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'Caí na ilusão': jogadores contam o quanto ganharam (e perderam) com NFT

Lucas Camargo, conhecido como Sakata, faz vídeos no YouTube sobre jogos NFT - YouTube/Reprodução
Lucas Camargo, conhecido como Sakata, faz vídeos no YouTube sobre jogos NFT Imagem: YouTube/Reprodução

Mariana Rodrigues

Colaboração para o TAB, de São Paulo

02/06/2022 04h01

Rodrigo*, 32, trabalhava 8 horas por dia como técnico em refrigeração na cidade de Itajaí (SC), quando ficou sabendo que um amigo estava tendo bons ganhos com jogos NFT (Non Fungible Token), um tipo de competição online que usa a tecnologia blockchain para criar personagens, itens ou acessórios únicos — e que se tornou popular a partir de 2020.

Diferentemente de um jogo como o Mario, da Nintendo, por exemplo, em que vários jogadores podem "ser" o Mario, num jogo NFT não há dois competidores exatamente iguais. Esses recursos únicos podem significar vantagens contra outros jogadores ou podem se tornar itens colecionáveis e até alvo de especulação: há expectativa de que esses itens vão se valorizar com o tempo, especialmente se o jogo for um sucesso e depois poderão ser revendidos com lucro. As transações são feitas por corretoras de criptoativos e o saldo é mantido em carteiras digitais.

Na época, Rodrigo já ganhava dinheiro com o jogo online Tibia, que não é NFT. Passou a primeira "temporada" da pandemia de covid-19 sustentando-se assim: ao longo de 2020, foi trocando artigos conquistados no jogo por reais na sua conta via grupos de Facebook e WhatsApp. "Então, quando saiu o jogo NFT, eu sabia que iria conseguir me sustentar novamente com jogo", pensou.

Quis então tentar a sorte. Em agosto passado, o técnico começou com um jogo NFT gratuito chamado Mir4. Em um mês, conseguiu quase o dobro do valor de seu salário, que era cerca de R$ 1.800. Não precisou desembolsar nada e já teve retorno, o olho brilhou.

Disclaimer no canal de Lucas Camargo no YouTube - YouTube/Reprodução - YouTube/Reprodução
Disclaimer no canal de Sakata, 'Um Pobre nos NFT', no YouTube
Imagem: YouTube/Reprodução

De Tibia a CryptoCars

Rodrigo pediu demissão e decidiu se dedicar mais aos jogos, investindo em jogos NFT pagos. Primeiro, investiu R$ 260 no Block Farm Club. O jogo quebrou pouco tempo depois, mas o investimento foi baixo perto dos ganhos da época, pondera ele.

No mês seguinte, o salto foi maior: ele fez um empréstimo no banco para investir R$ 2.600 no Bomb Crypto e teve ganhos de R$ 80 a R$ 150 por dia. Em questão de semanas, recuperou o investimento e teve lucro.

Quase dobrou a aposta: tomou um empréstimo de R$ 4.200 para investir no CryptoCars. Viu no Facebook que a moeda do jogo novo iria entrar na corretora Binance, o que poderia valorizá-la — e, imaginava ele, renderia cerca de R$ 8.000 para poder dar entrada num carro. "Caí na ilusão que eu estaria entrando antes disso. Depois de um mês e meio, a moeda que valia US$ 1,25 foi para US$ 0,40", conta.

O técnico torceu para que fosse apenas uma fase ruim, até que, no fim de janeiro, o CryptoCars quebrou. Rodrigo também tinha aberto uma conta para sua mãe em outro NFT, o BombCrypto. Ela investiu R$ 4.000 em novembro, época em que a moeda do jogo atingiu o pico de valorização, e depois disso começou a cair, então ela também perdeu dinheiro. Hoje, Rodrigo deve R$ 7.000 ao banco e, por conta das dívidas e das pressões da mãe, voltou a trabalhar com refrigeração para ter uma renda fixa. "Amo jogos de PC. [Mas] jogo NFT não entro mais se tiver que investir dinheiro. Tibia eu já voltei a jogar."

