Edifício Holiday, uma joia da arquitetura moderna que agoniza no Recife
Um grupo de pessoas em situação de rua estava reunido na calçada do prédio. Sentados em volta de uma garrafa de cachaça, conversavam e revezavam goles da bebida e tragos de cigarro num início de tarde. Ninguém usava máscaras.
Em poucos minutos, uma mulher que acabara de acordar se aproximou e tentou participar da conversa, com cabelos ainda despenteados. Um homem sem camisa a empurrou, batendo nela. Os outros pareceram acostumados à cena. Ninguém interfere. A confusão terminou rapidamente. Em seguida, a mulher foi aceita no grupo, que cumprimentou a reportagem de TAB logo após notar nossa aproximação.
Cenas como essa têm sido cotidianas na Rua Salgueiro, em Boa Viagem, bairro de classe média na zona sul do Recife. O que já foi um local bastante movimentado, hoje serve de abrigo a poucas pessoas que passam as horas sem saber o que terão para comer durante o dia e não sabem o que enfrentarão à noite. Álcool e drogas, no entanto, são itens facilmente encontrados.
Tem gente que vai até o endereço para fazer doações de comidas e roupas e, assim, os atuais moradores do local vão atravessando os dias. A roda de pessoas em situação de rua se forma à sombra de um prédio monumental, interditado por determinação da Justiça há dois anos e dois meses. O risco de incêndio foi o estopim para a desocupação do Edifício Holiday, devido à avalanche de ligações irregulares encontradas durante inspeções do Corpo de Bombeiros e da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). O lugar que dava teto a aproximadamente três mil inquilinos, agora, exala abandono.
Em ruínas
Os corredores e janelas onde antes eram colocadas as surradas peças de roupas para secar agora estão vazios e deteriorados. As paredes já não têm cor. A agitação no hall de entrada que leva aos 476 apartamentos do prédio foi substituída por um portão fechado a cadeado. Não sobrou nada. Grades, esquadrias, portas? Tudo foi roubado.
Os vidros quebrados ainda estão pelo chão. Pedaços de concreto se desprendem das paredes. Não há mais nada que lembre os tempos passados. Só ficaram as lembranças. E o esquecimento. Silenciosamente, o Edifício Holiday pede socorro.
Localizado entre a Avenida Conselheiro Aguiar e a Rua dos Navegantes, dois dos endereços mais cobiçados do bairro, o Holiday hoje contrasta com os arranha-céus da vizinhança. Enquanto lá de baixo é possível ver os ferros aparentes da construção, na parte interna dos apartamentos -- aparentes devido à degradação da edificação --, o que se vê nos luxuosos prédios vizinhos são fachadas e varandas impecáveis. Tudo protegido por grades e muros altos. Morar naquele pedaço de terra custa caro.
Construído na década de 1950, o Holiday foi erguido como símbolo da arquitetura moderna. Na época, Boa Viagem ainda não tinha seus pomposos e gigantescos edifícios. Atualmente, pouca gente fala ou repara no gigante solitário. Com vista para o mar nos andares mais altos, os apartamentos do prédio eram lar de famílias humildes -- trabalhadores informais, barraqueiros de praia e aposentados -- quando foi interditado. Por muitas vezes, o nome do edifício esteve nas manchetes policiais.
Assassinatos e prisões aconteceram no local. Havia tráfico de drogas em seus arredores também. Mas nem sempre foi assim: o prédio foi construído para servir como casa de veraneio para as famílias abastadas do Recife. Gente que morava em bairros mais afastados da praia ou até mesmo em outras cidades pernambucanas comprou imóveis no Holiday para ter onde tomar banho e dormir nos finais de semana de lazer.
Também foi casa de herdeiros que vinham estudar na capital. Rapidamente, os apartamentos distribuídos nos 17 andares do edifício, cada um com 28 unidades, foram todos vendidos.
O nascimento do Holiday
A chegada do prédio foi um marco na cidade. A aposentada Djanira Santos, 82, lembra bem daquela época. "Eu e meus irmãos éramos jovens, e papai nos trouxe para mostrar o início da construção. Depois de inaugurado, viemos ver como ele ficou. É uma pena que um patrimônio como o Holiday esteja desse jeito. Tem uma arquitetura muito bonita", lamenta a aposentada, moradora do bairro.
