A visita de Tio Spooky, o clarividente que faz limpeza espiritual em casa
Foi pura coincidência. Na quinta-feira, 19 de novembro, um dia escuro e chuvoso, tive o duplo privilégio de receber em minha casa os faxineiros Rodrigo Bonsaver e Maria Sebastiana da Silva.
Rodrigo, 45, é formado em administração de empresas, operou durante quinze anos no mercado financeiro e, desde 2016, graças a uma alegada clarividência e a um talento inato para lidar com fenômenos sobrenaturais, passou a realizar o que chama de limpeza espiritual a distância.
Ele "devolve" para Deus almas que ficaram presas no plano físico e transitam livremente pela casa das pessoas, tirando o sossego delas. Criador do canal "Spooky Houses" — que desde 2016 já amealhou 1 milhão de inscritos no YouTube — o clarividente mal consegue dar conta da demanda por limpeza em "casas assombradas". Tem mais: Rodrigo ainda se habilita a auxiliar na cura de enfermidades que vão de urticária a câncer, passando, claro, por casos graves de Covid-19. "Tratei de mais de mil pessoas", afirma.
Faxina física presencial
Maria Sebastiana, 62, estudou até o último ano do ensino fundamental, começou a trabalhar aos 13 anos em uma oficina de costura, foi operadora de linha em uma fábrica de brinquedos, trabalhou como arrumadeira em casas de família e se aposentou aos 50, como babá. Para complementar a renda de R$ 1.400, ela se mantém na ativa e, há quase nove anos, duas vezes por semana, faz faxina física presencial em minha casa. Remove o acúmulo de poeira, gordura e resíduos visíveis com vassoura, aspirador de pó, panos úmidos e produtos químicos.
Portador assumido de TOC (transtorno obsessivo compulsivo) de limpeza, eu diria que a ideia de ter dois profissionais operando uma varredura no lugar onde moro, no mesmo dia, me pareceu extremamente apaziguadora.
Alma drogada
A coincidência das visitas ocorreu porque Rodrigo, que chega a atender 30 pacientes por dia, conseguiu um "encaixe" naquela quinta-feira, dia em que Maria Sebastiana costuma vir à minha casa.
Danielle "Dani" Mozena, 34, mulher e administradora dos compromissos do clarividente, explica que ele não faz mais atendimentos em domicílio. Abriu uma exceção para o TAB, a fim de mostrar "como o trabalho funciona e o que é feito".
Rodrigo Bonsaver acredita que seres obsessivos do mundo espiritual podem cismar com humanos que apresentam compatibilidade com seu comportamento errático e grudar neles. Chama essas almas de obsessores.
"O morto que consumia muita cocaína se torna obcecado por viciados. Se o cara usou a droga em algum momento da vida, ele tem esse registro no seu corpo de energia e isso funciona como atrativo para os obsessores. Vale para um enorme leque de situações. Eles grudam também em pessoas atormentadas pela raiva, a luxúria, a mágoa, o desejo de vingança, e se alimentam disso."
Favela esquisita
Dani explica que, quando o canal ainda estava em seu começo, os dois costumavam ir à casa de pessoas que moravam perto deles e que se dispunham a deixá-los gravar o processo para postagem. Nesses casos, não cobravam nada. "Até que, um dia, nós fomos parar em uma favela esquisita no Jabaquara [zona sul de São Paulo], e ficamos meio assustados..."
Naquele atendimento, Rodrigo e Dani mostraram-se preocupados não só com as almas do outro mundo, mas com as deste também: "As pessoas saíram de casa para nos ver, e nos olhavam meio assim, sabe? Ainda por cima, tinha morrido um vizinho deles que era traficante."
Outras situações consideradas "estranhas" — o que quer que isso queira dizer nesse contexto — os levaram a colocar um ponto final na limpeza in loco.
"Teve uma senhora que nos recebeu com a filha, sem saber direito o que a gente fazia. Alguém disse às duas: 'Se eles vierem gravar em casa, vocês não pagam', e elas ficaram presas apenas a essa ideia. Só que o valor da sessão nem é tão caro, 100 conto, e a gente é extremamente profissional. Acabou que a mãe e a filha começaram a fazer muitas perguntas sem pé nem cabeça, e não nos deixavam ir embora...A moça ainda deu em cima do Rodrigo, pediu o telefone dele..."