Trades e golpes

Tibia também foi o jogo que primeiro atraiu o estudante de engenharia José Carlos Júnior, 32. Depois, começou nos NFTs BombCrypto e Axie Infinity. "Só se falava disso e acabei me envolvendo", diz ele, que entrou em outubro de 2021. Nos primeiros meses, chegou a ganhar até R$ 2.500 ao mês.

José Carlos Junior, jogador NFT - José Carlos Junior/Arquivo pessoal - José Carlos Junior/Arquivo pessoal
'Só se falava disso e acabei me envolvendo', diz José Carlos Junior
Imagem: José Carlos Junior/Arquivo pessoal

Apesar da rotina corrida entre faculdade, trabalho e tarefas de casa — ele mora com a namorada e o filho deles, de quase 2 anos —, ele continua jogando, no intervalo do almoço e antes de ir para o curso, em busca de uma renda extra de R$ 300 por mês, em média. "Hoje em dia, não acho muito viável entrar nos jogos, considero uma armadilha, porque a pessoa acaba se iludindo com a ideia de que vai ganhar muito dinheiro e ficar rico de forma fácil, e não é bem assim", comenta.

O movimento de queda nas moedas de jogos foi geral, e quem dependia apenas deles teve de se reinventar. Em junho de 2021, Lucas Camargo, 25, conhecido no meio como Sakata, começou a jogar Plants vs Undead, abreviado como PVU, considerado mais acessível que o popular Axie Infinity. Segundo Sakata, um time de Axie com cinco personagens custava na época cerca de R$ 8.000; entrar no PVU já era em torno de R$ 500. "Então, todo mundo que foi procurar Axie entrou em PVU", lembra ele.

Sakata entrou no PVU e lucrou por um mês. Durante o dia, também trabalhava como empilhadeirista, mas foi demitido no início do ano. "O NFT está me salvando", diz. Passou a fazer trade de criptomoedas e a postar vídeos no YouTube e, embora o canal não esteja monetizado pela plataforma, Lucas já consegue patrocínios de US$ 30 (cerca de R$ 145) por vídeo, pagos em uma criptomoeda stablecoin, o que se tornou sua fonte de renda.

No Telegram, Lucas tem um grupo que reúne mais de 800 jogadores. Bastante movimentado, é normal que o grupo acumule milhares de mensagens em poucas horas, entre conversas sobre novos jogos e relatos de golpes. E a maioria dos jogadores têm uma história de golpe para contar.

O corretor de seguros Roberto Macedo, 51, caiu no do Criminal Duck, um jogo que funcionou de novembro a janeiro e, de repente, ficou fora do ar. Roberto procurava informações sobre investimentos quando se deparou com vídeos sobre jogos NFT no YouTube. Um de seus filhos gêmeos já jogava Axie Infinity e, em julho de 2021, decidiram juntos investir no BombCrypto: foram R$ 750, que lhes renderam uma média de R$ 800 de lucro durante os meses seguintes. Depois, investiram R$ 450 no tal Criminal Duck.

O corretor e os filhos eventualmente ainda jogam BombCrypto pois já têm o time, mas não dedicam mais tanto tempo (e dinheiro). Mas, apesar dos golpes e das oscilações das moedas de jogo, Roberto mantém uma pontinha de esperança de participar de uma nova virada. "Vamos dizer assim, é uma coisa igual a um bitcoin, ninguém imaginou que ia chegar nisso, né?", indaga.

"Só que a certeza do rendimento passado não é certeza pro futuro, são apenas suposições. Tenho um pouquinho em uma moeda, um pouquinho na outra, mas não é uma coisa que me tira o sono. Não dá pra fazer investimento numa coisa que você não depende de si próprio ou do mercado comum, você depende de 'n' fatores, é difícil."

* Nome trocado a pedido do entrevistado