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Em Montevidéu, tambores voltam a ressoar nas comemorações do Carnaval

Desfile dos tambores da comparsa R. D. T. Playa Pascual, em Montevidéu - Ana Carla Bermúdez/UOL
Desfile dos tambores da comparsa R. D. T. Playa Pascual, em Montevidéu
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

Colaboração para o TAB, de Montevidéu

16/02/2022 04h01

"Está vindo, está vindo!", grita uma garotinha ao avistar as bandeiras gigantes que anunciam a chegada do primeiro grupo a participar das Llamadas, em Montevidéu.

A expectativa é grande e justificável. Depois de dois anos de espera devido à pandemia do coronavírus, os tambores voltaram, enfim, a ocupar as ruas e a marcar o Carnaval uruguaio com cores, ritmos e dança.

Um dos eventos mais esperados das comemorações carnavalescas no país, as Llamadas são o desfile oficial das "comparsas". Herança da cultura africana, esses grupos reúnem uma corda com cerca de 30 tambores, um corpo de baile e diferentes personagens que representam a cultura negra.

"Como não ficar feliz com a volta disso?", diz Julio César Cartagena, 69. Ele é tamboreiro na comparsa Lulonga há 15 anos, está animado para o desfile e não pensa em parar tão cedo. "Sair na 'comparsa' é o que dá vida", diz. "É uma grande satisfação estar aqui."

"Aqui", como destaca o tamboreiro, não poderia ser outro lugar a não ser a rua Isla de Flores, no coração dos bairros Sur e Palermo, onde se concentram as atividades afro-uruguaias em Montevidéu. Cercada por casas antigas e predinhos baixos, a rua foi testemunha da celebração de 25 "comparsas" que percorreram, na noite quente de quinta-feira (10), um trajeto de aproximadamente dez quadras em mais de quatro horas de desfile.

Julio César Cartagena, tamboreiro na comparsa Lulonga, festeja o Carnaval em Montevidéu - Ana Carla Bermúdez/UOL - Ana Carla Bermúdez/UOL
Julio César Cartagena, tamboreiro na comparsa Lulonga
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

No repique dos tambores

Assistir ao desfile é quase um ritual: gigantes, as bandeiras coloridas, com estéticas africanas, passam em voos rasantes sobre as cabeças de quem está na plateia. As mais animadas são as crianças, que levantam os braços na tentativa de alcançar o tecido e se divertem jogando espumas coloridas.

Depois das bandeiras, o som dos tambores — chamado "candombe" — não demora a chegar. Eles vêm se aproximando pouco a pouco, trazendo o calor da batida. Nos pés, os tamborileiros vestem sempre alpargatas brancas, em referência às sandálias utilizadas pelos escravos africanos. Potentes, as batidas dos tambores fazem o peito de quem estiver por perto estremecer por dentro.

Junto aos tambores vem a dança das bailarinas, com roupas brilhantes e sandálias altas. Vêm também personagens como o "gramillero" e a "mama vieja", que representam a sabedoria do homem e da mulher negros de idades avançadas. Animados, os jovens Keomara Itati, 25, e Ezequiel de los Santos Machado, 29, estão entre os "gramilleros" e "mamas viejas" desta noite de desfile.

Pouco depois de terem se conhecido, há 4 anos e meio, os dois passaram a fazer parte de uma comparsa de Carmelo, cidade uruguaia próxima à região da fronteira com a Argentina. Foram convidados a participar pela primeira vez das Llamadas em Montevidéu como parte de uma comparsa da capital.

Bandeira estendida durante as Llamadas - Ana Carla Bermúdez/UOL - Ana Carla Bermúdez/UOL
Bandeira estendida durante as Llamadas
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

"Por ser a primeira vez, ficamos muito nervosos e ansiosos. O sonho de todos do interior é chegar até aqui", conta o jovem. Sorrindo, Keomara conta que faz parte do candombe "desde que estava na barriga da mãe". Quem assiste ao desfile sente, de fato, a batida dos tambores ressoando no tronco, no peito, um processo que contribui para uma espécie de transe físico e mental.

