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'Disneylândia' da maromba tem de apoiador de motociata a luta com armaduras

Criado por Arnold Schwarzenegger, festival reúne atletas, bodybuilders e expositores de nutrição esportiva a equipamentos - Daniel Lisboa/UOL
Criado por Arnold Schwarzenegger, festival reúne atletas, bodybuilders e expositores de nutrição esportiva a equipamentos Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o TAB, de São Paulo

03/05/2022 04h01

Muito se fala da má vontade do bilionário Elon Musk de acabar com a fome no mundo, mas um evento realizado em São Paulo neste final de semana concentrou quantidade de proteína suficiente para alimentar uma parcela considerável da população. Não na forma de suculentas refeições, mas de whey protein, o combustível em pó número 1 do mundo fitness e marombeiro.

A edição 2022 do Arnold Classic Brasil começou na última sexta (29), foi até domingo (1) e reuniu mais de 150 expositores, dez mil atletas de 40 esportes diferentes e cerca de 700 bodybuilders. O evento está para seu universo como a CCXP está para o mundo pop-nerd: nele, você encontra hordas de fãs entusiasmados, gente vestida a caráter e ídolos emocionando a multidão. Curiosamente, o ícone Arnold Schwarzenegger, criador do festival, pode muito bem ser tanto um ídolo pop quanto da malhação.

O encontro acontece nos Estados Unidos desde 1989 e chegou ao Brasil em 2013. Apresenta-se como "o maior evento internacional de nutrição esportiva, saúde, esportes, lutas, performance e fitness da América do Sul".

'A pressão te define'

O Arnold é a Disneylândia dos corpos sarados, ou de quem busca por um deles. Nela, o visitante encontra expositores de todos os tipos (nutrição esportiva, moda fitness, equipamentos), cursos, palestras e as mais variadas competições.

Tem lutas como jiu-jítsu, judô, caratê e muay thai. Tem campeonato de braço de ferro. Tem as modalidades clássicas como bodybuilding e Strongman. E tem aquelas modalidades que um visitante desavisado talvez não esperasse encontrar: combate medieval, esgrima de sabre de luz, xadrez e cubo mágico. Sim, cubo mágico.

"Quem encostar o joelho no chão será desclassificado na hora!", gritava ao microfone o instrutor que conduzia uma competição de flexões, promovida pelo estande de uma marca de nutrição esportiva. É a prova da paixão do público pelo fitness. As pessoas esperaram em uma (longa) fila só pela oportunidade de subir no pequeno palco e fazer flexões na frente de todos.

Várias marcas promoviam atrações do tipo em seus estandes. Em geral, ofereciam brindes como barras de proteína e garrafinhas de água. Em outra, o visitante entrava em uma pequena jaula onde havia halteres de 80 a 150 kg. A meta era conseguir tirar o peso do chão, fazendo o movimento correto, ao menos duas vezes — a fila de candidatos também era longa. O instrutor disse que 170 pessoas já haviam passado pela atração no sábado; na sexta, foram cerca de 125.

Quem não estava a fim de interromper o passeio para puxar ferro podia se entreter com algo menos cansativo, como uma maquininha onde, em vez de bichinhos de pelúcia, os alvos a serem pescados eram garrafas de água e potinhos de suplemento.

Havia também a opção de testar os limites da overdose proteica apenas experimentando todas as apresentações possíveis de whey protein à disposição. Shakes, barras, snacks, pastas de amendoim à base do concentrado de proteína eram vendidos por marcas que têm slogans como "no feelings, just results" (sem sentimentos, só resultados), "não há vitória na escuridão" e "the pressure defines you" (a pressão te define).

Patrocinadora de motociata de Bolsonaro, marca levou caveirão do Bope restaurado ao estande do evento - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Patrocinadora de motociata de Bolsonaro, marca levou caveirão do Bope restaurado ao estande do evento
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Bella, Bope e Bolsonaro

É um ambiente que pretende te incentivar a tirar as nádegas do sofá e, se possível, começar a definir seu peitoral ali mesmo. Também é muito barulhento. A trilha sonora típica de academia era tão alta que inviabilizava qualquer diálogo.

"Eu brigava para trazer o Arnold ao Brasil desde 2003. É um setor [de nutrição esportiva] que vem crescendo muito. Em 2012, era um mercado de US$ 300 milhões. Hoje, chegamos a praticamente US$ 2 bilhões [R$ 10 bilhões]", diz Marcelo Bella, fundador da marca Black Skull.

O estande era um dos mais concorridos do evento e se destacava dos demais por algumas particularidades. Sua atração mais visível nada tem a ver com o mundo fitness: um caveirão (veículo blindado) do Bope (Batalhão de Operações Especiais) do Rio de Janeiro totalmente restaurado. Bandeiras da corporação famosa pelo filme "Tropa de Elite" também enfeitam o local.

