Dez anos de Instagram: como a rede social influenciou nossa vida offline
Você lembra como era a vida na internet em 2010? O Orkut ainda era a rede social mais popular no Brasil, com 36 milhões de usuários no país segundo reportagem do UOL daquele ano, e o Facebook começava a ganhar tração por aqui, com 9 milhões de contas brasileiras. O mesmo artigo traz a informação de que gastávamos, em média, quatro horas por mês nas redes sociais.
Dez anos mais tarde, quatro horas é quase o tempo diário de uso das redes pelos brasileiros. Escolhemos destinos de viagem, restaurantes, roupas, livros e fazemos cirurgias plásticas com base no que vemos online. Também nos organizamos em movimentos sociais, reencontramos amigos e familiares, guardamos boas memórias — e repostamos quando queremos nos lembrar delas.
Hoje, é difícil pensar em internet sem falar do Instagram, que completa dez anos em 6 de outubro, com aproximadamente 70 milhões de usuários no Brasil, o terceiro país com mais perfis na rede social, segundo levantamentos de plataformas externas, já que a rede não divulga dados locais. "O Brasil é um mercado extremamente importante para nós. O Brasil não é apenas um grande mercado, mas também ajuda a mover o Instagram para frente em termos expressão, criatividade, expandindo os limites ao usar nossas ferramentas", afirma Vishal Shah, Head de Produto do Instagram, em entrevista exclusiva ao TAB.
(Essa é a foto mais curtida no Instagram atualmente)
"O Instagram mudou tudo, né?", diz Daniela Arrais, jornalista e co-criadora da plataforma Contente.vc. Ela lembra que, quando lançou o blog Don't Touch My Moleskine, em 2007, e começou a se dedicar a produção de conteúdo na internet, o texto era a parte mais importante de um post. "De repente, surge essa rede que é via imagem e que supera a ideia de que sua rede social é formada só pelos seus amigos. A gente ficou completamente apaixonada pelo Instagram, muito entusiasmada."
"Gente" diz respeito a Arrais e à sócia, Luiza Voll, com quem criou o Instamission em janeiro de 2011. A cada semana, elas lançavam um tema para que as pessoas postassem fotos e marcassem o projeto, com o objetivo de chamar mais gente para o Instagram, rede que curtiram tanto. Deu tão certo que, seis meses depois, uma agência de publicidade entrou em contato para negociar uma missão patrocinada. Seria o embrião das parcerias entre marcas e criadores de conteúdo na rede aqui no Brasil.
Consumo e aparência
Hoje, os posts pagos fazem girar o mercado mundial de influencers, que vale US$ 2,3 bilhões, segundo levantamento da Statista. Não há nada novo em alguém famoso anunciar um produto. O que mudou, reflete Eric Messa, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e coordenador do NiMD (Núcleo de Inovação em Mídia Digital), é que agora nossas referências são também as pessoas "comuns".
"Com as relações mais líquidas, como definiu (o sociólogo Zygmunt) Bauman, a sociedade perdeu algumas referências que eram fortes para guiar e orientar suas decisões cotidianas. Sem isso, a gente precisa se organizar a partir de orientações de referências que estão no mesmo nível", opina ele.
Os influenciadores nascem nesse contexto: queremos conhecer e nos inspirar em pessoas que se parecem conosco. Essa necessidade não surgiu a partir do Instagram, diz o professor. Ela já estava latente na sociedade, mas a plataforma facilitou e potencializou a mudança.
Hoje, fica claro como a monetização do conteúdo — principalmente de quem quer vender diretamente na rede social — é um dos focos do Instagram. "Da nossa parte, vocês verão mais esforços nos próximos anos para ajudar as pessoas as monetizar diretamente e usar nossas plataformas para ganhar a vida, e acho que isso pode criar uma economia completamente nova para as pessoas", diz Shah.
Se por um lado as marcas e os empreendedores conseguem falar mais diretamente com seu público e trazer conteúdo mais relevante, por outro, a necessidade de consumo também se torna maior. "Esse formato de feed infinito faz com que a gente consuma mais, fique mais egocêntrico, faz com que a gente fique vendo constantemente não só propagandas, mas também outras pessoas ostentando o tempo inteiro, o que faz com que a gente queira consumir mais", afirma Priscilla Silva, pesquisadora da área de Direito e Tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
Muda a hierarquia social: pessoas "comuns" ganham relevância ao consumir e mostrar seus bens a milhões de seguidores, enquanto celebridades começaram a abrir suas vidas privadas para quem quiser ver. Em 2011, era possível seguir Justin Bieber, por exemplo, e interagir em uma foto que ele postou do trânsito de Los Angeles com um filtro azulado — o primeiro post do cantor na rede.
Autoestima
A linha do tempo de crescimento do Instagram, comprado pelo Facebook em 2012, coincide com a popularização dos smartphones. A foto de baixa qualidade de Bieber nos faz lembrar que essa foi uma rede social que nasceu para ser usada 100% no celular. Lembra que, no início, era preciso tirar uma foto pelo app para poder postar?
Isso ocorreu ao mesmo tempo em que a qualidade das câmeras dos aparelhos melhorava. Com a popularização do aplicativo, os próprios smartphones foram incorporando características como filtros e recorte quadrado para as fotos, que deixou de ser a única opção na rede apenas em agosto de 2015.
