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'Saio de casa para falar de amor': a fama dos carros de telemensagem no Rio

Márcia do Carmo, na homenagem a uma senhora de 80 anos, em Bangu  - Fabiana Batista/UOL
Márcia do Carmo, na homenagem a uma senhora de 80 anos, em Bangu
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, do Rio

28/04/2021 04h01

Um carro vermelho, decorado de bexigas amarelas, adesivos de coração e luzes de LED azul vira a esquina de uma rua de Bangu, bairro da zona oeste do Rio. Dentro do porta-malas aberto pisca um painel com os dizeres "Te Amo", "Felicidades" e "Paz", que vibram no mesmo compasso do "Parabéns pra você", gritado pelos alto-falantes. Logo adiante, na calçada, uma mulher que acabara de completar 80 anos espera o carro encostar na guia. O carro chega, para em frente à casa e a homenagem começa.

"Quem é a aniversariante do dia? É essa a princesa que completa 80 anos hoje?" anuncia Márcia do Carmo, 43, dona do "Márcia Telemensagens". A filha da aniversariante foi quem contratou o pacote, que inclui mensagens gravadas de familiares que não estão presentes, músicas preferidas e uma caixa de bombons.

Márcia produz homenagens há dezoito anos porque sabe o que sentiu quando, 20 anos atrás, recebeu algo parecido do marido e se apaixonou ainda mais por ele. "Nunca tinha visto nada parecido. A dona do carro de som [contratado por ele] veio de longe gritando meu nome com uma música muito romântica de fundo. Quando chegou, meu marido me presenteou com um buquê de flores", conta a empresária.

As possibilidades de demonstrar carinho através do "Márcia Telemensagens" são diversas e têm custos variados, dependendo do pacote e do local solicitado. Para os apaixonados, há o pacote "Loucura de Amor"; para os tretados, o pacote "Reconciliação". Em datas comemorativas, como o Dia das Mães, Márcia trabalha dobrado. Independente do trabalho, eles duram em média 1h.

Márcia não quis dizer quanto ganha. Os sábados são os mais solicitados. É ela mesma quem prepara, realiza a cerimônia e entrega o presente. Para dirigir o carro, queimar os fogos e ligar ou desligar o som, conta com o filho mais velho ou um funcionário.

Márcia do Carmo e a homenageada da noite, em Bangu, no Rio - Fabiana Barbosa/UOL - Fabiana Barbosa/UOL
Márcia do Carmo e a homenageada da noite, em Bangu, no Rio
Imagem: Fabiana Barbosa/UOL

Falando de amor

Márcia começou no ramo de homenagens com cestas de café da manhã personalizadas. O carro de telemensagens — chamado assim apenas como referência às homenagens via telefone — veio com o tempo. Como sabe que pode constranger os destinatários, só aumenta o som quando garantem que não será um problema.

O combinado, no dia em que a reportagem acompanhou Márcia, era de estar às 19h no endereço combinado. Moradora do bairro de Santíssimo, perto de Bangu, a empresária combinou com o filho de sair de casa às 18h20. Para realizar a entrevista, recebeu TAB em casa, onde mora com o marido e o filho mais novo.

Durante a conversa, Márcia rememora diversas histórias já vividas. As de amor a emocionam até hoje; reconciliações que não deram certo a fazem rir.

A empresária conta que o pacote de que mais gosta é o "Loucura de Amor", que acolhe todas as formas de amar. Lembra que uma vez um rapaz, do bairro de Inhoaíba, na zona oeste do Rio, quis surpreender o namorado na festa de aniversário e durante a homenagem, toda a família, que estava em festa, pediu para falar.

Porta-malas do carro do Márcia Telemensagens, aberto com som e painel em neón, no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Porta-malas do carro do Márcia Telemensagens, aberto com som e painel em neon, no Rio
Imagem: Fabiana Batista/UOL

O carro atual, um Agile 4 portas vermelho, substituiu um Celta cinza, que já rodou boa parte do estado do Rio. O primeiro veículo, um Gol Chaleira, não durou muito e, assim como os outros, foi comprado a prestação e compartilhado com seu pai — que sai com o carro adesivado de corações e tudo. O Celta, além da decoração com adesivos de corações e luzes simples, tinha uma sirene. Ao trocá-lo, a dona do carro decidiu substituir a sirene por luzes de LED, item cobiçado por todos os donos de carros de mensagens.

