Moradores de condomínio tentaram ajudar vítimas em chacina de Curitiba
As imagens da última segunda-feira (7) dificilmente vão deixar a mente dos moradores do Portão, bairro na zona oeste de Curitiba que jamais viveu alguma coisa parecida. O tenente da Polícia Militar Giuliano Tozetti mal havia chegado ao local para atender uma ocorrência e recebeu nos braços um bebê de aproximadamente seis meses. Assustado, chorando e sujo de sangue, o bebê foi carregado pelo PM, que o examinou para se certificar que a criança não havia sido atingida pelos disparos. Quando veio a certeza de que a criança não corria perigo, moradoras se prontificaram a acolhê-la, cobrindo-a com um agasalho e acalentando-a.
Eram pouco mais de 10 minutos depois das 21h quando os vizinhos foram surpreendidos por rajadas de tiros. Segundo a polícia, foram mais de 20 disparos feitos contra um Fiat Palio. As câmeras de segurança de uma das residências registraram todo o atentado. O veículo havia acabado de encostar na Rua Pinheiro Guimarães, deserta àquele horário, quando outro veículo — um Ford Ka branco — emparelhou e pelo menos três atiradores com pistolas dispararam contra o carro.
Segundo uma moradora que não quis se identificar, o que encontrou na porta de casa "parecia coisa de filme", mas logo os moradores perceberam que a cena que viam era ainda mais traumática do que esperavam. Dentro do carro estavam dois casais e três crianças (um menino de 7 anos e um de 2 anos, além do bebê). Cerca de 7 minutos após o crime, a polícia e as ambulâncias do Siate (Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência) chegaram ao local e constataram que a mãe do bebê, Bruna Bispo Dias, 20, e seu companheiro Anderson Olimpio Bueno Miranda, 28, já estavam mortos.
Ambos estavam no banco de trás do carro com as crianças. Bruna era mãe também de Guilherme, 2, que foi levado ao hospital as morreu horas depois. O casal que ocupava os bancos da frente foi internado com ferimentos graves, mas não corre risco de morte. Eles são os pais da criança de 7 anos, atingida na cabeça e morta no local.
Segundo o depoimento dos sobreviventes à polícia, os casais se conheceram há pouco mais de um mês. Anderson e Bruna haviam pedido uma carona. Naquela noite o carro saiu de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, com as sete vítimas. As imagens das câmeras mostram que, momentos antes do crime, Anderson saiu do carro e usou o celular. O casal dono do carro afirma que ele pediu que parassem no local, onde supostamente encontraria um conhecido. Os depoimentos reforçam a hipótese de que Anderson e Bruna foram alvos de uma emboscada, que acabou envolvendo também o casal que ofereceu a carona e as crianças.
Em entrevista coletiva em 8 de fevereiro, o delegado da Polícia Civil Thiago Nóbrega, responsável pelas investigações, afirmou que a principal suspeita até o momento é de que o crime seja consequência do conflito entre duas facções criminosas, em guerra pelo domínio de territórios para o tráfico de drogas.
Investigações inconclusivas
No mesmo dia, a pouco mais de dois quilômetros do local dos disparos, o dono de um mercado foi chamado às pressas para o seu estabelecimento. "Estava aqui perto quando me ligaram dizendo que o mercado estava pegando fogo. Quando cheguei, vi que o fogo vinha do carro que abandonaram aqui do lado", lembra o comerciante.
Com a ajuda dos vizinhos, conseguiram controlar o fogo até os bombeiros chegarem para evitar dano maior. "Só no dia seguinte fui saber o motivo de tocarem fogo no carro." O veículo era o mesmo utilizado pelos assassinos, um Ford Ka branco com registro de furto, e fora incendiado para eliminar qualquer vestígio que pudesse identificar os autores do crime.