A campainha toca
Passava um pouco das 16h quando o casal chegou à minha casa. Rodrigo é grande, robusto, articulado, um tipo que ocupa muito espaço físico e que pode, sim, com um simples esbarrão, amedrontar almas escondidas pelos cantos. Com 1,80m e 122 kg, ele parece ainda maior quando está ao lado de Dani, que tem 1,61m, 55 kg, cabelos avermelhados, pele translúcida e fala mansa.
Formada em teologia acadêmica, ela frequenta uma comunidade budista de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e conheceu Rodrigo graças a um amigo que assistia aos vídeos dele e pediu sua opinião a respeito das limpezas espirituais.
Dani conta que, quando o assistiu pela primeira vez, ficou impressionada com o conhecimento técnico de Rodrigo acerca de instrumentos do budismo. Procurou-o por e-mail. "Ele tinha sido demitido da Cia. Siderúrgica Nacional, precisava de alguém para assessorá-lo no canal e me chamou para conversar. Logo depois, me pediu em namoro."
Preâmbulo místico
Antes de começar a limpeza, Rodrigo faz uma longa preleção a respeito de sua experiência mística, religiosa e sobrenatural. Quer conquistar minha confiança e mostrar que não é clarividente porque decidiu, mas porque foi escolhido. Testemunha desde a infância de "fenômenos espirituais impressionantes", ele simplesmente não teve como evitar o assunto.
"Aos 6 anos, comecei a ver coisas estranhas na casa. Aos 10, me trancava no armário para meditar. Aos 14, fui atropelado por um Passat a 80 km por hora, na rua em que eu morava, e nada aconteceu. No momento do choque, me vi entrando em um túnel branco e encontrando com a minha bisavó, uma pessoa com quem eu nunca tive contato."
Convencido de que era um ser dotado de poderes sobrenaturais, Rodrigo buscou explicações em todos os credos. De família católica, começou a ler a Bíblia, foi atraído pelo espiritismo de Allan Kardec, fez incursões pelo judaísmo, pelo budismo, vasculhou a umbanda, o candomblé, estudou magia, esoterismo e entrou para a Ordem Rosacruz — cuja doutrina se baseia em um ocultismo trazido do Oriente para a Europa no século 17.
Para poucos
Ao final, encontrou-se em uma técnica disseminada por uma entidade filipina chamada Institute for Inner Studies, que, previsivelmente, é conhecida por pouquíssimas pessoas. Trata-se de algo muito exclusivo. "É um curso de difícil acesso, muito caro, tipo R$ 7 mil, ministrado por monges que vêm raramente ao Brasil."
Segundo Rodrigo, a técnica é "a mais evoluída" com a qual ele já se deparou. "Vários hospitais dos EUA a utilizam", diz ele, um tanto vago. "Os médicos chamam esses profissionais porque a força de cura é muito maior."
Para reforçar a ideia de que não há ninguém que faça uma faxina como a dele, Rodrigo chama a atenção para uma informação importante. "No Brasil, a execução da técnica virou algo bagunçado. Tem gente de má índole fazendo, não queremos nos misturar."
Passo a passo
Os atendimentos são realizados a partir de uma pré-seleção de pacientes, feita por Dani. Em geral, Rodrigo trabalha de madrugada, com base em fotos e vídeos enviados por e-mail. "A gente limita as visitas a seis casas por noite, porque senão fica muito exaustivo. Não se esqueça de que ele faz também os tratamentos, por volta de 21 por turno."
Em todos os casos, "para evitar o efeito placebo", o casal não comunica ao paciente o momento em que o tratamento da enfermidade será feito, nem a casa limpa. "A pessoa vai receber um e-mail, informando que ela foi tratada. A gente sempre dá um feedback, pede para avisar se ela se sentiu bem, se houve algum desconforto ou coisa do tipo."
De emocionar
Os dois citam seu currículo de curas e limpezas; dizem que há casos que "são de emocionar". "Tipo o pai que estava com Covid-19, na UTI, intubado, e viu a luz entrando no quarto, e no corpo dele. Do nada, abriu o olho e disse: 'Oi', e depois: 'Que porra é essa?'"
Em outra situação, conta Rodrigo, quando ainda fazia visitas presenciais, ele entrou em um cômodo da casa e viu uma criança de 8 ou 9 anos, virada para a parede, com a expressão de quem tinha morrido afogada.
"No mesmo momento, o dono da casa disse: 'Corta!' [a filmagem]. Eu perguntei por que, ele contou que o irmão tinha morrido no nascimento, sufocado pelo cordão umbilical. E disse: 'Esse vídeo não vai para o ar!'. Eu respondi que a gente cortaria aquela parte, mas não podia tirar o direito das pessoas de saber a verdade. O que estava ali acontece na casa de muita gente!"