Na plateia, cada repique diferente é recebido por gritos e aplausos. Terminada a passagem de uma corda de tambores, desce também o êxtase. Mas a calmaria dura pouco: logo aparecem outras bandeiras, que anunciam a chegada de uma nova comparsa com outro corpo de baile e outros tamboreiros.

Não é permitida a venda de álcool dentro do perímetro do desfile, mas, ao mesmo tempo, o consumo não é proibido. Como não há revista de bolsas ou mochilas na entrada, cada um acaba levando o que quiser, seja comida ou bebida. Entre os jovens, a bebida mais popular não é a cerveja, mas sim o fernet, servido com bastante gelo e coca-cola —um clássico drinque rioplatense.

O clima, ainda assim, é bastante familiar. Acompanhada do marido e da filha, Fernanda Hungoy, 42, veio assistir ao desfile pela terceira vez, na certeza de que encontraria um ambiente "tranquilo" e "alegre". Assim como a dela, outras famílias, até mesmo com bebês, se deixam levar pelo ritmo.

Fernanda Hungoy (no centro), com o marido e a filha para ver as Llamadas, em Montevidéu - Ana Carla Bermúdez/UOL - Ana Carla Bermúdez/UOL
Fernanda Hungoy (no centro), com o marido e a filha para ver as Llamadas
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

O impacto da covid-19

Um dos maiores atrativos turísticos do Uruguai, as Llamadas costumam reunir uma multidão nas esquinas e nos arredores do percurso do desfile. Mas, em 2022, as aglomerações deram lugar às restrições — a chegada da variante ômicron, no fim de 2021, fez com que os casos de covid-19 explodissem no país.

Hoje, os números são menos graves. A média móvel de novos casos em um período de 7 dias tem girado em torno de 8 mil, enquanto a média móvel de mortes tem ficado entre 20 e 30. São cerca de 3,5 milhões de habitantes no país, que tem 76% da população vacinada com duas doses e mais de 50% com a dose de reforço.

Entre as medidas para o desfile de Llamadas, ficou estabelecido um limite de 70% do público, controlado pela venda de cerca de 7.400 cadeiras, marcadas por zonas. Ou seja, nada de circular de um lugar para o outro. Houve controle do uso de máscara, mas apenas na entrada. Também ficou proibida a aglomeração nas esquinas, onde antes era possível assistir ao desfile de graça, em pé. Neste ano, cada ingresso foi vendido por 350 pesos (cerca de R$ 42).

Desfile dos tambores de uma comparsa, em Montevidéu - Ana Carla Bermúdez/UOL - Ana Carla Bermúdez/UOL
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

Vista privilegiada

Quem mora na rua Isla de Flores acaba tendo um lugar privilegiado na hora de acompanhar o desfile. Das calçadas, é possível ver gente assistindo e dançando do alto de suas janelas, terraços ou varandas.

Há também quem faça disso um bom negócio. A reportagem encontrou um anúncio de aluguel do terraço de uma casa que trazia duas opções: a primeira, por 4.500 pesos por pessoa (cerca de R$ 540), incluía jantar —com direito a aperitivos, churrasco e sobremesa— e três bebidas. Já a segunda, por 2.200 pesos por pessoa (cerca de R$ 265), dava direito a uma bebida.

Na noite do desfile, a reportagem foi abordada ainda por um homem que oferecia o aluguel da varanda do seu apartamento por 1.500 pesos por pessoa (cerca de R$ 180). Segundo ele, uma oferta "imperdível" pela "melhor vista do desfile".

Montevidéu é, via de regra, uma cidade de interações discretas. Assim como as comparsas chegavam e passavam, deixando suas marcas no momento, o desfile foi se dissipando naturalmente com o passar das horas.

Do lado de fora do perímetro, permanecia o cheiro das linguiças grelhadas nas barracas de "choripán", um dos lanches mais consumidos no Uruguai. No país conhecido por ter o Carnaval mais prolongado do mundo — começou em 20 de janeiro e prossegue até meados de março —, as festividades estão só começando.