Em 8 de fevereiro, a Polícia Rodoviária Federal localizou em Santa Catarina um outro veículo que havia sido roubado em Curitiba no dia do crime. O carro foi interceptado com um adulto e um adolescente de 15 anos, além de armas e munição. A investigação aponta que o carro pode ter sido o veículo usado na fuga, depois que os criminosos incendiaram o Ford Ka. Ainda não há confirmação de que as armas encontradas sejam as mesmas utilizadas no crime.
Procurado pelo TAB, o delegado Thiago Nóbrega disse que no momento não dará novas informações sobre o andamento das investigações.
O bebê, filho de Anderson e Bruna, foi ferido com um disparo no pé, mas passa bem. Ele foi encaminhado ao conselho tutelar e deve ficar sob a guarda da avó materna.
Mobilização de vizinhos
Naquele trecho, a rua Pinheiro Guimarães é estritamente residencial, bastante calma e nunca tinha sido palco de crimes violentos. Por isso mesmo, os moradores sequer cogitaram que o barulho pudesse ser de tiro. "A maioria achou que eram fogos de artifício", conta uma vizinha. "Moro aqui há 70 anos, sempre viajo, deixo a casa sozinha. Nunca me preocupei. Nunca vi nada assim por aqui."
Portão, bairro tradicional da capital paranaense, não costuma ser destaque de programas policiais. Os registros de inquéritos da Polícia Civil — que apresentam dados do início de 2017 até setembro de 2021 — mostram que, nos últimos cinco anos, foram registradas 10 mortes violentas no Portão, número baixo se considerado o tamanho do bairro, que tem mais de 40 mil moradores.
Os inquéritos de crimes contra a pessoa abertos nos nove primeiros meses de 2021 indicam uma média de 60 ocorrências por mês. A título de comparação, Água Verde, bairro vizinho sempre presente no ranking dos 10 metros quadrados mais caros da cidade, apresentou no mesmo período uma média de 51 casos por mês. Todos os moradores ouvidos pelo TAB ressaltaram o ineditismo do crime. "A região é muito tranquila. Em 30 anos, o máximo de que me lembro é de saber de algum furto a casas e um único assalto aqui na rua."
Após a fuga dos criminosos, os vizinhos saíram assustados de casa em direção ao carro. "A mulher que sobreviveu saiu pelo banco do carona, deu a volta no carro e abriu a porta para socorrer o menino mais velho [de sete anos]. Ela gritou por socorro com o menino nos braços", conta uma moradora. "Ela era a mãe do menino. Deitou ele aqui na calçada de casa."
Segundo a vizinha, moradores do condomínio com conhecimento de primeiros socorros tentaram ajudar, mas os ferimentos na cabeça eram muito graves e a criança não sobreviveu. "Ele ainda tinha pulso, mas tinha muito sangue no chão, pedaços de massa encefálica. Foi horrível", diz a vizinha. No dia seguinte, um dos moradores, um fisioterapeuta, lamentou. "Não pude fazer nada."
Outras moradoras ouvidas pelo TAB relatam que boa parte da população ainda está apreensiva, mesmo dias depois do atentado. "O que tranquiliza um pouco é saber que o crime não teve relação com o bairro. As duas famílias não eram daqui e os carros estavam vindo de outra cidade. Então sabemos que não teve motivo para que acontecesse aqui especificamente", afirma uma delas.
Mesmo assim, alguns ainda não conseguem sentir um clima de normalidade. "Minha sobrinha de 12 anos estava em casa. Não deixamos que ela visse os corpos, mas ela ficou muito impressionada, não quer mais ficar sozinha", conta uma moradora, enquanto caminhava pela rua com duas crianças. "É um trauma para todo mundo."
Na região, o que mais se ouve é o lamento pelas famílias das vítimas. "É muita dor e tristeza. O que quer que tenha acontecido, não poderia ter envolvido as crianças", resume uma senhora que mora em frente ao local, onde agora restam apenas as marcas de bala no muro, restos dos vidros do carro e dois chinelos — um de um adulto e outro de uma criança.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.