Antes de sair de casa, Márcia já está na função: checa se tudo está dentro do carro e sai um pouco antes do horário. Estaciona a algumas quadras do local, decora o carro com as bexigas amarelas e acende as LEDs. Naquela noite, ela e o filho pareciam ansiosos. Ao falar com a cliente, perguntou várias vezes se podia realmente ligar o som um quarteirão antes da casa.

Com o tempo, a dona do negócio desenvolveu certa sagacidade. Quando produz uma "Reconciliação", por exemplo, busca saber o que houve, e se recusa a ser protagonista do pedido de desculpas caso haja agressão envolvida. "Saio de casa para falar de amor. Não vou fazer uma suposta homenagem para alguém que foi agredida e falar que aquele homem que bate nela a ama. Se ele bateu nela, ele não a ama."

Trabalho aumentou na pandemia

Enquanto Márcia se apresentava, o filho estendia um tapete vermelho na rua, dando importância à cerimônia. Ele entregou uma coroa de plástico e um balão em formato de coração para a aniversariante e queimou parte dos fogos. Antes disso, higienizou todos os acessórios e microfones que foram utilizados.

Além da filha e da aniversariante, um pequeno grupo de familiares estava presente. A vizinhança saiu, de máscara, para saber o que acontecia na casa ao lado. E jovens, que jogavam bola na quadra em frente, pararam o jogo para, também, dar atenção à cena.

Márcia do Carmo e o atual carro de telemensagem - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

O momento singelo não acontece sempre. Márcia conta, com tristeza, que foi hostilizada por muitos vizinhos em regiões mais abastadas. "Uma vez, estávamos na Tijuca e, ao soltar os fogos de artifício, fui xingada por muitas pessoas de um prédio. Um homem foi até nós para ameaçar meu filho. Além disso, vi o presente, dado por outras empresas do ramo, jogado no chão. Mesmo que ganhe mais nesses bairros, prefiro trabalhar nas regiões de gente pobre como eu."

Segundo Márcia, os carros de mensagens, queridinhos dos cariocas de baixa renda, têm sido solicitados por moradores dos bairros de classe média-alta do Rio, na era de distanciamento social. E a clientela mudou. "Os mais pobres não tinham dinheiro para me contratar, e os mais ricos quiseram fazer algo que os aproximasse de quem amam e viram no carro essa opção."

Em 2020, por exemplo, datas comemorativas, como o Dia dos Namorados, antes comemorado no tête-à-tête, agora exigem soluções remotas. "Um rapaz me contratou para enviar uma mensagem à namorada no bairro de Guaratiba. Eles não se viam desde o início da quarentena porque ela havia desenvolvido síndrome do pânico, por medo do vírus." Emocionada, no meio das mensagens, a amada não se conteve e abraçou e beijou o namorado.

A concorrência também aumentou, e são ao menos dez carros de mensagens a mais nas ruas neste período. Mas Márcia fala com carinho dos colegas: "Aqui na zona oeste, vários amigos trabalham no ramo e tenho muito respeito por eles".

Na casa da octogenária, a homenagem foi emocionante. Durante as mensagens por áudio, tocadas em alto-falante, um afilhado lembrou da madrinha com voz embargada. A filha chorava ao lado da mãe, falando da felicidade de estarem juntas nesse momento da pandemia.

Lá pelas tantas, a aniversariante dançou coladinha a uma amiga a versão brasileira de "Aquellos Ojos Verdes". Aparentemente, contagiada pela felicidade de ser homenageada por pessoas tão queridas, sorria o tempo todo.

Ao final de mais uma noite de trabalho, a empresária diz, já no carro, que mesmo com os percalços, nunca vai desistir do ofício de tocar o coração das pessoas. "Meu objetivo é falar de amor, e é isso que vou fazer até quando for possível."