Dordje tibetano
Rodrigo parece disposto a estender o relato de suas experiências noite adentro, mas minha curiosidade me leva a interrompê-lo. Sugiro que ele comece logo a limpeza. Com seu jeito bonachão, divertido, de paranormal boa praça, ele anuncia: "O bicho vai começar a pegar..."
Munido de um dordje — espécie de sino tibetano — na mão direita, o visitante adentra o corredor, determinado a desbaratar obsessores. No caminho, afirma que há nove seres vagando pela casa. E pergunta: "Você brigou com alguém nas últimas semanas? Ficou com raiva dessa pessoa, como se ela te sufocasse?" Sou assaltado por um misto de constrangimento e hilaridade, mas procuro manter o foco na limpeza.
Mulher animal
Em minha experiência com personagens autodeclaradas videntes ou clarividentes, percebi que posso adotar dois tipos de conduta:
a) me mantenho sadicamente quieto, enquanto espero que ela enxergue as almas por conta própria;
b) dou dicas do que ela deve ver, para acelerar o processo.
No primeiro quarto, decido presentear Rodrigo com uma dica. Comento que, sempre que passo pelo corredor, tomo a impressora instalada na mureta de alvenaria que dá para a varanda como um vulto. Alguém me espreitando.
Ele aproveita a deixa, e dá uma pirada: "Esse alguém só vem de madrugada. Se você passar aqui agora, vai ver um ser parecido com um animal. Ele é muito alto, mede cerca de 2 metros, e possui orelhas voltadas para trás. Uma pergunta: alguma amiga sua que dormiu aqui tem contato com animais? É uma mulher, dona de um canil..."
Infiltração espiritual
No teto do corredor, Rodrigo enxerga "um acúmulo de emoções que pode gerar infiltração e problemas na instalação elétrica". "Há o risco de o sistema de energia entrar em curto."
Ele explica a causa: "Sabe quando uma pessoa fica trancada em casa, e chora, bota tudo pra fora? Na hora em que ela sai para a rua, aquela energia fica em um canto, represada." Pergunto se dá para precisar a data do tal expurgo. Ele diz que não exatamente: pode ter sido um hóspede que já morreu, ou mesmo alguém que morou ali anteriormente. Sem conseguir expressar empatia, sou invadido por um terrível sentimento de culpa.
Pressão nas costas
Agora, estamos eu, o clarividente, Dani e o fotógrafo em uma extremidade da varanda de onze metros de comprimento. Ele olha para a outra ponta, e diz: "Percebe que ali tem uma energia densa, de alguém te observando?"
Nada.
Ele prossegue: "O pesar nas suas costas, a pressão quando você fica angustiado ou se sente sufocado, quem causa tudo isso é essa pessoa."
Em uma última tentativa de me fazer socializar com os seres do outro mundo, o clarividente me dá um cutucão. "Uma pessoa acostumada a lidar com a própria emoção conseguiria sentir essa energia. O ar muda, o ambiente fica diferente. Você não percebe isso?"
Embora não seja clarividente, eu enxergo, sem que Rodrigo diga nada, que a minha falta de fé o levou a murchar. Ele parece disposto a abreviar a visita. Não investiga banheiros nem cozinha. Diz, laconicamente, que ali não tem nada.
Espírito de porco
Apesar da garantia de que a limpeza é eficaz e definitiva ("a gente encaminha o obsessor [pra Deus], e ele nunca mais volta"), tenho motivos para suspeitar de que sobraram almas nada amistosas pelos cantos da casa. Passada uma semana da visita do casal, um vizinho truculento me ameaçou com uma arma porque se sentiu incomodado ao me ver tomando sol na cobertura do prédio — considerada área comum.
Dois dias depois, fui informado de que a placa mãe do meu computador havia se queimado e que, apesar de a máquina ser relativamente nova, a marca não disponibilizava mais a peça para a troca. Além da perda financeira, o "apagão" levou para sempre documentos importantíssimos, pessoais e profissionais.
Na segunda-feira 23, quando voltou para mais uma jornada de trabalho, Maria Sebastiana da Silva quis saber como tinha sido a faxina espiritual. Contei que senti uma certa dificuldade em identificar as almas nefandas que perambulavam pela casa. Mais eficiente que Rodrigo Bonsaver, Maria detectou no meu entorno um certo espírito obsessor de porco. "Custava colaborar com a limpeza?", perguntou.
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