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'Homem com H': a busca por um ator para viver Ney Matogrosso em musical

Atores são testados em exercícios de canto, dança e atuação para a escolha do protagonista do espetáculo - Carine Wallauer/UOL
Atores são testados em exercícios de canto, dança e atuação para a escolha do protagonista do espetáculo
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Do TAB, em São Paulo

03/06/2022 04h01

Renan Mattos aprendeu que, algumas vezes na vida, é preciso se recolher profissionalmente, rever escolhas e até mudar de área — se for o caso. "Decidi que ia passar um tempo sem fazer teatro", conta o ator, um carioca de 38 anos, de pouco mais de 1,70 m, magro, com o cabelo baixo nas laterais e um topete que ele alisa para um lado e para um outro enquanto conversa.

Mattos, que já fez parte do elenco de espetáculos como "Vamp", "Hair", "Peter Pan", "Dzi Croquettes" e "Chacrinha", há três anos largou os palcos para trabalhar com produção de moda. "Musical é desgastante", justifica. "Meu corpo está todo cheio de dores, mas eu amo. Só que chegou uma hora que não dava mais para receber tantos 'nãos'. Não porque me acho melhor que os outros, mas é que eu precisava rever alguns caminhos — e pagar as contas."

Nessas quase duas décadas de carreira, no entanto, pela primeira vez Mattos recebeu um convite para audição de um musical. Nas outras vezes, precisava se inscrever para os processos seletivos. A proposta agora fora tão irrecusável que o seduziu para sair do recolhimento e tentar mais uma vez um lugar ao sol: procura-se alguém para protagonizar uma peça sobre a vida de Ney Matogrosso.

"Só vim porque é ele. Não viria se fosse outro. Mas eu vim, eu senti que tinha de vir", afirmava o rapaz, com um sorriso largo, num pátio, acompanhado por mais 15 homens — todos eles seus concorrentes.

"Ney Matogrosso: Homem com H" estreia em 9 de setembro, em São Paulo, e fica em temporada até 30 de outubro. A montagem vai ocupar o 033 Rooftop — um espaço multiúso, com terraço, no terceiro andar do Teatro Santander.

Na última segunda-feira (30), uma banca formada por diretoras, roteiristas e diretor musical testava artistas para escolher o protagonista da peça. "Ator profissional, tenor ou contratenor, entre 18 e 40 anos, com trabalho corporal de acordo com as características do personagem", especificava a convocação que circulou dias antes por e-mail, redes sociais e sites de notícia sobre musicais brasileiros.

Numa grande sala de uma escola de musicais, no bairro do Morumbi, os rapazes se revezavam em exercícios de dança, canto e atuação. Uma espécie de maratona seletiva com a qual já estão acostumados os artistas envolvidos na linha de produção mais rica do setor teatral brasileiro. Somente em 2018, em São Paulo, movimentou-se mais de R$ 1 bilhão, gerando mais de 12 mil empregos diretos e indiretos, segundo estudo desenvolvido pela FGV (Fundação Getulio Vargas).

O ator Renan Mattos, 38, em teste para o musical sobre Ney Matogrosso - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
O ator Renan Mattos, 38, em teste para o musical sobre Ney Matogrosso
Imagem: Carine Wallauer/UOL

'Uma figura visceral'

Sentado em um banco, esperando ser chamado para um dos exercícios, o ator paraibano Adren Alves, 40, tentava esconder o nervosismo. Integrante da companhia carioca A Barca dos Corações Partidos, ele contava que, apesar de não ter sido sua primeira inspiração na carreira artística ("para mim, a maior voz sempre foi Gal Costa"), Ney é um marco para a vida adulta. "Ele é a simbiose do masculino e do feminino, e, ao mesmo tempo, uma figura visceral", afirmava. "Temos um mesmo rosto andrógino."

Alves, que já participou de espetáculos como "Ópera do Malandro" e "Gonzagão: A Lenda", diz que Ney seria para ele "um personagem difícil". "Se eu passar, vai ser o maior desafio da minha vida."

