ou até, apelativo).
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