"Sou um ex-militar da Marinha. Nossa marca tem relação com as forças especiais. Apoia o Bope e o segundo batalhão de batedores da Polícia do Exército aqui de São Paulo", explica Bella.

A Black Skull foi uma das patrocinadoras da mais recente motociata do presidente Jair Bolsonaro em São Paulo, e diversas reportagens mostraram que ela fornece whey protein ao Exército. "A restauração do caveirão foi uma iniciativa minha. Soube que ele estava depauperado, que seria cortado e vendido ao ferro-velho. Aí sugerimos a criação de um museu do Bope", conta o empresário.

Meio carro nos ombros

Na área das competições, era possível encontrar desde meninas de 10 anos aprendendo as técnicas de uma cheerleader (animadora de torcida) até homens robustos que caminham carregando 450 kg nos ombros. Lucas Guibo, 24, acabava de fazê-lo. Ele é um competidor amador de Strongman, categoria onde os atletas de elite conseguem arrastar até um caminhão.

"Era meu sonho competir no Arnold", diz Lucas. Ele conseguiu andar mais de 20 m carregando no ombro a estrutura de metal cheia de anilhas. Na modalidade, um peso é definido (no caso, 450 kg) e vence quem completar a maior distância. "A gente sempre quer mais, né? Mas, por agora, está bom."

Ele diz que, no momento em que ergue o peso equivalente à metade de um carro, nada mais lhe passa pela mente. Só escuta a namorada, que aliás estava bem exaltada e gritou o tempo todo enquanto Lucas competia. "Quando eu era criança, assisti a uma competição da modalidade na TV e gostei. Só não sabia onde fazer. Hoje, percebi que nasci para isso."

Evento tem lutas como judô e jiu-jítsu, competições clássicas de bodybuilding e campeonato de braço de ferro - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Evento tem lutas como judô e jiu-jítsu, competições clássicas de bodybuilding e campeonato de braço de ferro
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Muito além de um bíceps

No Power Biceps, os competidores precisam executar com precisão um dos exercícios mais básicos da musculação: levantar a barra com anilhas de um suporte e fazer o movimento para malhar o músculo. O grande campeão da tarde de sábado (30) foi, sem dúvida, Eduardo Arenas.

Ele acaba de conquistar o tricampeonato na modalidade no Arnold. "Sou o primeiro atleta deficiente físico do mundo a levantar 100 kg no bíceps e a puxar um caminhão de 15 toneladas ao vivo na TV", diz Arenas. Ele, então, começa a listar suas patologias, e a sensação imediata, até para os mais incrédulos, é a de se estar diante de algum tipo de super-homem muito suado.

"Não tenho artéria na perna direita. Tomei mais de 900 pontos. Tive três AVCs (acidente vascular cerebral). Sofri um acidente e tomei mais de 500 pontos no peito. Tive uma trombose no pulmão e no coração", conta Arenas. "Meu problema no coração não tem cura e devo morrer a qualquer momento."

Arnold Classic Brasil 2022 - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Também há modalidades mais inusitadas: combate medieval, esgrima de sabre de luz, xadrez e cubo mágico
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Regata não, armadura

Longe dos halteres e anilhas, os competidores de combate medieval trocam as regatas cavadas pelas armaduras de ferro. Na modalidade, os participantes usam a veste para duelar em grupo (a meta é derrubar os adversários) ou individualmente, e nesta vale encostar a arma na armadura adversária para somar pontos.

Bianca Bishop, 22, venceu sua batalha. Ao invés da espada, ela usa como arma um pequeno escudo chamado de broquel.

"Frequentava muitos eventos de temática medieval, até que um dia vi uma luta. Fui convidada a lutar, na época não tinha nenhuma menina lutando. Coloquei a armadura e, como sou meio louca das ideias, pensei: deve ser muito legal", diz.

Posando pra galera

Em um evento onde o budybuilding está entre as principais atrações, alguns de seus adeptos circulam pelo local como aulas de anatomia ambulante. São homens alaranjados usando sungas minúsculas que posam para fotos dos admiradores. Um deles é Mauro Sérgio, que está ali desde 6h da manhã. "Mas estou aqui de coração. Não me acho um super star. Estou aqui mostrando meu trabalho. A gente rala duro, um dia tem que colher", diz.

A tarde avançava e as filas não diminuíam. Era gente atrás dos brindes e, principalmente, de uma oportunidade para tirar uma foto ao lado de ídolos do fitness e do bodybuilding que se apresentam nos estandes.

"Para quem gosta, é como se fossem ídolos do futebol", justifica Maicon Fernandes, 32. Outro visitante não estava esperando de bom grado. "Estou na fila porque minha esposa quer os brindes. Por mim, eu não parava em p... nenhuma."