Era o que também dizia o mineiro Cleomácio Inácio, 29, mais jovem e recém-formado em teatro. Aquele era seu primeiro teste importante para um espetáculo. Em cartaz em São Paulo com o musical "Tatuagem", o rapaz foi convidado pela produtora de elenco de "Homem com H" — que o assistiu em cena — para participar da seleção. "É o tipo de musical que eu quero trabalhar. Algo brasileiro, com música nossa", afirmava.

O ator Adren Alves, 40 - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
O ator Adren Alves, 40
Imagem: Carine Wallauer/UOL

O ator Cleomácio Inácio, 29 - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
O ator Cleomácio Inácio, 29
Imagem: Carine Wallauer/UOL

O espírito do papel

"Homem com H" fará um recorte biográfico na vida de Ney partindo da adolescência até as mortes de Marco de Maria, com quem o artista foi casado durante 13 anos, e de Cazuza, ambas em decorrência da Aids.

"O espetáculo começa com um show de Ney nos anos 1990, quando alguém da plateia chama ele de 'viado'. Ele para a apresentação, e a gente volta no tempo, para resgatar a relação dele com o pai", explica a codiretora Marília Toledo, responsável ainda pela dramaturgia, assinada em parceria com Emilio Boechat. O texto é inspirado em entrevistas e livros sobre o cantor.

Para interpretar Ney não é preciso, necessariamente, ser idêntico a ele. Mas, entre os 15 testados, acrescentava a também diretora e coreógrafa Fernanda Chamma, valia levar em consideração quem tinha o "espírito" do papel. "É claro que ter alguma semelhança é importante. Mas não estamos à procura de um cover", afirmava.

"Provavelmente, vamos selecionar dois atores, pois é um personagem muito complexo e puxado. Ainda mais porque Ney tem um tom de canto que não é fácil, que requer muito do ator."

As diretoras Marília Toledo e Fernanda Chamma - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
As diretoras Marília Toledo e Fernanda Chamma
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Naquela segunda-feira, foram aproximadamente sete horas de testes. Alguns atores foram dispensados ao longo da tarde, outros foram convidados novamente pelas diretoras para voltarem nos dias seguintes. "Precisamos fazer alguns arranjos e ver como fica melhor", contava Chamma. "Pela fisionomia, podemos pensar nele para Cazuza", comentava outra pessoa da produção, sugerindo o remanejamento de um dos atores para outro papel.

"Gastei mil reais, no mínimo, para vir. Passagem, alimentação, transporte", contava Renan Mattos, no caminho de volta para o apartamento onde ficou hospedado ao longo da semana. "Foi um investimento. Não me arrependo, mesmo que não role [o papel]." Ele foi um dos concorrentes chamados para retornar à sala de teste alguns dias depois.

Na quinta-feira (2), houve mais uma etapa de seleção. Desta vez, a sete chaves, restrita apenas à produção. A decisão final deve ser divulgada ainda na primeira quinzena de junho.

O nome do ator escolhido só será anunciado após o processo jurídico de contratação — e, segundo a produção, a escolha passará pelo crivo do próprio Ney Matogrosso. Em 2017, quando também foi tema de outro musical, "Puro Ney", o artista chegou a comentar que não se considera "uma pessoa 'homenageável'". "Então essas ideias até me assustam um pouco", brincou, em entrevistas à época.

"A gente quer diversidade [no elenco]. Não pode ser nada óbvio", Fernanda Chamma destacou ao TAB. "E por isso será um espetáculo lindo."

Atualização: No início de julho, a produção do musical escolheu o ator Renan Mattos para interpretar Ney Matogrosso (na juventude, o cantor será interpretado por Dante Paccola). No elenco estão também os atores Vinicius Loyola, como Cazuza, Hellen de Castro, como Rita Lee, e Yudchi, como Frejat.