"Dez anos atrás, as câmeras dos celulares não tinham qualidade alta, e a possibilidade de aplicar um filtro e compartilhar isso com o mundo deu um conforto às pessoas", lembra Shah. "O Instagram cresceu, e a pressão para compartilhar conteúdo aumentou. Você, como indivíduo, tem mais gente te seguindo, há mais figuras públicas e criadores de conteúdo profissionais que vieram para o Instagram, o conteúdo que você vê também tendia a ser de maior qualidade."
A pressão aumentou, e a primazia pela aparência — que já era uma característica da sociedade moderna antes do Instagram, reforça Messa — foi amplificada. Pele perfeita, cirurgias plásticas baseadas em filtros e roupas instagramáveis são apenas alguns exemplos.
Em 2019, a rede social anunciou que não mostraria mais o número de curtidas nas fotos para evitar o ambiente de competição que estava sendo criado, principalmente entre jovens. O efeito das métricas de popularidade sobre a autoestima é difícil de mensurar, mas especialistas em saúde mental vêm alertando que as consequências do uso constante das redes podem ser graves. Outras mudanças, ressalta Shah, foram a criação dos stories — cujo conteúdo desaparece em 24h — e o fim da aba "Seguindo", que mostrava a atividade dos usuários, como as curtidas e quem eles começavam a seguir, e deixava muita gente se sentindo exposta. "Estou tentando colocar isso como uma cultura no nosso time: às vezes, tirar um produto do ar pode ser mais importante do que lançá-lo", diz o executivo.
Fenômenos como o FoMO (fear of missing out, ou o medo de ficar de fora, em tradução livre), já são tão frequentes que aparecem até em dicionário. "A gente precisa entender que, quando usa a internet, está também sendo exposto a várias decisões que no fundo são decisões políticas e econômicas. Não é só tecnologia", lembra Arrais. Em 2015, ela criou a hashtag #ainternetqueagentequer para levantar discussões sobre um uso mais saudável das redes.
Perfis que ressaltam o autocuidado, a saúde mental e até mesmo redução do consumo também fazem sucesso na rede. No Brasil, Shah destaca que esses movimentos ganham contornos próprios, destacando a comunidade negra e as ações pela positividade do corpo.
Instagramável
Além do foco na aparência, Messa avalia que, mesmo antes das redes sociais, a publicização da vida pessoal já era tendência — e o Instagram ajudou a amplificar isso. Tirar uma selfie no quarto ou no banheiro de casa, ou mesmo postar fotos dos ambientes, revela espaços da nossa vida que antes ficavam restritos ao convívio extremamente privado. Nem mesmo os convidados da casa tinham acesso à "área íntima" há poucas décadas, lembra o professor.
"As pessoas não se incomodam em tornar público esse segundo plano — o lugar onde ela está tirando uma selfie, que pode ser um lugar privado. Isso consequentemente faz com que esses ambientes tenham que ganhar um valor diferente", reflete ele. Um valor... instagramável.
Da decoração da casa à do restaurante, da apresentação de um prato à iluminação do bar, o mundo offline é calibrado para ficar bem na foto. As empresas perceberam inclusive que isso gerava publicidade gratuita e investiram para não perder clientes. Restaurantes começaram a adaptar seus pratos e ambientes, e em pouco tempo era fácil achar locais intagramáveis. Aliás, o adjetivo já chega até a museus e capas de livros. Resultado: muitos espaços começaram a ficar iguais — vide a febre do millennial pink em 2016.
O desejo de estar em um ambiente que fique bem na foto (e principalmente no feed) mudou também nossa forma de viajar. Locais antes inexplorados, e com pouca infraestrutura para receber tanta gente, viram o número de visitantes explodir após posts nas redes sociais de influenciadores e precisaram pedir que os turistas parassem de postar fotos com a geolocalização.
Antes, pesquisar uma viagem geralmente envolvia comprar uma revista sobre o destino ou um guia turístico. Há dez anos, já dava para procurar no Google os detalhes do destino e passear no Street View. Agora, pesquisando o local no Instagram, é possível até descobrir o melhor ângulo para a foto perfeita — tanto que não é difícil encontrar registros idênticos de uma mesmo local nas redes sociais, como mostra o perfil Insta Repeat:
Relações pessoais e política
O Instagram completa dez anos em meio à pandemia do novo coronavírus (que aumentou nosso tempo em frente às telas), a uma guerra comercial entre China e Estados Unidos que tem uma rede social (o TikTok) no centro do debate, e a movimentos no mundo todo que se organizam por meio de hashtags, como #BlackLivesMatter.
Há uma década, falar em redes sociais era papo leve, diversão. Hoje, pensamos mais sobre seu lado político e os efeitos que elas têm e continuarão tendo sobre nossa relação com o mundo e com as outras pessoas.
De sua parte, o Instagram afirma estar prestando atenção a essas questões e implementando mudanças. Shah cita a criação de uma equipe de equidade, com o objetivo de garantir acesso igualitário à plataforma para todos os usuários, independentemente de onde estiverem, da qualidade de sua conexão à internet ou de seu celular.
Quando questionada sobre qual seria o futuro ideal para as redes sociais, Dani Arrais diz desejar que a nossa atenção deixe de ser a principal moeda dessas ferramentas, para que sejamos mais protagonistas das escolhas que fazemos na internet, e estejamos menos a mercê dos algoritmos.
Para isso, é preciso primeiro compreender o funcionamento das redes, e trazer mais diversidade a quem define os rumos que elas vão tomar. "Se a gente tiver mais mulheres, mais pessoas negras, LGBTQIs construindo a internet, a gente vai conseguir deixar essa internet mais parecida com o mundo em que a gente vive, e não direcionada apenas a um tipo de modelo", defende.
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