'Ativismo instagramável' usa o design para tornar debates mais palatáveis
Quando um debate ganha relevância na internet, pode esperar: você provavelmente será impactado por alguma postagem relacionada ao assunto no Instagram. A rede social de fotos foi criada para priorizar o compartilhamento de imagens instantâneas com legendas curtas, porém, em um cenário social de tanta polarização, os mesmos feeds usados quase exclusivamente para o compartilhamento de cenas de ostentação e curtição são disputados agora por postagens com palavras de ordem e temas mais sisudos.
O que segue semelhante, nesse caso, é a identidade visual: com cores, tipografia e formas visualmente agradáveis — que acabam promovendo e facilitando a leitura curta —, o Instagram foi de rede social dos felizes a palco de debates como saúde mental, direitos da mulher, política e meio ambiente. Na rede social vizinha, o Twitter, já tem gente problematizando a politizada do Instagram. Vale compartilhar assuntos tão sérios de um jeito tão colorido?
Unindo o útil ao agradável
De acordo com a paulistana Gisele Prado, criadora do perfil Um Socorro À Meia-Noite, a ideia é tornar acessíveis assuntos que já circulam na internet, tornando as imagens mais atrativas e o texto mais descomplicado. Com quase 32 mil seguidores, o perfil começou como um blog em 2012, "como canal pessoal de desabafo", diz Prado ao TAB. Dois anos depois, a autora ingressou na faculdade de Design na Escola de Belas Artes. Ela decidiu unir a profissão de designer ao que considera seu propósito de vida: "ajudar mulheres que tenham sofrido as mesmas coisas que eu". O perfil fala sobre depressão, luta contra abusos e direitos da mulher.
O perfil dispensa fotos que causam desconforto — como imagens mais gráficas de violência — ou termos em juridiquês, que, segundo a designer, podem repelir o público que mais precisa de informações sobre o assunto. A concepção dos posts é orientada por profissionais voluntárias de direito e da psicologia. "É necessário falar com todas as mulheres, independentemente de política, ideologia ou religião. Queremos ser um ambiente seguro de conscientização e acolhimento", explica ao TAB.
O gaúcho Thiago Scherer, gestor de design da Mídia Ninja, que possui 3 milhões de seguidores, e integrante do movimento Design Ativista, conta que existe um olhar atento para o que as pessoas estão consumindo. "O ativismo se apropria da estética da publicidade. As pessoas conhecem e veem publicidade o tempo inteiro, somos bombardeados. Se a gente consegue se apropriar dessa estética e linguagem com um conteúdo em que acredita e que realmente importa, temos uma grande estratégia nas mãos", opina. Ele afirma que, se as criações têm um visual óbvio de ativismo, as pessoas evitam o conteúdo.
O Design Ativista fomenta a produção de peças relacionadas a atualidades, com ênfase em Brasil. A maioria dos que participam e publicam são artistas, que normalmente trabalham com publicidade em horário comercial. "O design é uma ferramenta muito potente para estar apenas nas mãos de grandes empresas e poderes", defende Scherer.
No grupo, a intenção não é que as pessoas disputem espaço para serem republicadas, mas que distribuam essas mensagens em seus perfis e alcancem mais pessoas. Apesar de o alcance importar, o designer ressalta que é fundamental ter sensibilidade e entender que assuntos mais delicados não cabem em certas abordagens visuais.
Militância instantânea
O imediatismo também é uma característica da rede. Quando um assunto se torna o centro do debate na internet, rapidamente surgem peças sobre ele. O perfil Contente.vc, com 127 mil seguidores, foi criado pela recifense Daniela Arrais e pela mineira Luiza Voll.
Arrais argumenta que essa rapidez é necessária porque existe um cansaço em meio a tantas injustiças, e também porque todos estamos aprendendo diariamente sobre diversos assuntos. Claro, existe também um caminho perigoso. "As redes sociais são especialistas em nos oferecer recompensas, né? A gente posta, se posiciona, 'fica bem na fita', contribui para a discussão no momento. No livro 'Falso Espelho: Reflexões sobre a autoilusão' (Todavia, 2020), a autora Jia Tolentino fala como as redes nos dão essa ilusão de que postar equivale a se posicionar. Precisamos ficar atentos a isso para não embarcar num fluxo de manada, e entender o que nos importa, em que causas queremos nos engajar de verdade."
Para Prado, do Um Socorro À Meia-Noite, antes da rapidez existe uma necessidade de posicionamento, tanto do perfil quanto do público, nas redes sociais. "Eu não diria que a gente precisa se pronunciar tão rápido. Precisamos tomar cuidado. Existe muita mentira na internet. Acho extremamente necessário, depois da busca da informação, um posicionamento." E é assim que posicionamentos com bonitos layouts ficam disponíveis nas redes. Ao ser impactada, a audiência compartilha palavras de ordem em seus Stories ou no feed do Instagram. Dessa forma, ninguém precisa ter habilidade de escrita ou ilustração para se posicionar nas redes sociais.
Para inglês ver?
Questionada se o comprometimento com as causas pode transcender as telas, Arrais acredita que sim. "Recebemos um retorno que gostamos de chamar de 'métricas afetivas' que vão além dos números que constituem as métricas de engajamento. As pessoas costumam dizer que foram transformadas pelo conteúdo. Aprenderam algo, viraram uma chavinha, estão repensando a relação com as redes. O design pode ser também o convite inicial para reflexões muito mais profundas", opina.
Sobre a preocupação em não se manter no campo superficial das discussões, sem ter acesso à educação efetiva sobre certos assuntos, Scherer vê a militância de Instagram como um primeiro passo. "Para uma pessoa ir atrás de um assunto de maneira mais aprofundada, não vai ser apenas vendo uma publicação, são várias. Temos que dar corpo ao debate. Por isso, é importante insistir e manter conteúdos rápidos, como pequenas provocações em imagens e mensagens. Leva tempo. A timeline é uma disputa, então nos fazemos presentes para criar oportunidades de compor o imaginário das pessoas."
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