O formato de meia-lua da construção chamava a atenção de quem o avistava. Nos dias atuais, apesar de imponente, o prédio parece invisível para quem passa em frente a ele.
Nos meses antes da interdição, apenas um dos três elevadores estava funcionando. Idosos e pessoas com mobilidade reduzida tinham prioridade para subir ou descer. Quem não tinha paciência para esperar o embarque optava pelas escadas.
Um dos pontos marcantes do Holiday, inclusive, são suas escadas. As paredes são pintadas de azul e formam um caracol gigantesco. Os cobogós também são destaque da arquitetura do prédio. Tudo isso ficou para trás.
O engenheiro responsável pela construção do edifício foi Joaquim Rodrigues. A obra foi considerada modernista para a época. Três tipos de apartamentos faziam parte do prédio: quitinetes, um quarto e dois quartos. E foi assim até a interdição. Com a desvalorização do edifício, o preço dos imóveis sofreu uma queda considerável. Algumas pessoas investiram suas economias no Holiday e são proprietárias de dois ou mais apartamentos no endereço.
A dor da saudade
Quem viveu no Holiday não vê a hora de voltar para sua casa um dia. Ou pelo menos receber uma indenização referente ao valor investido no imóvel.
Por 12 anos, o apartamento número 108, no primeiro andar do edifício, foi o lar do treinador de futebol e personal trainer Gerúsio da Luz, 66. Proprietário da unidade onde morava sozinho, ele também teve que deixar parte da sua história para trás quando os moradores foram obrigados a abandonarem suas casas.
Gerúsio guarda até hoje na memória a cena do último dia no Holiday, em março de 2019. "Fomos retirados das nossas casas como se a gente fosse bandido. Não havia necessidade de tantos policiais. Todos nós estamos muito tristes até hoje", pontua o ex-morador. Ele conta ainda que como morava sozinho e passava o dia trabalhando, não tinha convivência com o pessoal. O que mais tem saudade é da conveniência proporcionada pela boa localização.
Hoje, vivendo no bairro de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes -- cidade vizinha ao Recife --, Gerúsio confessa que evita passar pelo Holiday. Não gosta de estar frente a frente com o que lhe deixa triste e desesperançoso, como quem segue o ditado "o que olhos não veem, o coração não sente." Mas ele e todos os outros moradores sentiram e ainda sentem muito a desocupação do prédio. "Quando passo pelo Holiday, tenho vontade de entrar. Tudo o que eu vejo lá me deixa muito triste", completa.
O som que ecoava pelas janelas dos apartamentos deu lugar ao silêncio. Assim como os apartamentos foram todos saqueados, os 28 espaços comerciais que funcionavam no térreo também sofreram vandalismo. Muitos deles se transformaram em casas improvisadas.
Foi em uma delas que encontramos José Gomes da Silva Terceiro, 41, que disse ser conhecido na localidade como Marcelo. O entregador deixou o apartamento 1504, onde morava como inquilino, para viver na loja 11.
"Logo depois da interdição, eu arrumei uma casinha para morar perto do shopping e estava trabalhando. Com a chegada da pandemia, perdi o emprego e fui obrigado a voltar para cá. O dono desse imóvel me deixou morar aqui até que a situação seja resolvida", conta ao TAB. Mostrando a carteira de trabalho com um pedaço da foto roída por um papagaio, único documento que ainda tem, ele revela que sonha em arrumar um emprego.
Audiência
O que será feito do Edifício Holiday? É por essa resposta que os ex-moradores esperam até hoje.
Para tentar resolver questões pendentes do prédio e organizar o futuro do gigante abandonado, o juiz Luiz Gomes da Rocha Neto determinou a realização de uma audiência de instrução, no formato de audiência pública, no próximo dia 2 de junho. A reunião será realizada de maneira virtual e aberta à participação e manifestação de qualquer interessado.
"Espero que a Justiça seja justa com a gente. Não temos dinheiro suficiente para recuperar o Holiday. Estamos com uma expectativa grande para essa audiência. O metro quadrado naquela área ali custa, em média, R$ 10 mil. Não podemos perder os nossos bens desse jeito", ressalta o ex-morador Gerúsio da Luz.
Enquanto isso, o Holiday vai se apagando a cada dia. Aquele que já foi considerado o maior edifício residencial das regiões Norte e Nordeste — e também já foi chamado de favela vertical — espera por dias melhores.
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